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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

PORTAS, JANELAS, FRESTAS (OS OLHOS DA CASA)

Por Rangel Alves da Costa*


Igualmente a pessoas e outros seres, a casa também possui olhos. E os olhos de um lar, seja tapera ou mansão, estão nas portas, janelas, frestas e por todo lugar de onde se aviste lá dentro e permita enxergar o mundo adiante.

Através dos olhos da casa, ou seja, de suas portas, janelas e frestas, o mundo é conhecido e reconhecido, a vida possui passagem, tudo é possível acontecer. Uma casa totalmente fechada é como a cegueira impondo o desconhecimento de tudo.

Logo se tem que as portas não significam apenas lugar de entrada e saída, local que se permite avistar se a casa está fechada ou aberta. O significado é muito maior, principalmente considerando-se que por ali transita toda a vida, demonstra a fluência de pessoas, torna possível reconhecer aspectos como o abandono e a solidão.

Uma porta trancada são olhos fechados. Haverá adormecimento, morte ou simplesmente uma situação passageira? Provoca dúvida, sensação de incerteza, temor. Lá dentro poderá existir alguém, mas também pode estar cerrada porque o lar foi abandonado, não mais existe ninguém naquele lugar.


Uma porta fechada causa tristeza e sofrimento. Quando os olhos da casa estão trancados, o viajante que passa adiante ou o visitante ávido para bater na madeira, logo se toma de aflição e angústia. Bem que ela fosse reaberta para um gole d’água, para receber o visitante, para dizer que há vida pulsando ali.

Uma porta aberta são olhos refletindo a vida, sinais de que há presença humana e talvez uma acolhida. Mas apenas entreaberta ou deixando entrever que não permanece fechada, pois do contrário permanecerá a mesma incerteza de quando mantida fechada por muito tempo. 

Contudo, uma porta totalmente desfraldada ao sabor do vento pode ter muitas significações. Os moradores resolveram deixar que as luzes do dia iluminem suas dependências, a ventania traga ares novos ao ambiente, ou porque se está esperando a visita de alguém. Mas também possa ser que esteja assim porque abandonada, aberta pela força do vento, entregue à ação de qualquer um que deseje nela entrar.

Nada mais triste que avistar uma casa abandonada, com portas e janelas abertas, entregues ao sabor da ventania, sentindo que lá dentro permanecem resquícios de vida, uma história familiar que não mais pode ser encontrada. Apenas folhagens mortas invadindo tudo, a poeira envelhecendo ainda mais o já tão antigo, talvez fantasmas adormecidos ao relento.

O mesmo ocorre com as janelas de uma casa, só que representando o lado sentimental da moradia. Com moradores, a janela representa o primeiro contato com o mundo ao redor, o local de conversas ligeiras, o lugar apropriado para se posicionar no limite entre o externo e o interno, o que está adiante e dentro de casa.

É na janela que a mocinha se debruça ao entardecer para sonhar com seu príncipe encantado, chorar suas mágoas, sentir saudades, tentar enxergar o mundo que faça bem melhor ao seu coração. Também pelas frestas, apenas avistando o canteiro adiante, chora lágrimas de dor e sofrimento.

A janela logo diz da vida ou da morte de uma casa. Dificilmente ela permanece fechada por muito tempo. Ademais, por detrás de sua madeira, em cada cantinho que possa passar o olhar, alguém pode estar nas sombras do quarto ou da sala. E de vez em quando apenas um lado é aberto e um rosto entristecido aparece. Que tristeza danada.


Contudo, se a janela é avistada sempre aberta, balançado de lado a outro, sem que olhos ou vultos apareçam pelo lado de dentro, será certeza de abandono. Talvez o vento prefira a janela para anunciar que ali pode fazer a festa da solidão, da angústia, do vazio que ainda ecoa lamentos. E furiosamente vai entrando para abraçar os sonhos ainda existentes e murmurar seu grito de sofrimento.

E assim também nas frestas das portas, janelas, telhados, paredes. Tantas vezes o sol bate e encontra uma face querendo avistar um mundo. Tantas outras vezes apenas bate, porém sem mais ninguém encontrar. Apenas o silêncio e a solidão.

Poeta e cronista
 blograngel-sertao.blogspot.com 

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