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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A Teoria do Escudo Ético de Frederico Pernambucano de Melo

 Por: Honório de Medeiros


O núcleo da "teoria do escudo ético", de Frederico Pernambucano de Mello, está contido em três parágrafos do capítulo 4 do clássico "Guerreiros do Sol", segunda edição, abaixos transcritos:


Frederico Pernambucano de Melo

Muito  se  tem  falado  nos  paradoxos  da  chamada  moral   sertaneja.  No Nordeste, talvez melhor que em qualquer outra região, sente-se a existência desse quadro de valores - segundo já comentamos - inconfundível em muitos dos seus aspectos. Chega a ser quase impossível, por exemplo, explicar ao homem do sertão do Nordeste as razões por que a lei penal do país - informada por valores urbanos e litorâneos que não são os seus - atribui penas mais graves à criminalidade de sangue, em paralelo com as que comina punitivamente para os crimes contra o patrimônio. Não se perdoa o roubo no sertão, havendo, em contraste, grande compreensão para com o homicídio. O cangaceiro - vai aqui o conteúdo mental do próprio agente - não roubava, "tomava pelas armas".

Dentro desse quadro todo próprio, a vingança tende a revestir a forma de um legítimo direito do ofendido. "No sertão, quem se não vinga está moralmente morto", repitamos mais uma vez a frase tão verdadeira de Gustavo Barroso, conhecedor profundo desse paralelismo ético sertanejo.


Ao invocar tais razões de vingança, o bandido, numa interpretação absurdamente extensiva e nem por isso pouco eficaz, punha toda a sua vida de crime a coberto de interpretações que lhe negassem um sentido ético essencial. A necessidade de justificar-se aos próprios olhos e aos de terceiros levava o cangaceiro a assoalhar o seu desejo de vingança, a sua missão pretensamente ética, a verdadeira obrigação de fazer correr o sangue dos seus ofensores. O folclore heróico, em suas variadas formas de expressão, imortalizava-o, omitindo eventuais covardias ou perversidades e enaltecendo um ou outro gesto de bravura. Concretizada a vingança, por um imperativo de coerência estaria aberta para o cangaceiro a obrigatoriedade de abandonar as armas, deixar o cangaço. Já não teria mais a socorrer-lhe a imagem o escudo ético por esta representado. Como então realizar tal vingança, se o cangaço era um bom meio de vida?

Tal "escudo ético", entretanto, não é um epifenômeno próprio da moral sertaneja nordestina. Muito menos apenas do cangaço. Em entrevista à revista "Veja" de 17 de agosto de 2011 - edição 2230, ano 44, nº 33 - o psiquiatra e escritor inglês


Anthony Daniels, ao analisar a influência da tese do suíço


Jean Jacques Rousseau de que o ser humano é fundamentalmente bom, e que a sociedade o corrompe, afirma que esta prejudicou profundamente sua noção de responsabilidade: Por influência de Rosseau, nossas sociedades relativizaram a responsabilidade dos indivíduos.

E continua: O pensamento intelectual dominante procura explicar o comportamento das pessoas como uma consequência de seu passado, de suas circunstâncias psicológicas e de suas condições econômicas. Infelizmente, essas teses são absorvidas pela população de todos os estratos sociais. Quando trabalhava como médico em prisões inglesas, com frequência ouvia detentos sem uma boa educação formal repetindo teorias sociológicas e psicológicas difundidas pelas universidades. Com isso, não apenas se sentiam menos culpados por seus atos criminosos, como de fato eram tratados dessa maneira. Aqui no Rio Grande do Norte a lenda atribui aos injustos mal tratos físicos da Polícia o ingresso do célebre


Valdetário Benevides Carneiro, morto há pouco tempo, no crime. Como não há justiça dizia em outras palavras Valdetário, vou fazer a minha.

Por outra: há o escudo ético, mas ele não é específico da moral sertaneja nordestina. Parece ser um epifenômeno decorrente da criminalidade

Honório de Medeiros


Extraído do "Cariri Cangaço"

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