Seguidores

domingo, 21 de outubro de 2012

COISA LINDA! (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

COISA LINDA!

Coisa mais linda o entardecer no sertão e o cheiro de café torrado espalhando pelo ar, e ao bater à porta da velha senhora ela já saber o que você deseja ali. E traz o aroma fumegante na xícara, e traz a palavra, e traz o contentamento maior da vida.

Ao se aproximar da cancela ser logo recebido pelo meninote barrigudinho, que depois de mostrar sorriso no rosto bonito e no olho graúdo, se esconde por trás do mourão. E você o percebe olhando de fininho e se retraindo, até desabar em correria para depois surgir com um passarinho na mão e outro no coração. Que coisa mais linda, meu Deus!


Gesto lindo, maravilhoso, ainda que sentimentalmente desafiador, chegar de visita numa taperinha sertaneja e já próximo ao meio-dia o velho dono da casa pedir que lhe dê a honra de dividir sua mesa com o alimento que tiver. E você sentar e comer gulosamente feijão de corda com ovos de galinha de capoeira. E depois ouvir, sempre com semblante entristecido, as maiores desculpas por não ter oferecido o prato merecido pelo doutor.

Coisa linda, encantadora, é a tarde sertaneja com suas calçadas de cadeiras de balanços, com cocada e arroz doce em cima das mesinhas e janelas, vizinhas tratando cuidadosamente da vida dos outros, velhos picando fumo por cima dos tocos, velhas senhoras adormecendo suas lembranças nos embalos da ventania. E a meninada ao redor jogando bola, soltando pipa, correndo de canto a outro.

Lindo demais ainda poder encontrar o cavalo alazão do menino, todo bonito e ligeiro na sua magrez de cabo de vassoura ou pedaço de pau trabalhado; e também encontrar a casinha de boneca esperando sua dona chegar. E imaginar que quem está lá dentro, a própria boneca enfeitada no vestido de chita, anda muito raivosa pelo sumiço daquela que lhe chama de filha. E de repente chegar a menina com uma caminha de madeira que o pai acabou de comprar na feira.

Duvido que haja coisa mais bela do que o sertão nos dois extremos do dia, na alvorada e no anoitecer. Pelas matarias e descampados os sons da natureza, os bichos grunhindo, os mistérios sussurrando, para mais tarde, assim que o galo cantar e a passarinhada despertar, a vida receber sua cor e tudo se transformar em louvor. Menino se dana a correr, papagaio a falar, rala aqui e mexe acolá. Esse é o som do sertão, e eco mais belo não há.


E depois que o sol se esconde, quando o sombreado vai tomando os quadrantes, vai chegando a ventania trazendo o som de uma viola caipira, e muitas vezes o berrante ecoando para agradecer a juntada do gado, o trabalho cumprido, a vida que segue em frente. E tudo debaixo de uma lua imensa no terreiro da fazenda. E chega um compadre e outro, um gole é oferecido, e daí o proseado, o prestar contar do viver. E mesmo que não seja a melhor, coisa mais bonita não há.

Lindo, lindo demais, passar defronte ao cercado, à malhada do terreno, e avistar a caipirinha mais linda do mundo colhendo flores imaginárias para enfeitar sua janela. E tanta deusa, tanta musa, tanta doçura em pessoa, que é difícil não achar que por ali vivem as mais belas mocinhas do mundo, ainda que de roupa simples, vestidinho de chita, diadema no cabelo, uma maçã perfumada em cada face. E mais belo ainda o sorriso, o olho de flor da vida, cabelo amigo do vento, um passo que é valsa suave. E que melodia esse encontrar, que vontade de chegar perto dela e não dizer nada. Apenas admirar!

Que coisa linda é ser sertanejo, reconhecer-se sertanejo, jamais afastar do seu corpo a presença sentimental do chapéu de couro, do gibão, do alforje, da mochila de caçador, do suor queimando a pele, da moringa de barro da janela, do pote antigo recoberto com toalha rendada. E por onde andar, ainda que o asfalto sempre iguale os caminhos, ter na mente e na visão a vereda de encontros, um voo de jaçanã, a flor do mandacaru, o preá correndo à frente, o encontro com a catingueira, o xiquexique e a macambira.

Mas a coisa mais linda do mundo, e que somente no sertão existe, direi agora: o ser humano na mais pura realidade que possa existir. Haverá alguma coisa mais autêntica que o sertanejo?


Biografia do autor:

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE. 

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário