Por Ricardo Westin
Com seu bando
de cangaceiros, Lampião aterrorizou o sertão nas décadas de 1920 e 1930. Biblioteca Nacional
Ao longo das
décadas de 1920 e 1930, Virgulino Ferreira da Silva vulgo Lampião, espalhou o
terror pelo Nordeste. Com seu bando, percorreu o sertão atacando vilas, matando
inocentes, saqueando mercearias, achacando fazendeiros, roubando gado, trocando
tiros com a polícia.
A carreira do
criminoso brasileiro mais célebre de todos os tempos chegou ao fim há 80 anos.
Descoberto numa fazenda em Sergipe, Lampião foi morto pela polícia a tiros de
metralhadora, ao lado de outros dez cangaceiros, incluindo Maria Bonita, sua
companheira. Até o New York Times deu a notícia do histórico 28 de julho de
1938.
Os senadores e
os deputados da época olhavam o cangaço com preocupação. Documentos guardados
nos Arquivos do Senado e da Câmara mostram que os parlamentares trataram do
tema na tribuna em inúmeras ocasiões. Em 1926, o senador Pires Rebello (PI)
discursou:
— Quem vive
nesta capital da República [Rio], poderá achar que o governo tem feito a
felicidade completa dos brasileiros. Ofuscados pelos brilhos da luz elétrica, é
natural que os cariocas não saibam que naquele vasto interior existem
populações aquadrilhadas fora da lei que zombam da Justiça e ridicularizam
governos.
Muitos
cangaceiros haviam assustado o Nordeste antes de Lampião, como Cabeleira,
Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e Sinhô Pereira, mas nenhum foi tão temido
quanto o rei do cangaço. As investidas de Lampião eram tão brutais que, na
Assembleia Nacional Constituinte de 1934, deputados nordestinos — a Assembleia
não teve senadores — redigiram cinco propostas para que a nova Constituição
previsse o combate ao cangaço como obrigação do governo federal.
A repressão
cabia às volantes, batalhões itinerantes das polícias dos estados. O que parte
dos constituintes desejava era que o Exército reforçasse a ação das volantes. O
deputado Negreiros Falcão (BA) afirmou:
— Os Lampiões
continuam matando, roubando, depredando, desvirginando crianças e moças e
ferreteando-lhes o rosto e as partes pudentas sem que a União tome a menor
providência. Os estados por si sós, desajudados do valioso auxílio federal,
jamais resolverão o problema.
Justiça
privada
O deputado
Teixeira Leite (PE) lembrou que os governos estaduais eram carentes de verbas,
armas e policiais:
— A força
policial persegue os bandoleiros, prende-os quando pode e mata-os quando não
morre. Hostilizados de todos os lados, recolhem-se à caatinga e se tem a
impressão de que o bando se extinguiu. Mera ilusão. O vírus entrou apenas num
período de latência. Cessada a perseguição, os facínoras repontam mais violentos
e sequiosos de sangue e dinheiro, apavorando os sertanejos e a polícia.
Leite explicou
por que seria diferente com o Exército em campo:
— Que bando se
atreveria a aproximar-se de uma zona onde estacionassem tropas do Exército, com
armas modernas, transportes rápidos e aparelhos eficientes de comunicação?
Outra vantagem
era que as tropas federais podiam transitar de um estado a outro. As estaduais
não tinham tal liberdade — e os cangaceiros tiravam proveito disso. Uma vez
encurralados em Alagoas, por exemplo, os bandidos escapavam para Sergipe, Bahia
ou Pernambuco, estados nos quais as volantes alagoanas não podiam atuar.
Nenhuma das
propostas que davam responsabilidade ao governo federal vingou, e a
Constituição de 1934 entrou em vigor sem citar o cangaço.
— Na nova
Constituição, vamos invocar o nome de Deus. Vamos também constitucionalizar
Lampião? — ironizou o deputado Antônio Covello (SP).
Para o
deputado Francisco Rocha (BA), o cangaço exigia “remédio social”, e não
“remédio policial”:
— As causas do
cangaceirismo são a falta de educação, estrada e justiça e a organização
latifundiária preservando quase intactas as antigas sesmarias coloniais, para
não mencionar a estúpida ação policial dos governos.
Segundo o
jornalista Moacir Assunção, autor de Os Homens que Mataram o Facínora, sobre os
inimigos de Lampião, o cangaço surgiu na Colônia e tinha a ver com o isolamento
da região:
— O sertão
ficava separado do litoral e mantinha uma ligação muito tênue com Lisboa e,
depois, com o Rio. O que prevalecia não era a justiça pública, mas a justiça
privada. Era com sangue que o sertanejo vingava as ofensas. Muitos aderiram ao
cangaço em razão de brigas de família ou abusos das autoridades. Uma vez
cangaceiros, executavam a vingança contando com a proteção e a ajuda do bando.
Lampião entrou
no cangaço após a morte de seu pai pela polícia, em 1921.
— O cangaceiro
não era herói. Era bandido mesmo — esclarece Assunção. — A aura de herói tem a
ver com um atributo valorizado pelo sertanejo do passado: a valentia. O
cangaceiro enfrentava a polícia sem medo, de peito aberto. Isso era heroísmo.
Em 1935, com a
nova Constituição já em vigor, o senador Pacheco de Oliveira (BA) apresentou um
projeto de lei que destinaria 1,2 mil contos de réis aos estados para repressão
ao cangaço. O dinheiro sairia do orçamento da Inspetoria Federal de Obras
contra as Secas, responsável pela abertura de açudes, poços e estradas no
sertão.
A grande
preocupação de Oliveira eram os criminosos que atacavam os trabalhadores e
atrasavam as obras.
— Um
engenheiro avisou sobre o risco que corria seu pessoal. Como não lhe chegassem
recursos, lançou mão do único expediente que lhe era praticável: armou os
trabalhadores.
Os cangaceiros
matavam os operários por terem ciência de que a chegada do progresso ao sertão
colocaria em risco o futuro das quadrilhas nômades.
Amigo de
coronéis
O historiador
Frederico Pernambucano de Mello, autor de Quem Foi Lampião, diz que havia
motivos não confessos para que o governo federal e os estados pouco fizessem
para acabar com o bandido de uma vez por todas:
— Lampião
vivia fora da lei, mas mantinha excelente relacionamento com os poderosos. Era
protegido por coronéis e políticos. O governador de Sergipe, Eronildes Ferreira
de Carvalho, tinha amizade com Lampião e lhe fornecia armamento e munição.
A boa vida de
Lampião acabou quando Getúlio Vargas deu o golpe de 1937 e instaurou o Estado
Novo. Uma das bandeiras da ditadura era a modernização do país. Nesse novo
Brasil, que deixaria de ser agrário para se tornar urbano e industrial, o
cangaço era uma mancha a ser apagada.
A gota d’água
foi um documentário mudo que revelou ao país a rotina do bando de Lampião na
caatinga. O que se via eram cangaceiros alegres, bem vestidos e com joias. Nem
pareciam fugitivos. Sentindo-se afrontado, Vargas ordenou aos governadores do
Nordeste que parassem de fazer vista grossa e aniquilassem o rei do cangaço.
Assim se fez.
Lampião e seus subordinados foram mortos e decapitados em 1938, e o governo
expôs as cabeças em cidades do Nordeste. Bandidos de outros grupos correram
para se entregar, de olho na anistia prometida a quem delatasse companheiros.
Corisco, o último dos pupilos de Lampião, foi morto em 1940, e o cangaço enfim
se tornou passado.
Colaboração:
Celso Cavalcanti, da Rádio Senado
Fonte: Agência
Senado
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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