Por
Brasília Carlos Ferreira – Organizadora, 1992
Lauro Reginaldo da Rocha era Mossoroense
“SEXTO DIA”
Depois que saí do “quadrado” fui acometido de um acesso de sono. De pé no canto da parede desandei a cochilar, a cabeça pendia irresistivelmente para frente, como se eu perdesse de repente os sentidos. Um estalo forte como um tiro me despertou bruscamente. Esse estampido era produzido por uma larga correia que o investigador sentado à minha frente, vibrava sobre a mesa. A primeira pancada me produziu um susto tal que o corpo todo estremeceu. O “tira” achou graça.
A dor de cabeça atingiu o máximo. O peso na nuca tornou-se uma coisa louca, insuportável. A vigília forçada de vários dias, as torturas, a fome, a sede, os sobressaltos, o cansaço, tudo isto acumulado, chegou a um ponto que as últimas reservas de resistência física iam se esgotando. A cabeça novamente pendeu para frente, para a semi-inconsciência. Nova pancada, novo sobressalto.
Faço um esforço sobre humano para não cochilar, pois as pancadas na mesa funcionam como se fora na minha cabeça. Mas não tenho forças para impedir os cochilos. Então a cena se repete, numa seqüência interminável de cochilos, pancadas e despertar assustado, cochilos, pancadas, cochilos, pancadas...
As pernas tremem, cambaleio, mas consigo a custo me manter em pé. Não consigo porém manter a cabeça firme. E o tormento continua. A pancada e o susto que abala todo o meu corpo só poderiam ser evitados se fosse possível impedir o sono.
A cabeça pende mais uma vez. Num segundo sonho com um estimulante, um remédio fantástico que me mantém acordado e me salva da tortura. Nova pancada me faz estremecer e me traz à realidade da vida ou melhor, à realidade da morte. Sinto a cabeça como se ela não fizesse mais parte do meu corpo, como se fosse uma coisa à parte, nela se concentrando todas as dores, todas as reações e as últimas pulsações.
Escutei os “tiras” dizerem que estávamos na semana santa, revivia-se o martírio de Cristo. Então eu pensei: Talvez tudo isto esteja acontecendo em nome dos ideais cristãos. Eles vivem falando em “ideais cristãos”, será que eles interpretam e aplicam os ideais cristãos desta maneira, arrancando unhas, matando lenta e cruelmente as pessoas? E a frase ideais cristãos ficou no meu juízo, girando sem querer sair.
Naqueles momentos a sonolência sobrepujou a todas as demais sensações – a sede, as pontadas no estômago, as dores nas pernas, as queimaduras. Cada vez que a cabeça pendia para a frente era como se eu caísse num vácuo. A queda não era o pior, mas o medo da pancada fazia com que eu a temesse e fizesse todo esforço para evitá-la.
O “tira” estava atento, aguardava apenas o momento em que minha cabeça descambasse para desfechar o golpe fatídico. Eu não tinha forças para me conter, as pancadas e as quedas no abismo vão se amiudando, o meu cérebro não agüentava mais, parecia que ia estourar.
Procurei decifrar o semblante do “vigia”, o riso de gozo e de ironia estava sempre presente no seu rosto, não consigo distinguir nenhum vestígio ou traço de humanidade. Terá ele família, filhos?
As pancadas tornaram-se mais freqüentes, há um ferreiro batendo o malho numa bigorna, a bigorna é meu cérebro. Cheguei a um ponto em que não conseguia mais coordenar nenhum pensamento. Em certos momentos não sabia onde eu estava nem o que estava acontecendo.
Alguém veio tirar-me daquela aflição. Seguro por um braço fui levado, como um sonâmbulo, para a sala de torturar. Lá estava o trio sinistro à minha espera, com todos os apetrechos para a outra forma de suplício. Todos os meus sentidos passaram a “estado de alerta”, milagrosamente despertos da letargia que há pouco me prostrava.
Os inquisidores recomeçaram a manipular num corpo que é quase um esqueleto, onde a dor está generalizada, mas onde eles descobrem sempre pontos nevrálgicos. Remexem mais uma vez, as feridas. Chafurdam-se no pus com volúpia. E, ao som das gargalhadas e do deboche, conseguem dar continuidade ao seu trabalho nefando, em mais uma noite de terror.
CONTINUA...
Depois que saí do “quadrado” fui acometido de um acesso de sono. De pé no canto da parede desandei a cochilar, a cabeça pendia irresistivelmente para frente, como se eu perdesse de repente os sentidos. Um estalo forte como um tiro me despertou bruscamente. Esse estampido era produzido por uma larga correia que o investigador sentado à minha frente, vibrava sobre a mesa. A primeira pancada me produziu um susto tal que o corpo todo estremeceu. O “tira” achou graça.
A dor de cabeça atingiu o máximo. O peso na nuca tornou-se uma coisa louca, insuportável. A vigília forçada de vários dias, as torturas, a fome, a sede, os sobressaltos, o cansaço, tudo isto acumulado, chegou a um ponto que as últimas reservas de resistência física iam se esgotando. A cabeça novamente pendeu para frente, para a semi-inconsciência. Nova pancada, novo sobressalto.
Faço um esforço sobre humano para não cochilar, pois as pancadas na mesa funcionam como se fora na minha cabeça. Mas não tenho forças para impedir os cochilos. Então a cena se repete, numa seqüência interminável de cochilos, pancadas e despertar assustado, cochilos, pancadas, cochilos, pancadas...
As pernas tremem, cambaleio, mas consigo a custo me manter em pé. Não consigo porém manter a cabeça firme. E o tormento continua. A pancada e o susto que abala todo o meu corpo só poderiam ser evitados se fosse possível impedir o sono.
A cabeça pende mais uma vez. Num segundo sonho com um estimulante, um remédio fantástico que me mantém acordado e me salva da tortura. Nova pancada me faz estremecer e me traz à realidade da vida ou melhor, à realidade da morte. Sinto a cabeça como se ela não fizesse mais parte do meu corpo, como se fosse uma coisa à parte, nela se concentrando todas as dores, todas as reações e as últimas pulsações.
Escutei os “tiras” dizerem que estávamos na semana santa, revivia-se o martírio de Cristo. Então eu pensei: Talvez tudo isto esteja acontecendo em nome dos ideais cristãos. Eles vivem falando em “ideais cristãos”, será que eles interpretam e aplicam os ideais cristãos desta maneira, arrancando unhas, matando lenta e cruelmente as pessoas? E a frase ideais cristãos ficou no meu juízo, girando sem querer sair.
Naqueles momentos a sonolência sobrepujou a todas as demais sensações – a sede, as pontadas no estômago, as dores nas pernas, as queimaduras. Cada vez que a cabeça pendia para a frente era como se eu caísse num vácuo. A queda não era o pior, mas o medo da pancada fazia com que eu a temesse e fizesse todo esforço para evitá-la.
O “tira” estava atento, aguardava apenas o momento em que minha cabeça descambasse para desfechar o golpe fatídico. Eu não tinha forças para me conter, as pancadas e as quedas no abismo vão se amiudando, o meu cérebro não agüentava mais, parecia que ia estourar.
Procurei decifrar o semblante do “vigia”, o riso de gozo e de ironia estava sempre presente no seu rosto, não consigo distinguir nenhum vestígio ou traço de humanidade. Terá ele família, filhos?
As pancadas tornaram-se mais freqüentes, há um ferreiro batendo o malho numa bigorna, a bigorna é meu cérebro. Cheguei a um ponto em que não conseguia mais coordenar nenhum pensamento. Em certos momentos não sabia onde eu estava nem o que estava acontecendo.
Alguém veio tirar-me daquela aflição. Seguro por um braço fui levado, como um sonâmbulo, para a sala de torturar. Lá estava o trio sinistro à minha espera, com todos os apetrechos para a outra forma de suplício. Todos os meus sentidos passaram a “estado de alerta”, milagrosamente despertos da letargia que há pouco me prostrava.
Os inquisidores recomeçaram a manipular num corpo que é quase um esqueleto, onde a dor está generalizada, mas onde eles descobrem sempre pontos nevrálgicos. Remexem mais uma vez, as feridas. Chafurdam-se no pus com volúpia. E, ao som das gargalhadas e do deboche, conseguem dar continuidade ao seu trabalho nefando, em mais uma noite de terror.
CONTINUA...
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