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sábado, 25 de janeiro de 2014

ALGO ALÉM DO PÃO E DO AMANHÃ



Por Rangel Alves da Costa*

Ninguém é tão indigno de conquistar que não possa ter algo além do pão e do amanhã. Seria apenas conformismo existencial e mera subsistência o empobrecido contentamento de ter apenas o alimento da sobrevivência e a expectativa de continuar vivendo.

Indubitavelmente que todos merecem ter algo além do pão e do amanhã. O ser humano é muito diferente do bicho que apenas berra quando lhe falta a medida de palma ou capim; distancia-se muito do animal que se contenta apenas com um punhado de milho.

Não se fala em fartura, mas em apenas ter. E ter o suficiente para não viver como bicho regrado, diminuído demais ou na miserabilidade. Nada mais indigno ao ser humano que ter de implorar um pedaço de pão, um resto de comida, uma caneca d’água salobra e barrenta para beber.

Logicamente que situações extremas existem onde qualquer esmola ou pedaço de pouco será de grande serventia. Mas é uma questão de vida ou morte, da submissão ao quase nada ou o perecimento por falta de alimento. Ainda assim não condizente com a vida e a dignidade humana.

Cata grão na areia aquele que não tem pedaço de pão; come restos apodrecidos aquele que não possui qualquer outro alimento; se farta de bolachão de barro aquele que está desprovido de bolacha de trigo; bebe lama quase esturricada aquele que não consegue avistar uma fonte.

Um retrato emoldurado na miséria africana, porém encontrado em todos os quadrantes do mundo. Populações ainda existem que sobrevivem apenas pelo próprio dom da existência. Vivem numa miséria tal que somente o milagre da sobrevivência para dar explicações.

Aqui, ali, tudo igual. No Nordeste faminto, no sertão sedento, na imensidão de sofrimento e abandono. E não há esmola oficial que acabe de vez com o padecimento de tanta gente. É menino comendo calango, é jovem comendo palma, é família sem panela no fogo e de barriga vazia.


Impossível que todos vivessem com comida farta na mesa, com o remédio sempre ao alcance, com a água de beber na geladeira e outras bonanças. Mas inadmissível que tantos tenham de amanhecer e anoitecer como se bichos esquecidos fossem, que sintam o vazio por dentro e nada tenham para enganar a fome.

A miséria e a pobreza continuarão existindo, vez que não é somente o alimento que afasta populações da condição de miserabilidade. E continuarão existindo pela diferenças sociais impostas, pelo abandono a que são relegadas, pelo descaso como são tratadas. Não adianta ter a comida e continuar carente de respeito e dignidade.

Ter algo além do pão e do amanhã não significa viver de promessas e de esperanças. Do mesmo modo, não significa ter na dispensa o alimento para o dia seguinte. Tudo isso deveria ser visto apenas como normalidade da vida, como o mínimo aceitável a cada indivíduo na sua existência.

Ter algo além do pão e do amanhã pressupõe dignidade, respeito, tratamento igualitário, garantia de prevalência dos direitos e garantias fundamentais do ser humano. Mas pressupõe, acima de tudo, que o indivíduo afaste de si o sorriso forçado pela esmola recebida e verdadeiramente cante a alegria da felicidade.

Isto mesmo, ter algo além do pão e do amanhã pressupõe a existência da felicidade em cada um. E o homem se mostra feliz toda vez que encontra oportunidades na vida, se sente respeitado e valorizado, é reconhecido como útil na sociedade onde vive, não é visto como mais um que caminha em direção aos lixões.

Quem dera que todos tivessem algo além do pão e do amanhã. Quem dera que todos tivessem a dignidade da sobrevivência sem temer o amanhã. E ter cada manhã como um campo fértil para semear e colher os grãos da felicidade.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com.br/ 

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