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sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

GATO E RATO, AMOR E MEDO

*Rangel Alves da Costa

Noite alta. Na solidão da lua, o gato e o rato de repente se encontram pelas calçadas. O que poderia parecer um instante de ataques e recuos, de surpresas e espantos, passa a se transformar em situações mais que inusitadas.

Naquela solidão da noite, ao avistar o rato, o gato se tomou de espantosa sensação. Não teve vontade de atacá-lo, de feri-lo, de abocanhá-lo. Apenas de senti-lo mais de perto, como se tomado de um intenso e profundo desejo amoroso. E não sabia que se tratava de uma rata.

Por sua vez, a ratinha também se sentiu em delicada situação. Ora, qualquer rato logo procura fugir do gato assim que o avista ou encontra, mas daquela vez não, pois a ratinha apenas olhou para o bichano como se estivesse encontrando algo importante em sua vida.

Uma paixão repentina entre gato e rato? Tudo pode acontecer no reino animal. Ali não mais a presa e o predador, a caça e o caçador, mas apenas os instintos mostrando suas forças. As vontades, os desejos, tudo ali. Mas como ocorre no mundo humano, também a fronteira entre o querer e o ter.

E o querer distancia-se do ter na medida em que o desejo esbarra no medo. Para o gato tanto fazia, pois macho e bichano, predador e ávido por novas experiências. Mas com a ratinha não. Apenas uma fêmea repentinamente tomada de desejos, mas também um ser que poderia ser vitimado pela insensatez.

Ora, não se poderia imaginar como sensato que o gato tivesse boas intenções para com a ratinha. Sua vontade, sua volúpia, sua fome de prazer, bem que poderia ser saciada naquela pequenina fêmea. Mas depois? Já com medo de se apaixonar assim, pior ainda ser depois devorada.

Mas enquanto lentamente se aproximavam, tanto o gato como a rata faziam intensos diálogos mentais.


O gato: Estranho que eu não queira logo abocanhar aquela ratinha. Talvez eu faça isso depois. Mas antes do depois desejo mesmo é experimentar como é o sexo de uma ratinha, como é o seu prazer perante o seu maior inimigo.

A ratinha: Não, mil vezes não. Eu nem deveria estar aqui. Preciso fugir, porém sinto que desejo ficar. Estou atraída demais por esse gato que de repente me chega como algo que preciso ter, ao menos por um momento. Mas temo o pior. O que ele pensa em fazer comigo?

O gato: Eu deveria ser menos animal. Sempre imaginei ser impossível deixar de ser bicho ante toda e qualquer situação. Levava no sentimento a marca do tanto faz ou tanto fez. E agora, quando menos espero, logo uma gata aparece na minha estrada para me deixar assim transtornado.

A ratinha: Quero tanto. Quero demais. Mas não posso me entregar ao sadismo das unhas do gato, ao punhal nos seus dentes, à sua sanha e sede de ferir todo rato que encontrar pela frente. Será que eu seria uma coisa boa na sua vida, uma fêmea ratinha que possa transformar em flor tanto rancor bichano?

O gato: Que situação mais difícil a minha. E que prova encontro agora. Sou gato e sou perigoso, violento e voraz. Mas também sou gato e sinto desejo, tenho um coração e vontade de sexo. Mas por que com essa gatinha e não com uma cachorrinha ou outra gatinha?

A ratinha. Vou fechar os olhos e seguir adiante. Sinto um fogo me subir e já não temo nada. Que o gato faça de mim o que quiser. Que me coma do jeito que desejar, pelo sangue ou pelo prazer. Despeço-me de todo medo e vou. Sou cheirosinha e gostosinha, ao menos espero que ele perceba isso.

O gato: Gato, gato. Acho que chegou sua vez de rato. Deixo de ser gato e me torno rato por vontade. Depois do amor é que saberei o que realmente sou.

E os dois seguiram. Aproximaram-se cada vez mais. E no meio da noite ouviram-se gritos e gemidos de prazer. Ao amanhecer o gato havia desaparecido. E a gatinha jazia morta no beiral da calçada. O gato saciou seu prazer e depois mostrou apenas o seu lado predador.

Escritor
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