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sábado, 24 de agosto de 2019

LAMPIÃO, JUSTIÇA ABANDONADA POR FALTA DE JUSTIÇA


Justiça abandonada por falta de justiça Por Raul Meneleu

Manuel Neto, certa vez, foi encontrado por Gérson Maranhão perambulando pelos areais do Moxotó, acompanhado apenas de três homens armados.

Voce não tem medo de andar assim com tão pouca gente? Perguntou-lhe Gérson.

Não respondeu ele. Nada tenho a perder na vida. Não quero mesmo viver. Só quero é morrer e o mesmo pensam os três que me acompanham. Ninguém de nós quer viver, mas só morrer.

O mesmo dizia o sargento Moisés, do povoado Bezerros, então pertencente ao município de Salgueiro (hoje Verdejante). Tornou-se ele, por questão de vingança, grande perseguidor de Lamplão: "Meu desejo não é viver, mas morrer" dizia ele.

Também o sargento Lero (Aureliano de Sousa Nogueira), de Nazaré e perseguidor de Lampião: "Os nazarenos não tinham outro jeito, ou se acabar nas unhas de Lampião ou se acabar brigando com Lampião."

O que Lampião fez para esses valentes policiais lhe devotarem tanto ódio e perseguição? E por que reservei o nome desse artigo como "Justiça abandonada por falta de justiça"? se todos nós sabemos que Lampião era um facínora covarde e fez muita miséria por onde passava nos sertões nordestinos? Existiu algum momento dele ter uma vida social de honestidade e exemplo de cidadão pacato e cumpridor das leis?


Para seus cabras Lampião era um idolo. Tinha a força de um mito. Para isso contribuía sua conquistadora personalidade, excepcional inteligência, espirito de liderança irresistivel, genialidade guerrilheira, profundo misticismo religioso e outros carismas notáveis. Além disso o modo como dirigia o grupo: rigorosa moral, exemplo de honestidade, espírito de justiça, energia de autoridade, alegria e fraternidade. Dai por que nunca faltaram cabras que o seguisse e verdadeiras feras humanas, sendo de todos eles senhor absoluto, da vida e da morte. E para se explicar por que ele dominava dessa forma podemos ver algumas de suas decisões:

por motivo de traição, matou Mourão... por razão de falta de respeito moral, matou Cacheado, matou Sabiá...

Quando viu que não havia mais jeito de cura, matou outro Sabiá, o cabra que tinha sido baleado no combate de Mata Grande, e que vinha sendo conduzido numa rede, por léguas e mais léguas, por vários dias na direção do Navio.

Lampião condoía-se da pobreza. Segundo se conta, quando era almocreve, fazia questão de não deixar passar, sem sua ajuda, um esmoler ou necessitado.

No cangaço exercia a prática de enfermeiro, dentista (extrações à ponta da faca!) e parteiro.

Por toda parte favorecia os pobres, quer como produto dos saques, quer com dinheiro.

Tanto assim que os cantadores nas feiras,  o exaltavam pela justiça que exercia com eqüidade.

Mas o mundo inteiro ficaria abismado diante de suas legendárias gestas dilacerantes, hora agindo com loucura vingativa, hora com pendores de honestidade e bondade, se bem que essa última afirmativa fosse infinitivamente inferior em quantidade de atos em relação à primeira. Mas sabemos que os cantadores de feira focavam mais suas estórias nos predicados de homem revoltado pelas injustiças a ele acometidas e seus feitos mitológicos e quixotescos. Se bem que entrava também o medo de falar mal do cangaceiro. Sabe lá se teriam um encontro com ele nas estradas e caminhos?

Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, celebraria em famosa poesia, para agregar mais ainda a construção de um mito, suas palavras de protesto em forma de endechas, sua grande decisão de viver do outro lado da lei. E isso era bastante compreensível pelo sertanejo pobre, que constantemente era empurrado para o paredão das injustiças que eram submetidos naquele caldeirão cultural onde o direito pendia para os afortunados:

"Por minha infelicidade
Entrei nesta triste vida
Não gosto nem de contar
A minha história sentida
A desgraça enche o meu rosto
Em minha alma entra o desgosto
Meu peito é uma ferida.

Aí peguei nas armas
Para a vida defender
Perseguido, aperriado,
Vi que era feio correr,
Vi a desgraça no meu rosto
Então senti-me disposto
Matar para não morrer".'

Foi um alvoroço geral quando os cantores cordelistas levaram essas palavras de Virgolino Ferreira, entoadas num choro sentido, pela escolha que o ídolo fizera, praticamente por imposição de uma casta dominante, que não aceitara por inveja, esse rapazinho de inteligência fora do comum e que sobressaía-se nos eventos sociais, onde as mocinhas o olhavam admiradas por sua postura de corpo e inteligência. Era poeta, músico, ótimo como domador de cavalos, bom vaqueiro, excelente artífice do couro, bom negociante, excelente almocreve, fino e educado, religioso e respeitador. Essa era a imagem lembrada por todos que o conheciam.

Sim amigos, os cantadores de feira eram os portadores das palavras do povo que em reconhecimento proclamavam Lampião com o epíteto de "Santo":

"O Santo Lampião,
Era um homem bem devoto
Só andava pelo voto
Do Padre Cirço Romão
O Santo Lampião
Era um home bem querido
Ele era protegido
Do Padre Cirço Romão
Quando o pai dele foi morto
Depois é que não sabia
O Santo disse um dia
Precisamos nos vingá.
Lampião é inteligente
Que o povo bem já se vê
o Santo adivinhou
Até o dia de morrê."

Sim amigos, esse era o mundo injustiçado e abandonado em que viviam os deserdados em sua pobreza infinita, onde os meninos e meninas acordavam com olhos remelentos e pregados, como se fosse providência divina para não enxergarem a pobreza em que viviam, onde até mesmo a água para desgrudarem as pálpebras era difícil.

Era o mundo pesado caindo nas costas daquele povo sofrido e injustiçado, onde para fazer justiça, a força das armas eram o revide para ofensas de toda sorte; injúrias, traições, pagamento de dividas e de salários, etc., eram resolvidos pela força e o crime de homicídio era avaliado naquele sertão de "deus dará" pela balança dos malfeitos cometidos. Era a justiça do povo.

Num mundo abandonado como aquele do sertão, absolutamente carente de justiça, Lampião iria aparecer, como um enviado quase hierático, reconhecido e consagrado pelo povo, para fazer justiça: ofensas de donzelas, resoluções de casamento, pagamento de dividas e de salários, etc, eram resolvidos por Lampião por onde  passava e que fazia questão de ser sempre justa, pois era definitiva, aceita por todos sem discussão.  Conta-se que até mesmo crimes de homicídio anteriormente tão freqüentes, rarearam, porque Lampião seria chamado como juiz. Os rapazes pensavam duas vezes em mexer com uma moça donzela.

Um fato para ilustrar, colhido nos carrascais secos de Custódia, pelo padre Frederico Bezerra Maciel, conterrâneo de Lampião, onde este assunto surgira espontâneo e forte, pois ainda menino, fixou-se, não porém, como obsessão ou mesmo preocupação, mas como estudo pois era admirável e lhe despertara perguntas - "Quem é este homem para ser tão perseguido?” Perguntas como essa voejavam de sua mente e se misturavam ao apito nervoso dos trens que via, bufantes, fumacentos e poeirentos, transportando tropas volantes, ao toque estridente de cornetas,“ em demanda do sertão” o campo de batalha da Guerra de Lampião, onde recolhi dados para esse artigo; sua sextologia LAMPIÃO,  SEU TEMPO E SEU REINADO:

- Seu Capitão e meu Padim, vim aquí pru mode tão dizendo que foi eu que buli com a moça, mas não foi eu não.

- Me diga, zé Júlio, fale a verdade, você é meu afilhado. Só dou proteção dentro do direito e da justiça.

- Juro meu Padim e Capitão, a moça já tava bulida.

Lampião depois de se inteirar rigorosamente, através de testemunhas, do caso e da inculpabilidade do afilhado, pune por ele, sentenciando peremptoriamente ao pai:

- Trate de casar sua filha com outro. E não toque em Zé Júlilo, que não deve nada à honra dela.

E José Tiago da Silva, vulgo Zé Júlio, livrou-se de um casamento forçado à ponta de faca. Mais tarde, mudou-se ele para Belo Jardim onde se casou com D. Coleta Cirino. Matutão jeitoso e bom, tornou-se industrial de laticínios e fazendeiro, além de gostar de politica, chegando a ser prefeito municipal.

Lamplão tornou-se nome internacional e manchete  obrigatória nos maiores jornais do mundo, "New York Times"; "Paris Match" e em Buenos Aires o "La Nación"

Não admira que a Enciclopéia Britânica, na sua edição brasileira BARSA, Ihe tenha dedicado verbete especial e na internet, pesquisa do portal Google, com milhares e milhares de páginas sobre ele, onde numa barafunda de histórias e estórias contam e inventam casos dele.

O poeta popular João Martins de Ataide, no folheto de sua autoria "Os projetos de Lampião", põe na boca de Lampião a seguinte sextilha:

"Muita gente no Brasil
Tem grande ódio de mim,
Outros julgam que eu nasci,
Somente para ser ruim,
Alguém está enganado,
Eu vivo nisto obrigado,
Mas nunca fui mau assim".

Então meus amigos, cheguei a conclusão que ninguém nasce ruim. Lampião foi levado àquela vida por fatos poderosos que talvez possa até ter tido inversão se tivesse sido assistido pela justiça dos homens. Mas, sabemos que esta é falha pois como diz, é a justiça dos homens! Agregado a isso, tem a questão do ego humano, o orgulho exacerbado das partes contribuindo para o crescimento da raiva e da dor. Além disso tem o mal uso das autoridades, de um poder que achavam ser ilimitado. E quem poderia ser contra? 

Vemos assim que até certa época da vida de Virgolino Ferreira, podemos dizer que era a de um rapaz comum, com seus almejos normais, dentro dos limites impostos a todos, pela imposição de uma sociedade imaginada, onde prevalecesse as regras independente do dinheiro e poder. Mas nunca foi igualitária, até os dias de hoje, mas houve melhorias. Mas isso não absolve Lampião. Poderá até absolver Virgolino. Mas nunca poderá absolver Lampião, pois sua conduta mesmo enaltecida em eventos humanísticos que são poucos, abate-se sobre ele a mão pesada da Justiça por sua vida de crimes e violência.


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