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quinta-feira, 3 de outubro de 2019

AS TRÊS PERGUNTAS DO REI (UMA HISTÓRIA DE TRANCOSO).

Por José Gonçalves do Nascimento

AS TRÊS PERGUNTAS DO REI
(Uma história de Trancoso)

A inveja, caro leitor,
é amiga da ambição,
favorece o mau instinto,
e empobrece o coração,
roubando a dignidade,
levando à corrupção.

II
Um príncipe muito rico,
mostrando coração nobre,
com toda boa vontade,
chamou um fidalgo pobre,
e a título de comenda,
deu fazenda, ouro e cobre.

III
O novo proprietário,
cheio de generosidade,
dividiu em cinco partes
aquela propriedade,
reservando duas partes
para sua necessidade.

IV
As três partes restantes,
reservou o comendador
para o bem do povo pobre,
do doente e sofredor,
demonstrando em tudo isso
ser um homem de valor.

V
Não se via mais miséria
na inteira freguesia,
o povo estava contente,
na mais plena harmonia,
e o novo proprietário
de tudo se comprazia.

VI
Mas ali havia um homem
Que vivia a reclamar
do bem que se fazia
aos pobres do lugar,
querendo de toda forma
de tudo isso desfrutar.

VII
Tomado pela inveja 
procurou o comendador,
e sem qualquer cerimônia,
foi dizendo: “meu senhor,
por que gasta sua fortuna
com esses cães sem valor”?

VIII
“Por que em vez de manter
essa corja de bandido,
não dá o dinheiro a mim,
que tanto tenho servido”?
Ao que o comendador
se recusou decidido.

IX
Com isso o invejoso
partiu pra casa do Rei,
e chegando lá falou: 
“quero contar o que sei,
o que faz Dom o Simão,
de certo não é de lei”.

X
“O comendador Simão
não está girando bem,
desperdiça sua fortuna
ainda o tempo que tem,
alimentando seus cães,
que aliás são mais de cem”.

XI
O Rei então deduziu:
“deve ser um caçador,
gastando tanto dinheiro
com coisa desse teor!”
E partiu sem demora,
pra ver o comendador.

XII
O comendador ficou
tomado de emoção,
quis beijar a mão do Rei,
mas o Rei negou a mão,
chateado que estava 
com toda situação.

XIII
Disse o Rei caro amigo: 
“erro não me satisfaz,
vim aqui para puni-lo
do mal que tanto faz,
se responder três perguntas,
contudo, terá a paz”.

XIV
“Eis a primeira pergunta,
que eu faço sem rodeio,
e espero que responda
sem vacilo, nem bloqueio,
me diga caro Simão:
onde do mundo é o meio”.

XV
“Eis a segunda pergunta,
que faço sem escarcéu,
e se souber responder,
vou até tirar o chapéu:
me diga qual a distância 
entre a terra e o céu”.

XVI
“Eis a terceira pergunta,
que faço sem confusão,
e espero que responda
com a maior precisão,
me diga o que agora
pensou o meu coração”.

XVII
Falou o Rei decidido:
“terá tempo pra pensar,
pensa bem no que dizer,
pois não poderá errar,
quando tiver as respostas
por favor me procurar”.

XVIII
O comendador Simão
ficou muito preocupado,
se não respondesse ao Rei,
Iria ser penalizado,
deixando todo seu povo
por demais prejudicado.

XIX
A fim de esfriar a mente,
saiu ele a passear,
e para a sua alegria,
viu alguém a trabalhar:
era o homem que cuidava
da limpeza do pomar.

XX
Esse dito lavrador
era muito parecido
com o bom comendador,
podendo ser confundido,
mesmo que o parentesco
nunca tivesse existido.

XXI
Percebendo o lavrador
quão grande era a tristeza
do comendador Simão,
implorou por gentileza,
que contasse a sua mágoa,
que ele ouvia com presteza.

XXII
Vendo o comendador
tamanha afabilidade.
resolveu abrir o jogo
e contar toda a verdade,
revelando ao amigo
toda sua infelicidade.

XXIII
Então disse o lavrador:
“tudo se remediará
se nós dois nos parecemos,
isso só nos bastará,
a partir desse momento,
em minha pele atuará”.

XXIV
“Tome aqui as minhas roupas,
dê-me as suas por favor,
doravante será eu,
e eu serei o senhor,
e no lugar um do outro,
cada um será ator”.

XXV
Partiu então Dom Simão,
com roupa de lavrador,
foi fazer o seu trabalho,
junto aos pobres do setor,
enquanto falava o outro
com o Rei perguntador.

XXVI
Ao se aproximar do Rei,
disse o falso Dom Simão:
“pronto estou pra responder,
e não pularei questão,
começarei do começo,
com a sua permissão”.

XXVII
“Quanto à primeira pergunta,
é fácil de respostar,
pois sendo o mundo redondo,
o meio é qualquer lugar”.
Diante dessa assertiva
teve o Rei de concordar.

XXVIII
“Quanto à segunda pergunta,
é fácil de responder,
a distância para o céu
é quanto o olho pode ver”.
Diante de tal verdade 
teve o Rei de aquiescer.

XXIX
“Quanto à terceira pergunta,
falo com convicção,
perguntou a Vossa Alteza
que pensa seu coração,
é evidente que ele pensa
que fala com Dom Simão”.

XXX
“A verdade, todavia, 
é de outra natureza,
Dom Simão agora está
percorrendo a redondeza,
visitando a sua gente,
e socorrendo a pobreza”.

XXXI
Naquele momento o Rei,
caiu na realidade:
descobriu que os tais cães
não eram cães de verdade,
eram os pobres que Simão
socorria de boa vontade.

XXXII
O Rei de tudo aquilo,
admirado ficou,
e chamando os dois amigos,
sem demora premiou,
enquanto que o invejoso,
para o xilindró mandou.



José Gonçalves do Nascimento


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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