*Rangel Alves
da Costa
Noite alta. Na
solidão da lua, o gato e o rato de repente se encontram pelas calçadas. O que
poderia parecer um instante de ataques e recuos, de surpresas e espantos, passa
a se transformar em situações mais que inusitadas.
Naquela
solidão da noite, ao avistar o rato, o gato se tomou de espantosa sensação. Não
teve vontade de atacá-lo, de feri-lo, de abocanhá-lo. Apenas de senti-lo mais
de perto, como se tomado de um intenso e profundo desejo amoroso. E não sabia
que se tratava de uma rata.
Por sua vez, a
ratinha também se sentiu em delicada situação. Ora, qualquer rato logo procura
fugir do gato assim que o avista ou encontra, mas daquela vez não, pois a
ratinha apenas olhou para o bichano como se estivesse encontrando algo
importante em sua vida.
Uma paixão
repentina entre gato e rato? Tudo pode acontecer no reino animal. Ali não mais
a presa e o predador, a caça e o caçador, mas apenas os instintos mostrando
suas forças. As vontades, os desejos, tudo ali. Mas como ocorre no mundo
humano, também a fronteira entre o querer e o ter.
E o querer
distancia-se do ter na medida em que o desejo esbarra no medo. Para o gato
tanto fazia, pois macho e bichano, predador e ávido por novas experiências. Mas
com a ratinha não. Apenas uma fêmea repentinamente tomada de desejos, mas
também um ser que poderia ser vitimado pela insensatez.
Ora, não se
poderia imaginar como sensato que o gato tivesse boas intenções para com a
ratinha. Sua vontade, sua volúpia, sua fome de prazer, bem que poderia ser
saciada naquela pequenina fêmea. Mas depois? Já com medo de se apaixonar assim,
pior ainda ser depois devorada.
Mas enquanto
lentamente se aproximavam, tanto o gato como a rata faziam intensos diálogos
mentais.
O gato:
Estranho que eu não queira logo abocanhar aquela ratinha. Talvez eu faça isso
depois. Mas antes do depois desejo mesmo é experimentar como é o sexo de uma
ratinha, como é o seu prazer perante o seu maior inimigo.
A ratinha:
Não, mil vezes não. Eu nem deveria estar aqui. Preciso fugir, porém sinto que
desejo ficar. Estou atraída demais por esse gato que de repente me chega como
algo que preciso ter, ao menos por um momento. Mas temo o pior. O que ele pensa
em fazer comigo?
O gato: Eu
deveria ser menos animal. Sempre imaginei ser impossível deixar de ser bicho
ante toda e qualquer situação. Levava no sentimento a marca do tanto faz ou
tanto fez. E agora, quando menos espero, logo uma gata aparece na minha estrada
para me deixar assim transtornado.
A ratinha:
Quero tanto. Quero demais. Mas não posso me entregar ao sadismo das unhas do
gato, ao punhal nos seus dentes, à sua sanha e sede de ferir todo rato que
encontrar pela frente. Será que eu seria uma coisa boa na sua vida, uma fêmea
ratinha que possa transformar em flor tanto rancor bichano?
O gato: Que
situação mais difícil a minha. E que prova encontro agora. Sou gato e sou
perigoso, violento e voraz. Mas também sou gato e sinto desejo, tenho um
coração e vontade de sexo. Mas por que com essa gatinha e não com uma
cachorrinha ou outra gatinha?
A ratinha. Vou
fechar os olhos e seguir adiante. Sinto um fogo me subir e já não temo nada.
Que o gato faça de mim o que quiser. Que me coma do jeito que desejar, pelo
sangue ou pelo prazer. Despeço-me de todo medo e vou. Sou cheirosinha e
gostosinha, ao menos espero que ele perceba isso.
O gato: Gato,
gato. Acho que chegou sua vez de rato. Deixo de ser gato e me torno rato por
vontade. Depois do amor é que saberei o que realmente sou.
E os dois
seguiram. Aproximaram-se cada vez mais. E no meio da noite ouviram-se gritos e
gemidos de prazer. Ao amanhecer o gato havia desaparecido. E a gatinha jazia
morta no beiral da calçada. O gato saciou seu prazer e depois mostrou apenas o
seu lado predador.
Escritor
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