Por:
Luiz Nogueira Barros Alves (*)
Vou ao cemitério visitar o túmulo de minha mãe. Estou em Maceió e sou adulto.
Na saída pergunto para um funcionário:
– Aquele é o túmulo do coronel Lucena?
Ele me diz que não sabe, que trabalha ali faz pouco
tempo. Fico a me lembrar de que o coronel foi prefeito de Maceió. E de que o seu túmulo foi uma homenagem da Prefeitura, ao tempo do prefeito Sandoval Caju.
E mais: que morrera humilde e sem riquezas. E logo um frio percorre o meu corpo. E os ventos - tais os da infância - me transportam aos anos quarenta. Estou em Santana do Ipanema. A cidade se confunde com as minhas lembranças. O velho Quartel da Polícia Militar enche o meu olhar. Nele funcionava o "Comando de Caça a Lampião", que tinha como comandante o coronel Lucena. Tipo forte, cabelos ondulados, boca pequena, nariz fino, corado e sempre alegre, ele encarnava o mito da coragem. Fora disso, era o homem venerado e de quem jamais se colocou em dúvida a honestidade de princípios.
E de súbito, vejo-me na formatura do curso primário tendo o coronel como nosso padrinho, fato sobre o qual até bem pouco eu ainda tinha uma fotografia. Depois o coronel está abraçado com "Seu" Carola, dono da maior farmácia da cidade, brincando o carnaval acompanhado por uma multidão de foliões, entrando em todas as casas da cidade e recebido como um rei. Um rei para o qual as famílias preparavam comidas e bebidas. Mas os dois foliões não bebiam. Os seus acompanhantes, pessoas simples do povo, é que se fartavam. O que valia era a alegria de receber o coronel e o seu inseparável amigo de carnaval. Percorrendo ruas e ruas o coronel a todos prestigiava tornando os carnavais tranqüilos. Mas, o coronel Lucena não era o único mito da cidade. Ele dividia o privilégio
com o padre Bulhões. Um era o poder material e outro o poder espiritual. Coronel Lucena, no Monumento – parte alta da cidade. E padre Bulhões, no Camoxinga – parte baixa da cidade.
Assim, eles estendiam um arco de proteção sobre toda cidade. Um dia, o tenente Porfírio, homem valente,
tornara-se suspeito de que se preparava para formar um bando de cangaceiros. Já houvera morto uma esposa, segundo suspeitas. A desculpa fora simples: encontro casual com grupos de cangaceiros, tiroteio e etc. Saíra-se bem com a justiça. Mas haveria de matar outra esposa de nome Durvalina, refugiando-se no Camoxinga. Todos sabiam que cangaceiros não agiam nas terras de Senhora Santana. E o coronel Lucena mandou-lhe ordem para comparecer ao quartel, através de seus dois soldados de confiança, Artur e Zé Pereira. Mas tenente Porfírio debochou:
– Digam ao coronel que a distância é a mesma. Ele
que venha aqui. Acabrunhados, os soldados comunicaram o fato ao coronel. E ouviram:
– Muito bem: voltem e tragam Porfírio de qualquer
jeito!
Quando os dois se aproximaram da casa de Porfírio
ele já saltou de revólver em punho, na varanda. Mas tombou (numa fração de segundos) mortalmente ferido, sem ter tido tempo para algum tiro certeiro. Colocado numa rede foi levado para o quartel e depois sepultado com uma sava de tiros a que tinha direito. Abriu-se inquérito policial para apuração da ocorrência. Motivo:desacato a autoridade.
Desperto-me. Estou outra vez em Maceió. Olho para a
presumível sepultura. Não consigo ir vê-la de perto. E deixo o cemitério remoendo lembranças e ainda sentindo os ventos da infância.
Gazeta de Alagoas, 18.4.93
(*) LUIZ NOGUEIRA BARROS:Sócio efetivo do Instituto - Histórico e Geográfico de Alagoas, função de Segundo Secretário, em seguida Secretário Perpétuo em 2001. Segundo vice-presidente, diretoria de transição, após a morte do presidente, prof. Ib Gatto Falcão, da Academia Alagoas de Letras.
Fonte: Facebook - Voltaseca
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