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terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

CORISCO: O BRIGÃO, O OPERÁRIO, O EXÉRCITO E A LENDA DO CANGAÇO (PARTE 1)

José João Sousa

A aventura do homem aqui na Terra parece escrita antes mesmo do cabra nascer e até virar uma lenda, ele haverá de percorrer as tais “linhas tortas” traçadas pelos deuses - é o caso de Cristino Gomes da Silva Cleto – o Corisco.

Como numa Ópera, a vida de Corisco não se resume a uma Ária, no sentido da carreira solo ou em bando. Adolescente brigão que foge de casa, operário sem aptidão, rapaz errante, soldado de um Exército Brasileiro dado a quarteladas e, claro, cangaceiro. Seria este um resumo apressado daquele que foi considerado “a sombra” de Lampião.

Filho de pais separados, Cristino vivia às turras com os irmãos Vicente, Francisco, Maria Firmina, Jovita, Rosa e Teodora. Quando nasceu, dona Firmina Maria da Conceição, sua mãe, já estava separada de Manoel Gomes e saindo com outro, daí uma incógnita sobre sua paternidade, também em função dos seus traços físicos: cabelos lisos e ruivos; pele alva e olhos amarelados.

Dona Cristina foi como todas do seu tempo: uma mulher guerreira, de pulso firme na educação dos filhos que não hesitou em aplicar uma surra no “esquisito” filho Cristino que só vivia “trancado” dentro de casa e tornara-se suspeito pelo sumiço das parcas economias de dona Firmina, dinheiro para feira do mês - Cristino, claro, foi o suspeito do furto.

O garoto já com 15 anos foge de casa, perambula por fazendas em busca de trabalho e apoio de parentes. Não deu certo, o rapazola era problemático demais.

Volta pra casa com o “rabo entre as pernas”, é recebido pela mãe que já trabalha de empregada na fábrica Estrela, de linhas de costura de Delmiro Gouveia, o icônico empreendedor cearense, e onde dona Firmina lhe consegue um emprego.

Cristino passa a levar a vida de operário ao tempo em que gasta o dinheiro que ganha em farras homéricas, que sempre acabam “no cacete” – o rapaz era brigão demais. Numa dessas, seu desafeto era um cabo de polícia, destacado em Vila da Pedra; a peleja não fica por isso mesmo obrigando Cristino a pegar a estrada novamente.

Vai passar uns tempos da casa do pai, Manoel Gomes, completa 21 anos; solicita e consegue ingresso no Exército Brasileiro, que não fazia muitas exigências em relação à certidões e tudo o mais. Cristino jura bandeira no 28 Batalhão de Caçadores de Aracajú, a unidade militar mais próxima do sertão alagoano.

O Exército é um emprego certo, nele permanece até os 30 anos, onde aprende a ler e escrever e “jeito de gente” disciplinada e eficiente, a ponto de ingressar na Tropa de 1ª Linha espécie de Tropa de Elite, como franco-atirador.

Mas o mundo de Cristino não gira – capota.

Em julho de 1924 estoura uma quartelada no Exército, em São Paulo, mais conhecida na História como Revolta Paulista de 1924 e o 28 Batalhão de Caçadores, sob o comando do capitão Eurípedes e tenentes Soriano e Maynard, segue os revoltosos paulistas. O movimento fracassa; em São Paulo os revoltosos são liquidados a tiros de metralhadoras e bombardeios de avião.

Mas o 28 Batalhão de Caçadores ainda segue em armas e em movimento a ponto de ocupar o Palácio do Governo. E Cristino estava lá na condição de atirador de elite, ignorando tudo que se passa ao redor da política – como soldado, apenas cumprindo ordens.

Com a quartelada no Exército fracassada os líderes se rendem, e para os soldados resta apenas a Corte Marcial com condenação certa de seis meses a dois anos de xadrez seguidos de expulsão.

Ficar no quartel era esperar tempo ruim e ainda pagar sem dever.

A opção para muitos soldados foi “pegar o beco”, desertar. E o soldado Cristino Gomes foi um deles; que agora, além ser perseguido pela briga que resultou na morte de um cabo de Polícia num passado não muito distante, agora era um desertor e procurado pelo Exército.

Cristino, mais uma vez, desaparece no oco do mundo.

Agora na clandestinidade por deserção do Exército, Cristino deixa Sergipe, cruza Alagoas, Pernambuco, até achar a um porto seguro na Paraíba, em Alagoa do Monteiro – hoje Monteiro.

Arranja trabalho em uma das fazendas do município, mas cuida de não se expor muito. O misterioso forasteiro cuida do gado, ergue cercas, ajuda no plantio. Cristino baixa a guarda e volta às farras e bebedeiras homéricas aos sábados e domingos, nas fazendas Serrote, Malhadinha, Capitão-Mor.

O sergipano loiro misterioso volta a se envolver em confusão. Com ele, as farras acabam em pancadaria. E uma delas começa porque Cristino jogou seu “charme” pra cima de uma garota; a convida para dançar e recebe de volta um Não!

O machismo em Cristino fala mais alto. Já “puxando fogo” não aceita o “não” e passa a ser grosseiro com a garota.

Não sabia Cristino que estava em “terra de cabra macho” como ele. Um primo da moça, percebendo o assédio grosseiro chega perto para tomar satisfações e aplica um bofete na cara do galã rejeitado e, de volta, recebe um soco bem aplicado. O forró não para e cacete também não.

A polícia aparece e leva os dois pra cadeia.

O rapaz do lugar é um “boa pinta”, filho de gente rica e logo é solto. Já Cristino, sem parente nem aderente por perto, não tem a mesma sorte e passa alguns dias no xadrez.

Ao ser solto, sua reputação de brigão já está alta e não tem a mesma simpatia do lugar. O jeito foi pedir as contas e cair na estrada, outra vez.

Deixa Monteiro para trás, cruza a divisa e vai para Vila Bela, hoje Serra Talhada, onde arranja emprego, mas não se demora no lugar e segue em frente até a cidade de Bom Nome, onde uma parente sua mantém uma relação amorosa com o poderoso do lugar chamado Manoel Valões.

Eis que Valões, certo dia, recebe em sua fazenda amigos influentes de Vila Bela. Entre eles está um filho do poderoso João Alves de Barros, intendente (prefeito) de Vila Bela. O rapaz, discretamente chama Valões para uma conversa “pé de oreia” e abre o jogo.

- Esse Cristino aí é desertor do Exército e é procurado pela polícia, delatou o rapaz.

Cristino, mais uma vez, não tem saída e lhe restam duas opções: seguir fugindo ou encarar cadeia.

Nesta quadra da vida, Cristino resolve abraçar o banditismo. Manifesta vontade de ingressar no bando de Lampião, pois esse era o desejo ou sonho de muitos rapazes da época: fazer dinheiro fácil e fugir de perseguições.

E foi o próprio Manoel Valões quem fez a intermediação. Recebeu Virgulino Ferreira da Silva e seu bando na sua fazenda e fez as apresentações.

- Capitão Virgulino, este aqui é Cristino, habilidoso nas armas, bom de mira e procurado pelo Exército por deserção e pela polícia por ter matado um cabo.

Mas aqui já é prosa para outro artigo, porque a vida de Corisco só pode ser contada em vários capítulos.

João Costa. Acesse: blogdojoaocosta.com. br.

Fonte: “Corisco – A Sombra de Lampião”, de Sérgio Augusto Dantas.

Fotos. Benjamim Abraão Botto.

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