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sábado, 23 de julho de 2016

O ESCRITOR E A SOLIDÃO TÃO SÓ

*Rangel Alves da Costa

Estou cada vez mais sozinho. Moro só, deito só, acordo só. Lavo e passo minhas roupas, prego meus botões, varro o meu chão, rego as minhas plantas, preparo minha comida. Tudo sozinho.

Sempre fui assim, sozinho. Talvez sempre dormir de rede seja a comprovação maior de que ninguém está ao lado. Viro de um lado, sozinho. Viro para o outro lado, novamente sozinho.

Levanto às três da madrugada e sem qualquer cuidado de não acordar alguém que esteja ao lado. Só tenho o trabalho de desligar a televisão e logo correr para debaixo do chuveiro. Depois um café bem forte, um cigarro, e o dia começando assim.

Gosto da solidão das madrugadas mais escuras, chuvosas, molhadas. Saio á porta dos fundos e abraço os braços para melhor sentir a chuva caindo. Quando a chuva é forte, então ali mesmo me deixo completamente molhar.

Há, nas madrugadas, uma poesia dolorosa, porém confortante. Quando não está chovendo, o céu enluarado, ainda estrelado, se faz de horizonte à reflexão. E sempre encontro algum instante para mirar o alto e imaginar nas alturas.

Ainda na semiescuridão, sigo até o portão da frente, de xícara à mão, e lanço o olhar sobre a rua nua, vazia, deserta. Portas e janelas fechadas, a luz amarelada do poste se estendendo sobre o asfalto, tudo tão diferente. E sempre faz meditar.

Não há momentos mais apropriados à meditação do que entre as três e as cinco horas da manhã. Nasce com o silêncio fechado, absoluto, até se estender aos primeiros murmúrios do dia. Uma porta se abre, alguém já segue, há uma foz distante, um passo que passa.

Até esse instante, quando a mente ainda se encontra em si mesma, é sempre possível recordar, rememorar, relembrar, planejar, dialogar com o silêncio, até sonhar, até sorrir, até sofrer e chorar. Ora, é poesia escrita pelo instante, e este nem sempre se mostra feliz.


Tudo isso seria possível sem a solidão? Logicamente que não. A simples presença de alguém, ainda que adormecida no quarto, já inibe a mente para voar, pensar, refletir, sonhar, sofrer, querer sorrir, sentir vontade de chorar. É que a solidão precisa de solidão.

Minha solidão não inibe a minha nudez de canto a outro, não inibe o banho debaixo da chuva, não inibe o diálogo silencioso enquanto os horizontes são avistados, não inibe o olhar sofrido nem a face alegre demais para o instante. Mas com outra presença seria diferente.

E quando o dia acorda e a rua desperta, somente a solidão já existente para permitir sua continuidade. Não há palavras, pois não há com quem conversar. Não há afazeres diferentes daqueles costumeiros: letra a letra, juntando ideias, fazer surgir qualquer coisa.

E quanto solitário é o ofício da escrita. Creio ser impossível escrever com vozes ao lado, barulhos, pessoas entrando e saindo, aborrecimentos e preocupações. Daí ser necessário estar em clausura, em silêncio monástico, para fazer com que a pena emerja da alma.

Para o escritor, a solidão afeiçoa-se ao próprio poder de criação. Ora, não pode viver dois mundos ao mesmo tempo. Ele abdica de si, através do silêncio e da solidão, para adentrar naquele outro mundo surgido de sua imaginação. É este o seu mundo que se revela.

Há, assim, uma solidão impregnada e tão própria de cada escritor. Ou ele é solitário ou nada pode criar. O seu pensamento só caminha, voa, vaga e divaga, se tiver a liberdade de encontrar o que desejo. E não pode ser impedido pela presença do mundo ao redor.

Não fosse minha solidão, talvez jamais conseguisse escrever sequer um bilhete. E não fosse o silêncio ao qual me imponho, certamente não brotaria ao menos uma carta. E não fosse a clausura enquanto escrevo, certamente que minhas ideias correriam porta afora.

Agora, novamente e sempre, estou sozinho. Já é noite. Minha rede já espera a minha solidão. Para talvez sonhar vagando sozinho e acordar para o convívio de minha madrugada tão só. E depois caminhar pela solitária rua com o meu olhar.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com 

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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