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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

ZÉ DE JULIÃO E ALCINO

*Rangel Alves da Costa

Dia 03 de outubro do ano de 1958, data da segunda eleição realizada em Poço Redondo, tendo como candidatos José Francisco do Nascimento (Zé de Julião, pelo PSD) e Eliezer Joaquim de Santana (pela UDN). Foi nesta data que o jovem Alcino Alves Costa, então com 18 anos, votou pela primeira e foi indicado como um dos mesários. E também surpreendido e estupefato pelo que presenciaria logo no início da votação.
De repente, em pleno alvoroço da seção eleitoral, lá fora despontam mais de cem cavaleiros. E todos vindos naquela direção. Era o candidato Zé de Julião acompanhado de amigos como Abdias, João Capoeira e muitos outros. Sabedor que jamais seria eleito ante as fraudes praticadas (perseguições a seus eleitores, títulos que não sido entregues, intimidações e abusos), havia decidido roubar as urnas. E chegara ali para tal. Bateu no ombro de Alcino e entristecido reclamou que aquilo também estava acontecendo por culpa de seu pai Ermerindo, que ao invés de apoiá-lo havia se juntado ao grupo político dos forasteiros Artur Moreira de Sá e Eliezer de Santana. Em seguida, Alcino apenas viu quando a urna foi levada e a votação desfeita. O tropel seguiu em direção ao povoado Bonsucesso, para a mesma empreitada.
Mesmo atordoado perante toda aquela situação, apenas avistando os destemidos cavaleiros em apressada fuga, Alcino guardou na memória - e para jamais esquecer - aquele olhar aguerrido e aquela feição transbordante de nobre valentia do ex-cangaceiro e então político em sua constante luta. Daí em diante abrigou no seu âmago aquela emblemática figura como de um verdadeiro ídolo. Sim, Zé de Julião se tornou um grande ídolo para Alcino. Tanto assim que em muito nele se espelhou nas suas ações políticas e pessoais e teve o cuidado de tornar bravamente conhecida toda a sua história, pois aos poucos cada vez mais relegada aos esquecimentos do tempo.
Muito normal que pessoas procurem se espelhar em outras pessoas, principalmente quando estas passam a ter grande significação em suas vidas. Fala-se, então, em ídolos e adoradores. Uma pessoa passa a ser admirada e até venerada nas suas ações e pelo que representou perante o admirador. Assim aconteceu com Alcino com relação a José Francisco de Nascimento, o Zé de Julião ou ainda Cajazeira (cangaceiro do bando de Lampião). Foi através de Alcino que a história do mito renasceu nas páginas de “Lampião Além da Versão - Mentiras e Mistérios de Angico” e “Poço Redondo - A Saga de um Povo”. Foi através de Alcino que o cineasta Hermano Penna conheceu sua trajetória e a transformou em filme e documentário: “Aos ventos que virão” e “Zé de Julião - Muito Além do Cangaço”.


Quando Alcino nasceu em 17 de junho de 1940, Zé de Julião já contava com 21 anos, pois nascido em 1919. No episódio do roubo das urnas, Zé de Julião tinha cerca de 40 anos e Alcino 18. Quando do assassinato deste, em 19 de fevereiro de 1961, Alcino estava com 21 anos incompletos.  Ora, até sua morte em Poço Redondo não se falava noutra coisa senão em Zé de Julião. E por quê? Alcino se perguntou. As primeiras respostas vieram naquele olhar e naquela face no dia do roubo das urnas. Depois disso Alcino não parou mais de buscar todas as respostas que pudesse encontrar.
Assim, a história do homem, do ex-cangaceiro e político, não saiu mais de sua mente. Zé de Julião, o filho do rico fazendeiro Julião do Nascimento e Dona Constância, o jovem indignado com as brutalidades e as extorsões das volantes, o rapaz que logo cedo casou com Enedina e depois rumou com a esposa para o bando de Lampião, o cangaceiro que perdeu sua companheira na chacina de Angico de 38, o ex-cangaceiro perseguido pela polícia, o homem com seu sonho de se tornar prefeito de seu município, o candidato sempre vitimado pelas fraudes eleitoreiras, o cidadão indignado roubando urnas, o indivíduo sendo preso e depois brutalmente assassinado. Tudo isso era Zé de Julião. E na mente de Alcino, tudo isso era de suma importância. Era para ser valorizado e não renegado. Então o homem, o ex-cangaceiro e o político, refletiram em Alcino com feição de ídolo.
Contudo, um aspecto especial une ainda mais Alcino a Zé de Julião. Não se sabe se por imitação, mas a verdade é que Alcino, além de político, tomou emprestado de Zé de Julião a feição de demasiado mulherengo. O coração do ex-cangaceiro foi amante por natureza. Em Zé de Julião sempre a chama acesa das paixões, dos relacionamentos afetivos, dos convívios amorosos. Enedina, Nelice, Estela, Djair, Rita, Julieta, e talvez mais. Ou talvez muito mais. E muitos filhos. E em Alcino também a fama de namorador, de mulherengo, de amante inveterado. E também muitos filhos.
Nos dois, alguns aspectos que se comungam: a luta, a perseverança, a política e a desenfreada paixão. Assim Alcino, assim Zé de Julião. Um adorador perante o seu mito.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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