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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

ATRÁS DA VIDRAÇA EMBAÇADA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

Há uma imagem indefinida, um semblante sem nitidez, uma aparente feição por trás da vidraça embaçada. É tudo opaco, apenas sombreado como se fosse uma réstia.
Ainda assim percebe-se que há gente ali porque a imagem nebulosa ora se aproxima ou se afasta, cola o rosto na vidraça, deixa os lábios estampados no vidro.
A vidraça está embaçada, porém se percebe marcas vermelhas de batom, também se avista um dedo correndo no vidro, pelo lado de dentro, escrevendo alguma coisa.
Numa aproximação maior, observando mais de perto, até que se poderia ler o que estava escrito. Certamente alguma coisa sobre saudade, solidão, amor, tristeza...


Desde ontem que uma chuva fininha insistiu em cair. A luz do quarto estava apagada, mas a cortina continuava espalhada porque aquela imagem aparecia e desaparecia por detrás da janela.
Dizem que em momentos assim, de chuviscos e jardins molhados, de noites mais escuras e entristecidas, os poetas se trancam para encontrar liberdade.
Se ela era poeta, moça de coração versejante, o momento instigava a jogar no papel tantos sentimentos construídos. Talvez em cada passo até a janela estivesse buscando um motivo lá fora.
E quanta poesia poderia nascer dos motivos existentes lá dentro do quarto, naquele ambiente sombrio e triste, e lá fora, onde parecia que a noite chorava toda a dor do mundo.
Quando a noite vai caindo parece que o baú de saudades, de tantas recordações escondidas, se abre sozinho para instigar a mente e fazer a pessoa viajar forçadamente.
E se é noite chuvosa então, eis que os pingos ou chuviscos caindo formam um ambiente solenemente entristecido e revelador de muitas angústias e aflições.
E se é noite, e é noite chuvosa, e a pessoa está sozinha dentro do seu quarto com seus sentimentos aflorados, então só restará a janela envidraçada para encontrar o mundo lá fora.
Mas que mundo lá fora poderia encontrar, se é noite, e noite chuvosa, e o silêncio só é entrecortado pelos ciscados dos insetos no jardim, as folhas se debruçando e o murmurar dos canteiros?
Lá fora não há lua iluminando os caminhos além jardim, não há o sopro da ventania trazendo notícias boas, não há o menino correndo nem o barulho das pessoas adiante.
Por trás da vidraça, com a visão que chega embaçada à vidraça e se estende molhada, não consegue nem enxergar direito a fonte, o banco de madeira, a luminária do jardim.
Passa a mão na vidraça para afastar o anuviamento que ali mais parece uma leve neblina, e ao passar enxerga um mundo lá fora igualzinho ao seu mundo de dentro: solidão.
E porque tem que encerrar o poema que começou a rabiscar, é um passo em direção à escrivaninha e outro de volta à vidraça. O pior é que a saudade está ficando mais forte ainda.
Onde ele estará agora, será que era exatamente nessa noite que passaria diante da minha janela? Será que está ali fora, todo molhando, esperando que eu abra a janela?


Não. Não, ele não está e não virá mais. Mas por que não virá mais se o mundo não acabou para nós, se apenas brigamos, se somente não estamos, mas nos amamos?
Como gostaria de beijá-lo agora, abraçá-lo, sentir-se protegida e aquecida naqueles instantes de chuva; como gostaria de tê-lo ali do lado de fora, chamando o seu nome, gritando com uma flor à mão...
E nesses momentos limpa mais a vidraça, quer abrir a janela, mas a chuva está mais forte lá fora, tudo é lavado lá fora. Então ela começa a chover por dentro...
Adormece soluçando, jogada na cama, vestida na mesma roupa da tarde e anoitecer. Levanta assustada, corre pra janela e encontra um tempo ainda indefinido.
Lembra que havia escrito um poema. Corre para a escrivaninha e lê coisas assim: “... porque o lábio não se contenta em beijar a vidraça, porque a mão não se contenta em escrever o teu nome...”.
E abre a janela porque o sol voltou a brilhar.
  
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com



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