Por Antônio Correia Sobrinho
Toda vez que
boto os pés em Nossa Senhora da Glória, cidade do sertão sergipano, lembro que
ela foi visitada por Lampião e asseclas em 1929, e fico a imaginar, em cima do
que nos conta a história, como isso se deu.
Estou de novo
na antiga Borda da Mata, e agora lembrei da matéria que há dois anos aqui
publiquei, sobre a entrada de Lampião nesta, à época, minúscula localidade do
sertão sergipano, hoje cidade progressista e porta de entrada do nosso sertão.
Leiam o texto
até o fim, para saberem de dona Nair, a senhora que me disse que viu Lampião;
ela que já se aproxima de um século de vida.
EM BUSCA DE
LAMPIÃO
Demorar um
pouco mais na sertaneja e progressista cidade sergipana de Nossa Senhora da
Glória, antiga Borda da Mata, onde estou nestes dias, a trabalho, foi a
disponibilidade de tempo que eu precisava para ir a lugares que Lampião e seus
asseclas Luiz Pedro, Volta Seca, Quinta Feira, Ezequiel (Ponto Fino), Virgínio
(Moderno), Corisco, Arvoredo, Ângelo Roque (Labareda), Mariano, Delicado e Zé
Fortaleza (Fortaleza II), no dia 20 de abril de 1929, nesta cidade estiveram em
razia.
Fui ao local
da feira, onde Lampião e os seus amigos cangaceiros fizeram-se presentes, até
assistiram à morte de um bode, ali mesmo, na feira; feira onde ele, quieto,
tranquilo e bem-humorado, deu esmolas, agradou a crianças, conversou com
pessoas. Tirei foto onde funcionava o salão de Zé Besouro, onde Lampião fez a
barba. Também da Intendência, hoje a Prefeitura, cujo gestor João Francisco de
Souza (Joãozinho), também comerciante de tecidos, tratou Lampião muito bem e
atendeu a todas às suas reivindicações: bom dinheiro, lauto almoço e animais de
montaria. E a Cadeia, segundo consta, xadrez sujo e fedido, onde ficaram presos
enquanto Lampião agia, sem antes entregarem as armas, o sargento Alfredo e os
soldados Osório, João e Zé Rodrigues.
Nada, porém,
foi mais interessante do que o encontro que eu tive com a senhora Nair Aragão
Feitosa, de 95 anos, viúva do ex-escrivão Pedro Alves Feitosa, ofício que ela
também exerceu; dona Nair que foi uma das centenas de pessoas que naquele dia,
estiveram a mercê do mais temível bandoleiro das terras sertanejas.
Embora
convalescendo de uma cirurgia ortopédica, mas lúcida como poucos na sua idade,
dona Nair me disse coisas a respeito desta presença de Lampião, confirmando o
que disseram os pesquisadores. Informações que, considerando a sua pouquíssima
idade em 1929, ela, em boa parte, deve ter obtido de terceiros, no correr dos
seus anos.
Porém, o que
eu mais queria dela, era saber se ela realmente viu Lampião.
Quando lhe fiz
a pergunta, ela respondeu imediatamente, sem pestanejar, que sim.
Disse dona
Nair que naquela manhã estava em casa, uma edificação situada na praça da
feira, e ouviu quando o seu pai bradou: “Lampião entrou, Lampião entrou!”
Portas e janelas foram fechadas, e de uma fresta na janela, a uns 20 metros de
distância, ela com alguns da família viram claramente quatro cangaceiros,
juntos, em pé, parados, segurando o fuzil fora de posição, na vertical, cano
pra cima, coronha no chão. Tinham chapéus grandes na cabeça, que brilhavam
muito, reluziam, contou ela.
Num momento,
seu pai lhe disse: “Lampião é aquele mais alto, o de óculos”.
Ela voltou a
dizer, também com gestos de mãos, sem eu perguntar: Os chapéus deles brilhavam
muito...
Perguntei se
seu pai teve medo. Ela disse que não.
Nossa conversa
durou pouco, não quis cansá-la, em razão de sua idade e de seu estado de saúde,
mas o suficiente para, atento às suas palavras, ao tom de sua voz e,
principalmente, ao seu olhar que parecia vivenciar aquele inesquecível
instante, aquele misto de medo, apreensão, curiosidade e expectativa, eu saí
transbordante de satisfação. Agora eu posso dizer que estive com alguém que,
muito provavelmente, viu Lampião, o rei do cangaço, este que fez dona Nair
recordar e contar essa história durante toda a sua vida.
Nossa Senhora
da Glória/SE, 22/01/2015.
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