Seguidores

quinta-feira, 14 de março de 2013

SOBRE DEUSES E SEMIDEUSES (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa*

SOBRE DEUSES E SEMIDEUSES

Os tempos são outros. Presume-se que hoje o homem viva num mundo de liberdade, garantia de direitos e respeito ao próximo. Contudo, muitos insistem em idealizar – e até considerar – a vida como um Monte Olimpo, moradia mítica dos poderosos e de onde os deuses e semideuses comandavam a vida dos reles mortais.

Os deuses mitológicos, tendo Zeus (e não Deus) como seu representante maior, formavam como que uma elite do poder. Imortais, donos da vida e da morte. Os seus subalternos, ou semideuses, lhes deviam obediência e, ao mesmo tempo, sobrepunham-se em poder aos humanos.

Essa hierarquia mitológica, onde Zeus, o deus supremo, imperava sobre todos, e outros deuses possuíam poderes específicos de atuação, bem como os semideuses que estavam na esfera intermediária, não se diferencia muito da hierarquia da sociedade atual. O Olimpo está em qualquer lugar onde haja poder.


Hoje, ainda que de forma imposta ou eletiva, mas com caráter transitório, continuam existindo deuses e semideuses. Muitos outros se arvoram da condição de verdadeiros intocáveis. Assim se impõem, não abrem mão de sua glória olímpica, e reinam sobre os simples humanos como se mitologicamente vivessem.

Ora, quantos Zeus vivem nos pedestais, de cetros e escudos reluzentes, fazendo valer suas condições de soberanos de outros deuses, semideuses, intocáveis e homens comuns?  Como sempre indagam os teóricos dos antigos alienígenas, será que são frutos de raízes desconhecidas ou são pessoas de outro mundo entre os humanos?

Respondo que são pessoas iguais às outras que, diante do poder conquistado, do cargo ou função obtida, da investidura alcançada, se negam a ser iguais. Quer dizer, são as investiduras, os cargos, as funções e os ofícios que acabam transformando e corrompendo o ego. E de repente a pessoa já se acha no Olimpo, um deus, um senhor absoluto dos hierarquicamente inferiores e da sociedade em geral.

Pelas suas pretensões, e logicamente pelas formas como agem, se comportam, comandam e decidem, os senhores do Olimpo estão egocentricamente instalados em muitos lugares. Quanta mitologia renascida nos três poderes, quanto fausto espalhado nos altos escalões, quando soberba imperando pelos gabinetes da vida.

Parece uma fúria titânica, um choque de deuses, pois são supremacias demais disputando espaço de poder, forçando para ver quem manda mais, querendo a todo custo o mundo a seus pés. Até quem deixou seu posto de comando no pedestal, na grande cadeira, continua endeusado ou se achando o próprio Zeus.

Diante da guerra egocêntrica entre tantos deuses, torna-se até difícil reconhecê-los pelas qualidades, mas apenas pela imposição de poder, pelos autoritarismos exacerbados, pelos gestos ditatoriais, pelo desfazimento com que tratam os subalternos. E coitados daqueles que estão no patamar inferior, que são os cidadãos comuns.

As divindades reluzem, são facilmente reconhecíveis. Há os deuses de vestes talares, becas e togas de retinto cetim, de caneta à mão e sentenças baseadas “no livre convencimento”. Ministros, desembargadores, juízes, promotores e até auxiliares destes agem, vivem e se comportam como verdadeiros onipotentes.

Há os que são votados pelo povo para apenas governar ou legislar, mas que aproveitam a ocasião para se endeusarem também. Como os deuses são praticamente inacessíveis, vivendo em redomas e cercados por lustrosos labirintos, coitado daquele simples mortal que deseje avistá-los. Corre o risco de paralisar diante do olhar da Medusa.

São deuses contraditórios, contudo. Governante que abomina o governado, e precisamente aquele que lhe depositou confiança, não merece subir novamente o Olimpo. Mas talvez seja o estigma egoístico tão próprio dos ingratos que os torna criaturas voltadas contra o criador. Não sabem, porém, que o seu trono está levantado pelas mãos dos reles mortais. E basta uma ação e tudo desaba.


Os semideuses espalham-se pelas chefias, diretorias, presidências de órgãos, cargos os mais diversos possíveis. Ao serem investidos nas suas funções, a primeira coisa que fazem é procurar distanciar-se do povo. E agem assim porque se torna mais fácil não ter de dar explicações das atitudes que tomam em prejuízo da população. Por isso mesmo que dão a vida para continuar no poder.

Como se vê, é um mundo de egoísmos, vaidades, autoritarismos, arrogâncias, abusos, desrespeitos. Pessoas que enxergam os outros com indiferença, que tratam as pessoas com submissão e prepotência não merecem qualquer respeito pelo ofício exercido. Será preciso reaprender a ser humano, e humanamente agir, para cumprir a dádiva de ser o que é.

Ademais, é inadmissível que pessoas que de tanto saber se arvoram tenham desaprendido coisas simples demais, assim como humildade, respeito, simplicidade e, principalmente, dignidade nas relações.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com 

Nenhum comentário:

Postar um comentário