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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Rio de Janeiro movido a carvão


Balão de carvão do século XIX: estrutura era administrada por até cinco pessoas e devia ser vigiada 24 horas por dia, para que a combustão não saísse de controle e a produção fosse transformada em cinzas.

Ignorados pela história oficial, carvoeiros geraram energia da cidade nos séculos XIX e XX.

Por quase um século, o Rio foi movido a carvão. Da indústria e das locomotivas à construção de casas e produção ferraduras de cavalos, boa parte da economia teve o carvão como matéria-prima. Foi um período crucial para o progresso da cidade - de meados do século XIX até a década de 1950 -, mas, ainda assim, quem impulsionou esse crescimento permanece no esquecimento. Pouco se sabe sobre os carvoeiros, em sua maioria escravos libertos, que viviam no Maciço da Pedra Branca, na Zona Oeste. Ocultos da população urbana, que ainda ignorava a região, eles desmataram a floresta e transformaram a lenha em insumo - como revela um trabalho da Pontifícia Universidade Católica (PUC), responsável por um inédito levantamento das carvoarias da região.

Apenas um escritor, Magalhães Corrêa, dedicou algumas palavras aos carvoeiros. São eles os protagonistas de um capítulo de seu livro "O sertão carioca", em que descreve a Barra da Tijuca e Jacarepaguá: "Os machadeiros são todos nacionais, boas pessoas, muito gentis; (...) são verdadeiros heróis, que não conhecem o medo e a preguiça nesse trabalho penosíssimo", exaltou.

A região do Maciço da Pedra Branca, conhecida como Planície dos Onze Engenhos no século XVII, era ocupada por grandes propriedades, que dependiam de lenha para a produção do açúcar. Os escravos, responsáveis pelo trabalho, adquiriram ali o conhecimento que, anos depois, usariam nas carvoarias.

Estas pequenas estruturas foram erigidas em platôs, áreas planas do maciço, no meio da floresta. Quatro ou cinco homens revezavam-se na administração do balão de carvão, um cone de lenha empilhada, revestido de barro, com cerca de 3,5 metros de altura. A queima da lenha era abafada em um processo que exigia atenção dia e noite, já que a ventilação deveria ser controlada com a abertura ou fechamento de "respiros". Caso contrário, toda a produção seria perdida, convertida em cinzas. Por exigir tanta dedicação, era comum que os trabalhadores vivessem ao lado dos balões. Escavações já encontraram algumas ruínas de casebres ao lado daquelas produções.

Os carvoeiros estavam à frente de um empreendimento delicado, mas barato - exigia apenas uma enxada, um machado e uma espécie de isqueiro. Não à toa tantos ex-trabalhadores da lavoura decidiram se aventurar na mata.

- Os engenhos da região começaram a alforriar seus escravos cerca de 20 anos antes da Lei Áurea - destaca Rogério Ribeiro de Oliveira, professor do Departamento de Geografia da PUC-Rio e pesquisador de História Ambiental da Mata Atlântica. - Alguns receberam pequenas propriedades, mas outros debandaram para a floresta. Por volta de 1850, a lenha, até então insumo básico do Brasil, perdeu espaço para o carvão. Afinal, ele gera três vezes mais energia, é leve e facilmente transportável, e poderia ser empregado na fabricação de vinho ou na metalurgia, algo impossível com a lenha.

Oliveira e Joana Stingel Fraga, pesquisadora de História Ambiental da PUC, buscaram vestígios das carvoarias numa área de 100 hectares do maciço, próximo à Taquara. Encontraram 157. Surpresos com o resultado da busca, estimam que a Pedra Branca, em seus 7 mil hectares, pode ter abrigado até 3 mil empreendimentos semelhantes.

Uma área equivalente a 80 campos de futebol foi desmatada para dar origem a estas carvoarias, dispersas por todo o local de pesquisa. Algumas foram instaladas a até 650 metros de altura, quase a mesma do morro do Corcovado (710 metros). No entanto, como estas estruturas foram abandonadas há muito tempo, praticamente todas foram engolidas pela vegetação. Apenas cinco das encontradas pelos pesquisadores estão atualmente em áreas abertas.

- Esperamos recuperar muitos desses sítios arqueológicos, que, além de uma história ambiental, também guardam um relato cultural sobre esses personagens sem rosto - explica Oliveira, que buscou descendentes de carvoeiros. - São completamente exíguas as fontes de informações, escritas ou orais, sobre as pessoas que forneciam energia ao Rio crescente. Sabe-se que em grande parte trabalhavam por conta própria, por empreitada ou, mais raramente, como assalariadas. Tanto uns como outros eram quase sempre explorados por intermediários que levavam o carvão para a cidade.

Da floresta para as favelas

Longe da mata, o carvão era levado para casas (onde eram usados em fogões e ferros de passar) ou indústrias. Uma das que mais usavam o produto era a construção civil - onde outros profissionais, mestres cantareiros e pedreiros, usavam-no para moldar paralelepípedos empregados em sobrados, das calçadas às fachadas, muitos ainda de pé no Centro Antigo e em diversos bairros da Zona Sul, como Catete, Laranjeiras e Cosme Velho.

As carvoarias viveram o seu apogeu entre 1880 e 1920. Trinta anos depois, quase todas haviam encerrado as atividades, quando o país mais uma vez trocou sua matriz energética - o carvão deu lugar ao petróleo. Devido à carência de fontes, é possível apenas especular sobre o destino dos antigos trabalhadores da Pedra Branca. Oliveira acredita que a maioria foi para o Centro, onde alguns conseguiram empregos na construção civil. Para morar próximo ao serviço, engrossaram o contingente das primeiras favelas.

O carvão gerou riqueza, mas os carvoeiros se beneficiaram muito pouco de seu próprio trabalho, ressalta o pesquisador. Primeiro, porque eram negros, em uma sociedade que havia acabado de abolir a escravidão. Segundo, porque mexiam com um material sujo. Terceiro, porque moravam numa área muito distante.

Renato Grandelle
Fonte: O Globo, 4 de fevereiro de 2012.

Trasladei do blog: Saiba História, 
do professor Adinalzir Pereira Lamego

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