Ranulfo Prata
e o seu Livro sobre Lampião...
Ainda outro
dia um jornalista francês falou da “decadência do documentário”. Apontava
exemplos significativos: os livros de “choses-vues”, de reportagens
sensacionais, de viagens pelo Tibete, arrancadas pelo Saara, “visões da China”,
“espelhos do Alasca”, “infernos dos vivos”, etc. etc., eram todos, muitas
vezes, frutos de imaginação excitada. Nem sempre os “fatos descritos
correspondiam à mínima partícula da realidade, ou os “gestos” exaltados
apresentavam dez por cento de caracteres de autenticidade de fácil comprovação.
Assim, o foliculário gaulês decretava a morte do documentário.
Sem querer
incidir no vício brasileiro de achar que no Brasil tudo é assombroso,
formidável, gigantesco, eu chamaria a atenção de tal jornalista, e de todos os
descrentes nas obras de honestidade de documentação, para o volume que o senhor
Ranulfo Prata acaba de publicar sobre Lampião. O assunto é velho. Como
antiga é a fama do bandoleiro, e antiga a descrença dos nordestinos em qualquer
possível medida para o extermínio do mal.
Ainda, há
meses, em Propriá, cidadezinha perdida às margens de um São Francisco muito
minguado (uma desilusão, o São Francisco!), um caboclo narrava à assistência
extasiada, de jornalistas do Sul, “fatos” e “gestos” de Lampião. Mas com uma
perfeição de detalhes que tornava todos os aspectos da narrativa ainda mais saborosos.
Perguntei-lhe então como conseguira tanta minúcia interessante a respeito. E
ele:
Lampião em
foto de 1926
- Ora, todo
mundo sabe. Nós todos somos repórteres “formados” em Lampião. Pois ele não anda
por aí, soltinho?...
Nos primeiros
tempos, o caboclo encarou o banditismo como uma praga. Depois, o espírito
brasileiro dos filhos do Norte foi se acostumando com o flagelo; a praga, já
que apresentava caracteres de eternidade, devia ser encarada de outro modo. Por
exemplo, como a seca. A seca é uma praga, contra a qual não há remédio. O
banditismo será também encarado como a seca. Essa a filosofia do caboclo.
Já o senhor
Ranulfo Prata, que passou pelos bancos dos cursos secundários e de uma escola
de medicina, não tem (nem podia ter) essa opinião resignada, apalermada,
admirativa, mesmo, do flagelado diante do flagelo. Ele chega por vezes mesmo a
ter palavras violentas. Os vocábulos “chaga” e “vergonha” aparecem a cada
passo. Terá o senhor Ranulfo vantagem com isso?
Em qualquer
país, um livro como “Lampião” causaria crises ministeriais e quedas de
gabinetes. No Brasil, quando muito, arrancará gritos de indignação dos
burgueses e fará com que se levantem os punhos rotos dos revoltados. Uns
gritarão: “É uma miséria!” E outros: “São os defeitos do regime!” Mas aqueles
que deveriam gritar, não gritam. Esses preferem o assento cômodo das poltronas
de sua burocracia deleitosa, o retrato nos jornais, a palavra pelos microfones.
Que fazer contra um inimigo tão incômodo? E depois, fica tão longe! E onde
arranjar a verba para combater o facínora?
Mas o livro do senhor Ranulfo ficará como documento. Nesse sentido, ele é admirável.
Tem trechos que reunidos dariam ótimas monografias sobre as “Excentricidades do
Banditismo” ou sobre a “Despreocupação virgiliana dos governos”. Mas está tudo
isso no livro, e repetir os fatos seria estragar o gosto da leitura dos que
abrirem o “Lampião”.
Aqui fica o
registro, e o protesto diante do jornalista que falou na “decadência do
documentário”. Se o português não fosse uma língua tumular, o tal francês,
diante de casos como o do morticínio do sítio Almacega, da sangueira da vila
Queimadas ou da matança de Aquidabã, seria forçado a acreditar que estava mesmo
diante da “verdade”, e que nenhuma imaginação, nem mesmo a imaginação tropical,
que pudesse ser um dos dotes do senhor Ranulfo Prata, poderia compor tantos
detalhes sangrentos em tão poucas linhas.
Porque o
senhor Ranulfo não fala só no passado, nem só no presente. Também faz
profecias. As suas linhas sobre a passagem triunfal de Lampião pela avenida Rio
Branco da Capital Federal são (com licença do objetivo) gostosíssimas.
E – quem nos
afirma ao contrário? – com todas as probabilidades de realização em um futuro
que seria falta de patriotismo avaliar muito distante.
DONATELLO
GRIECO
Extraído da
“Folha da Manhã”, de São Paulo,
de 28 de
janeiro de 1934.
Cortesia da
Postagem e Fotos: Antonio Correa Sobrinho
http://cariricangaco.blogspot.com.br/2014/12/as-excentricidades-do-banditismo-por.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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