Por Sálvio
Siqueira
Nos sertões
nordestinos, de época em épocas, as intempéries climáticas castigavam sem dó o
pobre sertanejo. O roceiro vivia a sombra de quem possuía terras para daí
retirar o seu sustento em modos de ‘meia’ e/ou ‘terça’. Já para os que cuidavam
do gado, vaqueiros, tinham, a cada cinco ou mais vacas que pariam o direito a
uma cria e parte do leite das mesmas. Para terem esse ‘sustento’ regular se
fazia necessário ter ‘inverno’, chuvas para o sertanejo no primeiro semestre de
cada ano, numa constante.
Como o sertão nordestino fica numa área de clima semiárido, as estações
climáticas não são sempre bem definidas e de tempos em tempos há uma seca
prolongada. Com esse fenômeno natural ativo, os pequenos reservatórios d’água
secam, a Mata Branca se despe da folhagem se protegendo, o alimento dos animais
escasseia e, o pior, não tinha como plantar para se colher alguma cultura
regional.
Nessas etapas
de um ciclo entre 50 e 100 anos ou mais, o sertanejo se via ao deus-dará. O
patrão lhe põe para fora da propriedade, pois não tem condições dele produzir
coisa alguma. Os animais, quando o patrão não vende, começavam a morrerem um
após o outro de fome e sede. As primeiras cabeças a caírem sem vida,
normalmente, o patrão, o coronel dono da terra e do gado, sempre dizia que
aquelas eram as do vaqueiro. Assim a coisa começa a apertar até para ele, o
símbolo maior de coragem e desenvoltura do Nordeste. Na continuação da
estiagem, os sertanejos viravam peregrinos ambulantes das várias estradas,
trilhas e veredas que cortavam a microrregião. Dentro de três ou quatro anos
transformavam-se em espantalhos vivos perambulando a espera da morte no aceiro
de alguma estrada empoeirada.
Quando os governantes mandavam ajuda em forma de alimentos para essa pobre
gente, aqueles que tinham as rédeas do poder regional o guardava em seus
armazéns para venderem ou mesmo consumirem ao longo dos anos. Aqueles que
tinham alguma condição partiam rumo ao desconhecido em busca da salvação em
terras distantes de seu torrão natal. Por outro lado, alguns não querendo ver
sua família morrer de fome ou mesmo após ter presenciado a morte de seus
familiares, trocavam de ferramenta e passavam a usarem a coronha de alguma arma
em vez dos cabos da enxada, do machado ou das foices.
A
pesquisadora/historiadora e jornalista Marilourdes Ferraz em seu “O Canto do
Acauã”, na sua 4ª edição revista e atualizada em 2012, nos diz a cerca da seca
que assolava o sertão: “(...) nos primórdios do século XX, a região sertaneja
de Pernambuco permanecia estática no tempo, vivendo seus habitantes quase tão
isoladamente como os primeiros colonizadores que ali se estabeleceram. Havia
uma luta constante pela sobrevivência nessa região inóspita, abalada por
devastadoras secas periódicas (...).”
Foi nessas
épocas, época das secas contínuas, ou seja, em sucessivos anos onde os
registros históricos nos mostram durarem cerca de dez anos cada ciclo de
estiagem, que a criminalidade cresceu avassaladoramente nos sertões nordestino.
No final dos
anos 1910 e início dos 1920 o sertão foi vítima de uma terrível estiagem onde o
rebanho regional tem uma perda significativa e só quem tinha condições salvava
o restante migrando seu rebanho para outra microrregião. Após tais ciclos os
fazendeiros, coronéis, iam à busca de refazerem seus rebanhos comprando reses,
animais e criações no Piancó paraibano ou no sul cearense, quando nessas
localidades sobrevivia a matéria prima.
A partir dessa
data, 1919, o sertão nordestino teve um grande aumento na criminalidade rural,
tanto que o Jornal do Recife, a 5 de dezembro de 1926, edita o seguinte para
seus leitores: “Nos sertões de Pernambuco, não é somente o bando de Lampião que
assola, devasta, arruína. Outros bandos surgem, também armados e fartamente
municiados, depredando, arrasando tudo nas suas passagens sinistras”. (MELLO,
2011).
Alguns
pesquisadores citam que esse período de oito anos, 1919 a 1927, foram os ‘anos
de glória do cangaço’. Nesse meio tempo, já estando chefiando seu próprio bando
desde 1922, Virgolino Ferreira, o Lampião, se destaca dentre os demais pelos
seus modos operantes. No entanto, notamos que, tendo a época mais de quarenta
bandos formados, muito daquilo que os outros praticavam eram referenciados ao
filho de José Ferreira e seus irmãos.
O sociólogo
Frederico Pernambucano de Mello, citando o escritor Rodrigues de Carvalho,
referiu: “O biênio 1919 - 20 foi sem dúvida um dos períodos mais férteis à
expansão do banditismo, que à semelhança de uma praga de gafanhotos disseminada
pelas caatingas sertanejas (...)”.
Entre os anos citados, além do fenômeno natural de estiagem estudado, houve vários movimentos militares, regionais e nacionais que caíram como uma luva nas mãos dos cangaceiros. Sem terem nada haver, os movimentos contribuíam para que o banditismo se alastrasse com extrema dureza nas fazendas, povoados, vilas e cidades de pequeno porte, pois os Estados tinham que movimentarem suas tropas para darem combate aos que se revoltavam. Com isso, os bandos de bandoleiros não tinham nada a temer nem a enfrentar, a não ser algum doido de sangue no olho que os topassem de frente.
Em 24 de junho
de 1922 ocorre o movimento militar conhecido como “Os Dezoito do Forte”, em
seguida, com as mesmas lideranças desse movimento, ocorre o movimento denominado
de “A Revolta Paulista de 1924”, também chamada de “Revolução Esquecida”,
sequencialmente, deu-se o maior dos movimentos que ficou conhecido como “A
Coluna Prestes”. A Coluna Prestes foi um movimento político-militar brasileiro
existente entre 1925 e 1927 e ligado ao tenentismo de insatisfação com a
República Velha, percorrendo do Sul ao Norte do País. O entrelaçamento de
alguns fatos históricos regionais e nacionais com o Fenômeno Social Cangaço nos
referiremos em outra oportunidade.
Além da
terrível falta do precioso líquido, do aumento dos bandos de bandoleiros, da
falta de humanidade dos ‘coronéis’, da ausência do Estado e outras mais, os
nordestinos do interior da Região tinham pela frente uma tropa de “Revoltosos”
onde os “Patriotas” divulgavam serem tudo o que era de ruim para eles. Foi
“implantado” na população o ‘medo e o pavor’ religioso em forma da prática do
pecado. A falta de cultura, já sendo uma inadimplência social dos governantes,
deixava o sertanejo com uma única esperança de ‘salvação’, sua fé. A coisa mais
fácil do mundo era colocar em sua memória que seu sofrimento era mandado por
Deus e que os “Revoltosos”, a Coluna Prestes, era a coluna do demônio.
O medo é a
maior das armas entre os adversários. Essa divulgação mentirosa surtiu o efeito
desejado, tanto que aonde os “Revoltosos” mais necessitaram de apoio,
exatamente da população rural, essa não existiu.
O Governo
Federal, na pessoa do Presidente Artur Bernardes e depois na de Washington
Luís, notando que sua Força Militar, o Exército Brasileiro, não tinha condições
táticas de enfrentar a coluna revoltosa, o Exército sabia lutar em trincheiras
e em um campo determinado, aonde ficavam praticamente parados travando
batalhas, porém os “Revoltosos” implantaram a ‘guerra de movimentos’, mais conhecida
como “Guerrilhas”, projeta recriar os BPs, Batalhões Patrióticos, outrora usado
na época da Guerra de Canudos. Com a aproximação das tropas de Prestes aos
Estados que compõem a Região Nordeste, não havia mais tempo para treinarem um
contingente a altura, obrigando os “Generais”, comandantes dos BPs,
particularmente no Ceará o deputado federal Dr. Floro Bartolomeu, contratarem
homens acostumados ao Ofício das Espingardas. Nisso, os coronéis, senhores
supremos regionais, por força de grande soma de contos de réis ‘alugam’ seus
jagunços aos interesses dos comandantes. Os bandoleiros independentes, ou seja,
os bandos de cangaceiros foram contratados diretamente através de seus chefes.
Além de serem pessoas hábeis no manejo das armas, os jagunços e cangaceiros
usavam dos mesmos movimentos usados pela “Coluna Prestes”, tendo ainda em seu
favor o conhecimento da região. É nessa parte da História que o chefe
cangaceiro Virgolino Ferreira, o Lampião, natural de Vila Bela, hoje Serra
Talhada, PE, na microrregião do Pajeú das Flores, sertão pernambucano, é
convocado e recebe a Patente Provisória de Capitão dos Batalhões Patrióticos,
em março de 1926 na cidade de Juazeiro do Norte, CE.
Abaixo,
mostraremos os bandos, normalmente identificados com o nome de seus chefes, que
atuaram nos anos mais assombrosos nos confins do sertão nordestino:
“André e
Antônio Marinheiro, os Marinheiro – região do Navio, Pernambuco;
“Antônio, Cícero, Manuel, Pedro e Raimundo Porcino, os “Porcinos” – arredores
de Mata Grande e Água Bela, zona sertaneja de Alagoas;
“Antônio de Ingrácia – arredores de Chorrochó, sertão alto da Bahia;
Antônio Freire – arredores de Sítio dos Moreiras, Pernambuco;
Antônio Germano – Floresta e Tacaratu, em Pernambuco, e o sertão de Alagoas;
Antônio Jerimum – zona de Arneiroz e Tauá, sertão do Ceará;
Antônio, Francisco e Cornélio Pedro, os “Pedro” – arredores de Serra Talhada e
toda a zona do Pajeú, Pernambuco;
Antônio Rosa Ventura – zona do Pajeú, Pernambuco;
Antônio de Souza – sertão alto da Bahia, com centro no município de Juazeiro;
Artur José Gomes da Silva, o “Beija-Flor “– zona do Pajeú, Pernambuco;
Caboclos ou Pequenos – região do Navio, Pernambuco;
Clementino José Furtado, o “Quelé” – arredores de Triunfo, Pernambuco, e
Princesa, Paraíba;
Cícero Costa Lacerda – zona do Piancó, Paraíba, estendendo-se à ribeira do
Pajeú, Pernambuco;
Francisco Pereira Dantas, o “Chico Pereira” – sertões da Paraíba e Rio Grande
do Norte;
Horácio Cavalcanti Albuquerque – o “Horácio Novais” ou “Horácio Grande”, região
do Navio, Pernambuco;
Jacinto Alves de Carvalho, o “Cindário” – arredores de Serra Talhada, zona do
Pajeú, Pernambuco;
João Marcelino, o “Vinte e Dois” – zona da Serra do Araripe, fronteira(divisa)
entre Pernambuco e Ceará;
Joaquim Marques – zona do agreste e sertão norte de Alagoas;
José Bernardo, o “Zé Piutá” ou “Casa Velha” – zona da fronteira(divisa) entre
os Estados de Pernambuco, paraíba e Ceará;
José Leite de Santana – o “Jararaca” – ribeiras do Moxotó e Pajeú, Pernambuco ;
José Moleque – arredores de Campina Grande, Paraíba;
José Patriota – arredores de São José do Egito, Pernambuco, e Alagoa do
Monteiro, Paraíba;
José Pretinho – arredores de Tacaratu e Inajá, sertão baixo de Pernambuco;
José de Souza, o “Tenente” – ribeira do Pajeú, Pernambuco;
Livino Sipaúba ou Livino de Guarida – arredores da Serra d’Umã, municípios de
Floresta e Salgueiro, Pernambuco;
Luís Pereira de Souza ou Luís Nunes de Souza, o “Luís do Triângulo” – região da
ribeira do Pajeú, Pernambuco, e parte dos sertões da Paraíba e Ceará;
Manuel Ângelo – arredores do município de Salgueiro, Pernambuco;
Manuel Francisco – arredores dos municípios de Bodocó, Exu e Granito, da região
do Araripe, Pernambuco;
Manuel Frutuoso – arredores do município de Granito, da região do Araripe,
Pernambuco;
Manuel Marcelino, o “Bom de Veras” – zona da serra do Araripe fronteira
(divisa) entre Pernambuco e Ceará;
Manuel Rodrigues – arredores de São José do Egito e Afogados da Ingazeira,
municípios da ribeira do Pajeú, Pernambuco;
Manuel Vitor da silva – arredores do município de Tacaratu, sertão baixo de
Pernambuco;
Mariano Laurindo Granja, o “Mariano” – ribeiras do Moxoró e Pajeú, Pernambuco;
Massilon Leite, o “Benevides” – sertões da Paraíba e Rio Grande do Norte, neste
último, especialmente a zona da serra de Luís Gomes;
Melões – sertão de Alagoas e sertão baixo de Pernambuco;
Miguel dos Anjos – arredores da serra d’Umã , Floresta, Pernambuco;
Mocinho Godê – arredores dos municípios de Flores, da ribeira do Pajeú,
Pernambuco;
Paizinho Baio – arredores dos municípios de Garanhuns, Bom Conselho, correntes,
Águas belas e Buíque, agreste meridional de Pernambuco;
Pinanes – arredores do município de Tacaratu, Pernambuco;
Sabino Gomes de Góis – arredores do município de Cajazeiras, Paraíba, e de
Triunfo, Pernambuco;
Sebastião Pereira e Silva, o “Sinhô Pereira” ou “Seu Rodrigues” (este segundo
vulgo era de uso exclusivo de seus cabras) – sertões de Pernambuco, Paraíba e
Ceará;
Tibúrcio Santos – ribeira do Pajeú, Pernambuco;
Timóteo Pinheiro e irmãos, os “Pinheiro” – arredores do município de Mata
Grande, Alagoas, e sertão do Moxotó, Pernambuco;
Ulisses Liberato de Alencar – sertões da Paraíba, Rio Grande do norte e
Ceará.”
(MELLO, pgs 191 a 193. 2011)
A coisa não
estava para brincadeira não. O banditismo se alastrou tanto quanto suas
notícias nos vespertinos dos Estados da região assim como dos outros Estados da
Nação. Em uma atitude de protesto ou de sarcasmo, ou mesmo em ‘uma homenagem’
particular, na realização do pleito eleitoral de 1926, um cearense, ou um
morador da capital do Estado do Ceará, vota em Lampião para deputado federal,
ato que o jornal A Notícia daquela cidade, em sua edição de 26 de fevereiro de
1927, há noventa e um anos atrás, publicou:
“Em uma das seções da capital foi aberta uma urna com o voto: para deputado
federal, o capitão Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião...”
Fonte “O Canto
do Acauã” – FERRAZ, Marilourdes. 4ª edição revista e atualizada, 2012.
“Guerreiro do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil” -MELLO,
Frederico Pernambucano de. 5ª Edição revista e atualizada 2011
Foto Obras Citadas
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