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quinta-feira, 11 de abril de 2013

Bandoleiros, cangaceiros e matreiros: Revisão da historiografia sobre o banditismo social na América Latina Parte 2 Por: Norberto Ferreras

Por: Norberto Ferreras

O que mais se evidencia depois destes anos de debate diz respeito a continuar chamando o Banditismo de "Social", e parece mais interessante pesquisar as causas da violência rural que discutir a existência de um componente de oposição entre "senhor" e "bandido". O mundo rural é de uma complexidade maior que aquela criada pelos escritores das classes médias urbanas para os surtos de bandoleirismo, e neles o Banditismo Social aparece como um fato do passado, todavia, o banditismo contemporâneo aparece como criminalidade. São poucos os casos em que o bandido é glorificado em vida, e esta pode ser uma clave para nos aproximarmos desta questão.

Há pouco tempo Paul Saint Cassia publicou um artigo sobre o "banditismo"  na Enciclopédia Européia de História Social. O autor caraterizou o banditismo por regiões, inclusive o banditismo na América Latina, ressaltando a dimensão comparativa da questão.Este artigo aponta para os elementos recorrentes do banditismo, enfatizando a sua dimensão antropológica na construção de um novo modelo. Mas não deixa de chamar a atenção sobre as três possibilidades de abordagem do Banditismo: como uma categoria legal, como uma categoria social, e da perspectiva da lenda e da literatura, popular ou não. Estas três abordagens mudaram com o tempo e de disciplina em disciplina. A maioria dos autores analisados no ponto anterior realizou chamados ao estu do das condições sociais, políticas e econômicas em que se desenvolveu o Banditismo Social. 

Por outro lado, poucos autores empreenderam esta tarefa, e quase todos se concentraram na discussão do mito do bandido social, mas não podemos descuidar de outros aspectos. A criminalização — ou não — do banditismo está relacionada à forma com que o Estado se defrontou com a questão. Em algumas ocasiões, os bandidos passaram a fazer parte de grupos legais, ou passam a integrar as milícias do Estado (como foi o caso do mexicano Pancho Villa), ou sendo anistiados quando se combateram do lado das forças da lei, como foi oferecido a Lampião para lutar contra a Coluna Prestes.

 
Soldados da Coluna Prestes

Segundo Saint Cassia, há vários elementos que estão na base do Banditismo: a estrutura social e a ecologia política da região; a distribuição de propriedades; a acumulação de capital e as formas em que a mesma se  legitima; a presença ou ausência da sociedade civil; a existência de um sistema eleitoral confiável unido ao uso da força para impor os resultados; e a insegurança constante, maior que a miséria em que vivem os camponeses. O autor apresenta um interessante modelo para abordar a questão, contudo nenhum dos pontos por ele apresentados menciona a resistência dos camponeses à opressão. Este modelo está destinado a compreender a existência de uma violência endêmica em certas regiões em que o capitalismo se torna o modo de produção principal. 

O banditismo e outras formas de protestos rurais são menores, ou inexistentes, em locais onde o proletariado rur al se organiza segundo os padrões trabalhistas, como ligas camponesas ou sindicatos. Se acompanharmos os pontos anteriormente citados poderemos compreender melhor os conflitos rurais na consolidação do capitalismo.

Saint Cassia não esquece as questões culturais do banditismo. Assim, a questão da violência, que tanto preocupara Hobsbawm e Blok, adquire para ele novas tonalidades: A violência é intrínseca ao banditismo? Lampião era um vingador e não um bandido social, porque abusava do uso da violência? 

Lampião e seu bando

Conhecendo a sociedade e a sua cultura, pode-se descobrir se a violência é necessária ou não, se a extrema crueldade de certos bandidos está relacionada com a sua escassa inserção no meio em que atuam, ou se é intrínseca às formas locais da apropriação das riquezas? O uso da violência é um discurso numa linguagem que deve ser interpretada. Saint Cassia chama a atenção para as diferenças entre a "violência" e o "terror", sendo a primeira um tecido de signos e o segundo um dos resultados dos mesmos.

Os aspectos econômicos do Banditismo não têm recebido uma atenção adequada. O bandido pode ser visto ainda como uma forma de ascensão social e econômica, uma forma de defesa das propriedades familiares, ou reagindo às transformações produtivas. O bandido também pode ser um agente intermediário nas relações econômicas regionais, atuando por conta própria ou a mando dos poderosos regionais. O bandido está inserido na economia regional, e para manter boas relações com uma parte dos agentes econômicos tem que pagar pelos serviços recebidos. O mais importante destes serviços é a proteção, sendo que o pagamento pela proteção era feito em bens e serviços, atuando a mando dos‘coiteiros’. Este não é um assunto menor e nos permite entender a questão da cumplicidade ou os serviços realizados para os poderosos locais.

O Banditismo Social deixou de estar em pauta. Depois do debate na LARR, já mencionado, as abordagens acadêmicas foram decrescendo. Desde meados da década de noventa há menos artigos destinados a analisar esta questão. Em compensação, cresceram os estudos sobre o setor rural, ou as formas em que se manifestou a insatisfação camponesa. 

No Brasil, a atuação do Movimento dos Sem Terra (MST) ajudou a mudar a maneira como os camponeses eram apresentados, e a historiografia está começando a privilegiar as formas coletivas de ação, ao invés das 
práticas individuais.

Em outros países a historiografia também passou a priorizar práticas coletivas. Voltemos ao caso da Argentina. Nos últimos anos foram publicados neste país dois livros sobre um mesmo acontecimento: a matança de "gringos" em 1872, na cidade de Tandil, a 400 quilômetros a sudeste da cidade de Buenos Aires.

Os autores abordaram a questão de ângulos diferentes. Para compreender o massacre, John Lynch apresenta a estrutura social, política e econômica da Argentina. O trabalho enfatiza a relação entre gauchos e imigrantes, e as reações posteriores à matança, principalmente das coletividades estrangeiras e do governo inglês. Lorenzo Macagno, por sua vez, centra-se na questão religiosa de um grupo de indivíduos que se sentia expulso da sua sociedade. O cristianismo primitivo foi a forma de processar estas mudanças e os recém-chegados foram identificados e responsabilizados por essas mudanças.

Ambos os estudos diferem. Macagno carateriza este movimento como messiânico e analisa as suas semelhanças com outros movimentos similares. Lynch, por sua vez, parte das fontes oficiais e daquelas produzidas pelos imigrantes. O interessante em ambos é que o líder principal do bando, Gerónimo de Solané, analisado exaustivamente em ambos os casos, não é visto como um rebelde ou um vingador, e sim como um membro exótico dessa mesma comunidade. É possível entrever semelhanças com outras lideranças religiosas, porém os seus seguidores não são famílias de camponeses, e sim indivíduos fora-da-lei. Alguns prófugos do exército, da justiça, desempregados e trabalhadores, formaram em suas filas. 

Isto nos remete ainda à questão das fontes. As diferenças estão fortemente relacionadas com as fontes escolhidas e as análises realizadas. Ambas se aproximam da questão para en tender como esses grupos vivenciaram o processo de modernização do campo e, no caso, violência e criminalidade são fundamentais neste processo.
  
Benjamim Abraão

O mito dos bandidos sociais não precisa de justificativas acadêmicas e continua a correr solto. No Brasil são inúmeros os livros, artigos jornalísticos, programas de TV, cordéis e outros, lançados ano a ano. Eles enfatizam a compreensão da personalidade dos principais cangaceiros e a justificativa de uma vida violenta numa sociedade igualmente violenta e injusta. Em março de 2003 foi noticiada a restauração dos filmes e fotografias realizada por Benjamim Abrahão, o que deu uma nova oportunidade para que a questão voltasse a ser apresentada na mídia. Os  jornais de Fortaleza enfatizaram o fato e novamente reapareceu o mito do cangaceiro como um homem que resiste às autoridades e luta pela melhoria das condições de vida dos homens do sertão. Novamente o mito e a lenda voltaram à tona. Há uma necessidade de reler sobre o cangaço para afirmar a identidade nordestina.


Poderíamos dizer que Hobsbawm continua a inspirar os trabalhos relacionados com o Banditismo Social, e também podemos questionar as suas abordagens. O que não podemos deixar de reconhecer é a sensibilidade deste autor de compreender a sobrevivência do mito e a forma em que o mito é autonomizado da sua realidade pelos intelectuais das classes médias urbanas. O exemplo citado dos jornais de Fortaleza não deixa lugar a dúvidas: Hobsbawm ainda continua a ser uma referência se abordamos a "invenção" da lenda do Banditismo Social.

Norberto O. Ferreras

Revista História - Coordenação de Pós-Graduação em História

http://cariricangaco.blogspot.com

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