FONTE: Blog Tok de História (tokdehistoria.com.br)
AUTOR-Rostand
Medeiros
Lampião e seu
bando, depois de vários anos atuando nos sertões dos estados de Sergipe,
Alagoas, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte, passaram a sofrer uma grande
perseguição dos aparatos policiais destes estados.
Ciente da
perseguição que as volantes infligiam a seu debilitado grupo, Lampião precisava
de repouso para repor as energias, recrutar novos homens e procurar novas áreas
de atuação. Nesse sentido, em agosto de 1928, ele resolveu atravessar o grande
Rio São Francisco e se internar nos sertões baianos.
Em um primeiro
momento, buscando refúgio nas fazendas de novos amigos, Virgulino Ferreira da
Silva, o nome real do “Rei do Cangaço”, encontrou nestas paragens a almejada
paz para recompor suas forças.
Primeiramente
a polícia da Bahia fez vista grossa em relação ao ilustre visitante. Lampião
aproveitou para firmar contatos, compor alianças, ampliar sua rede de coiteiros
que lhe dariam apoio e proteção.
Propalou que
estava “em paz” no território baiano, utilizava a velha cantilena que “havia
entrado no cangaço pelos sofrimentos sofridos pela sua família” e que se
“houvesse condições”, ele largaria aquela vida em armas e buscaria ficar em
paz.
Mesmo
divulgando estas novas intenções, não deixou de coagir os fazendeiros baianos,
pedindo para estes lhe “ajudar” no sustento do seu bando.
E assim, ao
seu modo, durante quase três meses, Lampião e seus cangaceiros viveram
tranquilos junto ao povo do sertão da “Boa Terra”.
FOTO FAMOSA
Sua primeira
aparição pública ocorreu na antiga vila do Cumbe, atual município de Euclides
da Cunha, em um sábado, dia 15 de dezembro de 1928.
Ali não houve
alterações. Mas o chefe não deixou de fazer uma arrecadação pecuniária com os
abonados do lugar e chegou até mesmo a almoçar e beber cerveja com o delegado.
A tranquilidade era tanta que deu até para alguns alfaiates do lugar
confeccionar novos uniformes para seus homens.
Depois do
Cumbe os cangaceiros seguiram para a cidade de Tucano, onde novamente nada de
anormal ocorreu. Ali os bandoleiros das caatingas chamaram a atenção de todos,
tratavam todos bem e foram bem acolhidos pelos moradores.
Para Oleone
Coelho Fontes, autor de “Lampião na Bahia” (4ª Edição), após a estada em
Tucano, o chefe cangaceiro e seus homens, seguiram em direção nordeste, por
cerca de 40 quilômetros, até a vila, atualmente município, de Ribeira de
Pombal, já próximo a fronteira sergipana. Para este deslocamento consta que
Lampião obrigou o padre de Tucano a ceder o seu carro e um motorista.
Segundo o
pesquisador baiano, o chefe e mais sete cangaceiros chegaram ao lugarejo às
seis da manhã do domingo, 16 de dezembro. Os moradores locais sabiam através da
passagem de viajantes, que Lampião encontrava-se em Tucano e que certamente
logo chegaria a Pombal.
O intendente
local era Paulo Cardoso de Oliveira Brito, mais conhecido como Seu Cardoso, e
foi ele quem recebeu Virgulino e seus homens.
Foi ofertado
café a todos os bandoleiros e Lampião avisou que não queria brigar com os
poucos policiais que estavam de serviço no lugarejo, comandados pelo cabo
Esmeraldo. Com a boa hospitalidade oferecida, Lampião se sentiu a vontade e
logo procurou saber se havia um fotógrafo no lugar.
Foi chamado
Alcides Fraga, alfaiate e maestro da Filarmônica XV de outubro, que prontamente
bateu uma chapa. Esta é uma das mais célebres fotografias do ciclo do cangaço,
que inclusive circulou com destaque em jornais do Rio de Janeiro, em janeiro de
1929.
Por volta de
oito horas da manhã o bando saiu da vila, acompanhados do cabo Esmeraldo,
partindo em direção destino ao município de Bom Conselho, atual Cícero Dantas,
30 quilômetros em direção nordeste.
A chegada dos
cangaceiros ocorreu em um dia de feira, com o cabo baiano já rouco de tanto
gritar: – Viva Lampião! – Viva o Capitão Virgulino!
Apesar deste
detalhe, a única outra alteração praticada pelos cangaceiros, foi terem se
apoderado dos fuzis dos quatro soldados da polícia baiana destacados no lugar.
Após saírem de
Bom Conselho, ainda motorizados, o bando seguiu em direção mais ao norte, cerca
de 40 quilômetros, para um pequeno aglomerado de casas denominado Sítio do
Quinto.
A hora exata
que os facínoras chegaram de caminhão a esta localidade não sabemos, mas lá
onde procuraram a casa de José Hermenegildo.
Por volta da
meia noite de 16 para 17 de dezembro de 1928, um pequeno automóvel modelo Ford,
que transportava três homens, também chegou ao mesmo lugar.
AO ENCONTRO DO
PERIGO
Enquanto
Lampião e seus homens passavam por Pombal, Bom Conselho e chegavam a Sítio do
Quinto, da cidade baiana de Jeremoabo, cerca de 50 quilômetros ao norte, partia
um automóvel conduzindo três homens, entre estes estava um dos mais importantes
coronéis do interior baiano.
Este era João
Gonçalves de Sá, referência regional, prestigiado líder político e rico
proprietário de muitas fazendas com grande extensão territorial, que englobava
muitos dos municípios da região Nordeste da Bahia. Naquele dezembro de 1928 o
coronel João Sá exercia os cargos de presidência da Intendência de Jeremoabo e,
pela segunda vez, o mandato de deputado estadual pelo legislativo baiano.
Junto ao
coronel João Sá seguia seu pai Jesuíno Martins de Sá e um dos secretários da
Intendência de Jeremoabo, o jovem José da Costa Dórea. O destino de todos era
Salvador, onde o trajeto naquele tempo exigia seguirem pelo território
sergipano e depois todos continuariam o trajeto por via ferroviária, utilizando
os trens da ferrovia conhecida como Leste Brasileira.
Segundo nos
conta Oleone Coelho Fontes, no capítulo 5 do seu livro “Lampião na Bahia”,
através de extenso relato descritivo feito por Dórea (e até hoje,
aparentemente, inédito na sua íntegra), devido a um problema mecânico no
automóvel, a viagem foi realizada a noite, tendo a saída ocorrido às seis
horas.
Mesmo sabendo
que o grupo de Lampião circulava pela região, o coronel Sá confiou que guiando
durante grande parte da noite, seguindo pelas antigas estradas poeirentas da
região, eles poderiam passar despercebidos pelo bando.
Ao realizarem
uma parada para tomar café na fazenda Abobreira, o medo de um encontro com
Lampião e seus cangaceiros se tornou mais real, pois o proprietário do lugar,
José Saturnino de Carvalho Nilo, confirmou que eles estavam nas redondezas.
Mesmo assim seguiram adiante, em direção ao lugarejo Sítio do Quinto.
Já na edição
do dia 30 de dezembro de 1928 do jornal carioca “A Crítica” (cujo proprietário
era o pernambucano Mário Rodrigues, pai do dramaturgo Nelson Rodrigues), na sua
página 5, encontramos um relato inédito sobre o encontro do coronel João Sá com
Lampião e seus homens.
Nas duas
descrições desta aventura, consta que os viajantes de Jeremoabo, ao entrarem no
pequeno arruado, viram diante de uma casa um veículo parado, com alguns homens
ao seu redor.
A reportagem
do jornal carioca informa que um deles estava com um candeeiro. O coronel João
Sá imaginou que a casa onde o veículo e os homens estavam deveria oferecer
algum tipo de apoio aos viajantes.
Após brecarem,
os passageiros do Ford foram cercados por homens armados e intimados a
informarem quem eram. Após isso o coronel João Sá descobriu que estava diante
do cangaceiro Lampião. E como para confirmar, o homem armado aproximou o
candeeiro de seu rosto, mostrando a característico defeito em seu olho.
MOMENTOS ENTRE
O CORONEL E O CANGACEIRO
Em um primeiro
momento o medo e o pavor com o que iria acontecer tomou conta dos viajantes,
mas o chefe cangaceiro, prontamente lhes garantiu que nada de ruim lhe
aconteceria.
Conduzidos por
Lampião e seus homens, todos entraram na casa de José Hermenegildo e foram se
acomodando em cima de sacos de algodão e de peles de animais, que na época era
um produto mais fácil de encontrar no sertão e tinha mercado nas capitais.
O informante
Dórea afirma que em certo momento Lampião chamou o coronel João Sá para uma
conversa particular na parte de fora da casa, fato que o deixou assustado,
imaginando que o chefe político de Jeremoabo seria fuzilado. Mas nada
aconteceu.
Enquanto isso
Dórea e Jesuíno Martins de Sá, então com 76 anos, entabulavam conversa com
alguns cangaceiros, entre estes o irmão do chefe, Ezequiel, conhecido pela
alcunha de Ponto Fino. Dórea afirmou que o coronel João Sá não transportava
dinheiro vivo, apenas ordens bancárias, assim este lhe chamou fora da casa e
lhe solicitou 200$000 réis para dar a Lampião. Este por sua vez deixou que os
viajantes do Ford escrevessem cartas as suas famílias, que um portador levaria
as missivas para Jeremoabo.
As duas
versões apontam que em dado momento a tensão se desvaneceu e o clima ficou mais
tranquilo.
Segundo o
coronel João Sá observou, e assim ficou registrado no jornal carioca, os
cabelos do chefe cangaceiro chegavam aos seus ombros, seu uniforme de mescla
azul se mostrava já bastante gasto e Lampião trazia um semblante abatido.
Na sequência
Lampião pediu a José Hermenegildo que colocasse três redes para acomodar a ele,
ao coronel e a seu pai no mesmo quarto. Neste momento o líder político do
Nordeste da Bahia pediu ao maior cangaceiro do Brasil que narrasse a epopeia de
sua vida. Lampião descreveu as perseguições que sofreu ao longo da vida como
bandoleiro das caatingas, mas que estava “a fim de descansar” no sertão baiano.
O coronel João
Sá descreveu nas páginas de “A Crítica” que depois das narrativas feitas por
Lampião, este foi dormir. Mesmo com a vida atribulada que levava, em meio a
tantos combates e com tantas mortes nas costas, o coronel descreveu que o chefe
cangaceiro dormiu um “sono profundo”. Mesmo estando em companhia de estranhos
“adormeceu como um justo”. Logo todos os homens, “cavaleiros e salteadores”,
como descreveu a reportagem, dormiram “confiantes e tranquilos”.
NO “TRANCO”
No capítulo 5
do livro de Oleone, o texto em que José da Costa Dórea conta este episódio
sobre Lampião, este afirma que foi ele quem fez a solicitação para que o chefe
cangaceiro narrasse a sua vida e que anotou tudo em um bloco escolar.
Segundo a
opinião do autor de “Lampião na Bahia”, esta entrevista é seguramente a mais
longa que o “Rei do Cangaço” fez em toda a sua vida e que seria parte
integrante de um livro de Dórea intitulado “Vida e morte do cangaceiro
Lampião”. Vale ressaltar que Oleone Coelho Fontes informou em seu livro possuir
os originais deste material, mas que, salvo engano, até o momento continua
inédito.
Nas páginas de
“A Crítica”, nos primeiros albores da manhã, após o despertar, o coronel João
Sá comenta a Lampião que na condição de deputado estadual teria de informar as
autoridades sobre aquele encontro. Consta que Lampião não se alterou com as
palavras do político baiano.
Quando o
coronel deu na partida do seu automóvel, provavelmente devido ao frio noturno
do sertão, a máquina não pegou. Na mesma hora, vários comandados de Lampião
deram uma mãozinha ao coronel João Sá, empurrando o carro que pegou no “tranco”
e estes seguiram viagem.
SIMPATIA OU
NECESSIDADE?
Dali Lampião
continuaria seu caminho pela Bahia e logo a sua lua de mel com os habitantes
daquele estado estaria encerrada. O fato se deu com o combate ocorrido no lugar
Curralinho, no dia 28 de dezembro de 1928, onde foram mortos o sargento José
Joaquim de Miranda, apelidado “Bigode de Ouro” e os soldados Juvenal Olavo da
Silva, e Francellino Gonçalves Filho. Depois destas primeiras mortes na Bahia,
Lampião e seus homens, ainda no primeiro semestre de 1929, cobrariam um alto
preço a polícia baiana. Logo veio o combate do Arraial de Abóbora, em
Jaguarary, hoje povoado de Juazeiro, ocorrido no dia 7 de janeiro e que
ocasionou a morte de dois soldados. Depois veio Novo Amparo, no dia 26 de
fevereiro de 1929, com a morte de mais outros dois soldados. Ainda no primeiro
semestre de 1929 temos o sangrento combate do Brejão da Caatinga, município de
Campo Formoso, no dia 4 de junho, com a morte de um cabo e quatro soldados.
Quanto ao
coronel Sá e sua família, segundo Oleone Coelho Fontes afirma em seu livro
(Pág. 39), enquanto Lampião na Bahia jamais ocorreu nada com suas terras e seus
protegidos. O pesquisador afirma que, fosse por simpatia, ou por necessidade de
preservar seus bens, ou por ter vislumbrando vantagens outras nesta aliança com
o grande cangaceiro, o coronel Sá se tornou um dos mais importantes protetores
de Lampião na Bahia.
E tudo
aparentemente começou naquele encontro divulgado até em jornais cariocas.
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