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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

VIRGOLINO, UM LÍDER NATO NA SUA “PEQUENA GUERRA”


Guerrilha vinda do idioma espanhol: Guerrilha, "pequena guerra", é um tipo de guerra na qual o principal estratagema é a ocultação daqueles que dela participam e a extrema mobilidade dos combatentes, ou seja, a rapidez, em todos os seus movimentos, é a chave do sucesso dessa forma de lutar.

Soldados, que por alguma razão se rebelam, ou mesmo se unem a revolucionários, e fazem esse tipo de ‘guerra’ são denominados, chamados, de guerrilheiros, há entre os estudiosos de que a denominação não seja compatível com civis, paisanas, e, dentre estes, ainda os denominam de ‘irregulares’.

Só que soldados rebelados, já tiverem instruções. Aqueles que passam a fazerem parte delas, das guerrilhas, aderem ou são adicionados, tem um determinado tempo para aprenderem como tudo funciona, assim está escrito na história.


Imaginem um ‘cabra’, nascido no interior do Estado de Pernambuco, na região do Sertão, mais precisamente no Pajeú das Flores, nunca ter frequentado escola militar nem ter participado de revolução. Ou seja, não tivera, de maneira alguma, ensinamentos sobre emboscar, atacar, retirada, deixar várias pistas falsas, marca local definido para reencontro após as ações nos vários lugares que atuaram. É de pensar no porquê desse caboclo, ainda descendente dos caboclos da Serra do Umã, ter tanto, não se sabe de onde, conhecimentos em guerra de movimentos, além do seu comando direto, reto e obedecido.

No sítio chamado Passagem das Pedras, município de Vila Bela, hoje, Serra Talhada, PE, em meados de 1897, nasce o terceiro filho do casal de camponeses José Ferreira e Maria Lopes. Tendo dois irmãos mais velhos, o lógico seria que algum dentre esses, ou mesmo o primogênito, fosse quem comandasse as ações dos três, mesmo em criança. Porém, desde a época da escola em que frequentavam que o terceiro filho do casal, Virgolino Ferreira, demonstra dom natural de estratégia em combate e comando.


(...) Revelava espírito de liderança nas perigosas brincadeiras a que se entregavam fora da vista dos pais e do mestre, quando dividia os garotos em grupos antagônicos para arremedos de combate usando como armas pedras ou caroços verdes de mamona disparados por estilingues: um grupo representava “o bando de Cassimiro Honório”, o outro “o bando de José de Souza” e assim por diante. Ao grito de Fogo!”, em geral dado por Virgulino, os garotos iniciavam violenta “batalha” (...).” (“O CANTO DO ACAUÃ – Das memórias do Cel. Manoel de Souza Ferraz” – FERRAZ, Marilourdes.(Marilourdes Ferraz). 1ª Edição Revisada e Atualizada. Recife, PE. 2012).

Essa narração acima fora feita a pesquisadora/historiadora citada por um filho daqueles que fora colega de sala de aula dos Ferreira, Luís Soriano que é filho do Professor Domingos Soriano Lopes Ferraz.

Já o inesquecível João Gomes de Lira, em seu “LAMPIÃO – Memórias de um Soldado de Volante”, 1ª Edição, Recife, PE, 1990, cita-nos que Virgolino Ferreira, contando com 9 anos de idade, e seus irmão mais velhos, Antônio e Livino, 12 e 11 anos respectivamente, tinha um aprendizado maior e mais rápido do que os dois, ou mesmo dos restantes dos colegas.


“(...) Dos filhos do agricultor José Ferreira, era Virgulino o mais desenvolvido, apresentando visível sinal de inteligência que, apesar do pouco período de assistência escolar, ainda assim, aprendeu a “ler e escrever uma carta” (...).” (Lira)

Hoje, procuramos estudar esses detalhes para ficarmos, ou tentarmos ficar, mais inteirados de como ascenderam tantas manobras guerrilheiras usadas por Lampião em sua ‘guerra particular’ contra as Forças dos sete Estados da Região Nordeste, por onde estendeu seu “condado” de sangue.

Os irmãos Ferreira já estão em terras alagoanas, junto com os Porcinos e, lá, fazem o escarcéu de maldades e deixam um rastro de sangue e dor por onde passaram. A Força alagoana bota pegado neles, tanto que os Porcinos arribam para terras baianas. Os Ferreira retornam ao Estado natal, pedem e são aceitos por um chefe de bando de cangaceiros. Entram no bando de Sinhô Pereira, Sebastião Pereira da Silva.

Desde o início, ou sequência, dessa vida de bandoleiro, Virgolino destaca-se para usar antes de tudo, a inteligência, antes mesmo da valentia. Não há necessidade de ser um valente morto, dá-nos a entende os relatos dos historiadores sobre suas ‘estripulias’ como jovem cangaceiro.

Antônio Ferreira - o cangaceiro "Esperança", irmão mais velho de Virgolino.

“(...) Podemos dizer que, só de fins de junho até oito de agosto de 1922, foi que os Ferreira tomaram parte ativa em todas as lutas do chefe Sebastião Pereira. Foi na chefia do mesmo que Virgulino Ferreira, por sua bravura e saliência, logo se celebrizou. Em todos os combates demonstrava verdadeira e perfeita táticas de guerrilhas (...).” (Lira)

Ao entrarem de vez no cangaço, quando os Ferreira aderem ao bando de Sinhô Pereira, pelos fatos que estão fixados nas linhas, caibros e ripas no teto do tempo, a história nos mostra o destaque do jovem Virgolino em combate. Não só neles, mas, principalmente, no planejamento anterior a esses, assim como no rápido pensar durante a luta para sair d’uma situação de risco iminente de morte.

Sinhô Pereira, como todo cangaceiro, bandoleiro, fora – da – Lei é alvo de várias perseguições pelas volantes. Após os Ferreira estarem em seu bando, nas várias lutas que ocorreram em solo pernambucano, depois em terras cearenses, e, ainda depois, nos vários confrontos novamente em terras do Leão do Norte, tome Virgolino chamar atenção do chefe, dos companheiros e dos catingueiros que no sertão moravam.


Estando, certo dia, Sinhô Pereira e cabroeira, quase uma dúzia de homens, em terras de um coiteiro, Sr. Arsênio, no município de Belmonte, PE, o chefe resolve falar com ele, aproveitando para tomar um café, enquanto botavam a ‘conversa’ em dia na casa do mesmo. Conversa vai, conversa vem, quando de repente notam que estão cercados por vários soldados.

Virgolino Ferreira - já como "Lampeão" e chefiando o bando que 'herdara' do chefe Sinhô Pereira.

Era uma volante pernambucana comandada pelo Capitão Cardim e pelo tenente Bigode. Palavrões daqui, respostas dacolá, o tempo se fecha e o tiroteio tem início. A coisa começa a engrossar para os que dentro da casa estavam já que essa era de taipa e as balas dos fuzis dos militares acertando as paredes começando a derrubar parte do barro destas. A cabroeira se joga no piso da casa, pra evitar serem atingidos, pois as balas começavam a furar a parede externa, penetrar e furar as internas transpassando e indo sem rumo de mundo a fora. Sebastião se achega a Virgolino e diz que se não resolverem furar o cerco, vão todos para a ‘cidade de pés juntos’, morrerem. O jovem Ferreira concorda, porém, pede um tempo ao chefe para fazer uma averiguação. Começa a ir até os quatro cantos da casa e demorando um tempinho em cada canto, retorna para junto do chefe e diz que, se tiverem que sair, tem que ser por determinada porta. Vendo a interrogação no rosto de todos, explica que é lá, naquela parede que está o menor número de atacantes, pois a vibração do impacto das balas nela é bem menor do que nas paredes restantes. Todos concordam. Aprontam-se e fazem finca pé, furando o cerco, todos saem, não havendo baixa fatal alguma, conseguem embrenharem-se na caatinga, sua maior aliada.

“(...) Furaram o cerco pela porta que Lampião determinou. Todo o grupo saiu em paz. Deu Lampião mais um passo à frente na vida do cangaço (...).” (Lira)

Seu sexto sentido também estava sempre alerta. Conhecedor de muito dos animais, domésticos e silvestres, o jovem, em fuga, sempre procurava usar do sentido deles para perceber, antecipadamente, alguma reação diferente dos mesmos. Em determinado recanto da mata, depois de horas de uma dura caminhada sob o sol abrasador do sertão, Sinhô Pereira, dando sinais de cansaço, resolveu mandar arriar a tralha para descarem um pouco. 


Três irmãos de sangue e um de criação - Virgolino Ferreira, Antônio Ferreira, Livino Ferreira e Antônio do Gelo.

Quando o fogo estava sendo preparado para fazerem alguma comida ou mesmo um café, alguns animais, burros, chegam em grande movimentação e aparentam estarem assustados com alguma coisa bem próximo ao acampamento. Notando o comportamento estranho dos animais, Lampião vai até o chefe e lhe diz que, se tiverem de aprontarem algo, que o fizessem rápido, pois tudo indicava que tinha ‘macaco’ por perto. Antes de fazerem uma ‘boquinha’, levaram foi balas vindas de dentro da mata, tendo o grupo que recomeçar uma nova fuga apressadamente. No entanto, estando todos preparados pelo aviso de Virgolino, não sofrem baixas e seguem por entre os tabuleiros do Pajeú das Flores, seguindo em sua vereda de sangue.


Depois de várias ações como essa, e devido ser acometido por uma doença nas articulações, Sinhô Pereira quase não mais participava das missões. E, segundo escritores, até mesmo quando participava, consultava o jovem, para que ele desce seu parecer e, com certeza, como deveria agir caso aparece-se o inimigo. Até o dia em que, tendo que abandonar aquela vida desgraçada, o chefe Pereira passa o comando de seu bando para ele, Virgolino Ferreira, o Lampião.

Juntando-se a tudo isso, tinha o dom de liderança. Liderar não é tão fácil como imaginam alguns. Ser comandado é fácil, basta seguir as ordens. Porém, essas têm que ser, antes de dadas, serem estudadas, planejadas minuciosamente. A maior façanha cometida por Lampião como chefe ficou na história como a “Batalha da Serra Grande”, onde, ele, antecipando o ataque militar, ordena que se construa na encosta e topo da serra trincheiras com pedras. Depois do campo da batalha, campo esse preparado para aquilo, Lampião dando sequência a seu plano, começa a deixar uma enorme e clara pista, ‘trilha’ essa para que fosse seguida. E é o que ocorre. Em novembro de 1926, a PMPE sofre sua maior derrota até os dias de hoje.

Primeiro bando que Lampião comandou - esse era o bando de Sinhô Pereira.

Em termos de possuir braço forte pra liderar, vemos claramente que não é só ser valente e destemido para tanto, quando Lampião é baleado no fogo da Fazenda Tigre. Estando gravemente ferido, Lampião é transportado em uma rede pelos seus homens. No caminho da fazendo Caraíbas, onde pretendia ficar para se restabelecer, local escolhido pelo próprio, em certo momento, escutando a cabroeira exaltada, vendo a hora dar-se um “desmantelo” entre eles, Virgolino passa o comando para seu irmão mais velho, Antônio Ferreira, o cangaceiro “Esperança”. Mesmo sendo irmão do chefe mor dos cangaceiros, a cabroeira conhecendo a valentia daquele homem que nunca sorriu, não o atende quando o mesmo dá uma ordem direta. Repetidas são as ordens e, como da primeira vez, ninguém as cumpri.

“(...) Mesmo com a interferência de Antônio, os bandidos continuaram a discussão e Lampião o chama novamente e fala:

- Antônio, não faça isso não; acabe com essa enronha aí, rapaz. Deixe esses meninos, acabe com essa discussão que pode dar uma coisa ruim (...).” (“As Cruzes do Cangaço – Os fatos e personagens de Floresta” – SÁ, Marcos Antônio de. (Marcos De Carmelita Carmelita). e FERRAZ, Cristiano Luiz Feitosa. (Cristiano Ferraz). 1ª Edição. Floresta, PE. 2016).

Vemos nessa passagem como não basta ser valente para ter liderança. Tem que saber liderar. Na sequência, os ‘cabras’ que estavam discutindo terminam por dividirem os outros e bagunça fica feia. Lampião volta a chamar seu irmão e lhe dizer do perigo que correm com aquela confusão. Antônio, sem ter nenhum tino para liderar, faz é exatamente o contrário que deveria um líder fazer. Ele manda que dividam o bando, quem for por um que fique ao lado dele e a mesma coisa com os outros. Ainda refere que devam resolver na bala aquela questão. Vejam mesmo, se os comandados seguem a ordem do cangaceiro “Esperança”, irai ocorrer uma carnificina ali mesmo, entre eles.

“(...)Com a segunda advertência dada por Lampião, Antônio Ferreira ficou irritado, tirou o chapéu e disse:

- tem uma coisa, quem for por esse, passe praqui, e quem for por esse outro, passe pra li, pra gente decidir logo aqui na bala, pra ver quem é mais macho (...).” (Sá e Ferraz)

Bando de Lampião em terras cearenses


Notamos que mesmo tendo convivido com o irmão tanto tempo na guerra criada por eles, Antônio nada aprendeu sobre comandar um grupo de homens dispostos a tudo. Se fazem o que ele disse, o bando se acabaria ali mesmo. O “Rei dos Cangaceiros” mesmo muito fraco, devido a perda de sangue, nota o descontrole do irmão, não tendo pulso nem para acabar com um bate-boca entre seus cabras. Sabia ele que quando sua hora chegasse, morresse, o cangaço estaria findado. Isso ele cita ao amigo que o ajudou a chegar à fazenda escolhida para tratar do ferimento. O que realmente vem a acontecer, só que em julho de 1938, onze ou doze anos depois... já nas quebradas do sertão sergipano.

Lampião tem inúmeras táticas colocadas em prática, em seus quase vinte anos de cangaço. Necessitávamos de um livro, exclusivo, só para relatá-las. Vemos, através das entrelinhas dos escritos pelos pesquisadores, o quão era ativo e pratico nesse exercício. De deixar, muitas vezes, o inimigo onde ele havia planejado, dividindo seu bando em vanguarda, flancos e retaguarda. E ele não lutou contra oito ou dez comandantes de volantes, pelo contrário, foram muitos, mas, muito mais além desses números.

Voltamos a referir que não fazemos apologia a criminosos, nem tão pouco ao crime. Estudamos isso sim, com afinco, o estratagema colocado em prática por um ex - vaqueiro, ex almocreve, que teve a infelicidade, igual a tantos, de fazer parte do cangaço.

Após a morte de Lampião, em 28 de julho de 1938, o cangaço que já vinha aos tombos, pois as Forças em vez de atacarem diretamente Lampião, mudam de tática, *tática essa ensinada pelo ex chefe cangaceiro Antônio Silvino, ainda na segunda metade da década dos anos 1920, quando preso na Casa de Detenção do Recife, PE, a Eurico de Souza Leão, chefe de Segurança do Estado e ao chefe de gabinete de Estácio Coimbra, Gilberto Freire, para irem direto nos seus fornecedores e protetores, sem eles, sabia o “Rifle de Ouro”, chefe nenhum conseguia permanecer muito tempo ativo. Juntando-se a isso a ordem vinda do Palácio do Catete, do arrocho determinado pelo Presidente Vargas, os chefes dos subgrupos que estavam vivos, tais como Corisco, Labareda, Zé Sereno e outros, não conseguem sustentar a ‘peteca’. Não sabendo ‘administrar’, comandar, como Virgolino ‘administrou’, uns foram mortos, outros presos e, não havendo outra saída, uma boa parte se entrega as autoridades.

*“Sertão Sangrento: Luta e Resistência” SOUZA, Jovenildo Pinheiro de.
Benjamin Abrahão

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