Fellipe Torres - Diario de Pernambuco
Pesquisador Jack de Witte busca editora para
publicar edição em português de sua biografia do cangaceiro Virgolino Ferreira
da Silva
O primeiro
grande sucesso internacional do cinema brasileiro ganhou o mundo há 60 anos, em
1953. Trata-se de O cangaceiro, escrito por Lima Barreto (cineasta
homônimo do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma) em parceria com Rachel
de Queiroz. Bastante premiado, inclusive no Festival de Cannes, o filme
circulou por 80 países. Na França, onde passou cinco anos em cartaz, o
longa-metragem inspirado na história de Lampião encantou muitos espectadores, e
particularmente Jack François de Witte, na época adolescente.
O cenário de truculência e banditismo no Sertão nordestino permaneceu no
imaginário do francês por toda a vida. Décadas mais tarde, já formado em
engenharia eletrônica, morou três anos no Rio de Janeiro, quando teve a
oportunidade de conhecer mais sobre a lenda por trás de ficção, o cangaceiro
Virgulino Ferreira da Silva. Ao se aposentar, intensificou a pesquisa em
jornais das décadas de 1920 e 1930, além de montar biblioteca com 60 livros
sobre o assunto. “Me tornei um apaixonado pelo cangaço”, diz.
Pesquisador
Jack de Witte
Munido de
bastante informação, de Witte percorreu cidades nordestinas na tentativa de
refazer os passos de Lampião. Visitou desde o local de nascimento, em Serra
Talhada, no Sertão pernambucano, até onde foi morto, na fazenda Angicos, em
Sergipe. O resultado da imersão na história do cangaço rendeu o livro Lampião
VP - Sans toit , sans roi, sans loi (em tradução livre, sem casa, sem lei,
sem rei), lançado há cinco anos em Paris. Agora, o escritor francês circula em
busca de editora para publicar a obra em português.
A despeito de
ter sido embasada em extenso levantamento, a narrativa é construída na primeira
pessoa, do ponto de vista de Lampião. “Quis fazer uma abordagem meio literária,
então associei notícias de jornal com essa nova maneira de contar a história”,
explica Jack de Witte. No encadeamento de ideias, contudo, também há espaço
para a imaginação e a subjetividade. O “VP” do título, vale ressaltar, é uma
referência à comparação feita entre Virgulino e o traficante carioca Marcinho
VP (protagonista de Abusado, de Caco Barcellos).
Na avaliação do pesquisador do cangaço Frederico Pernambucano de Mello, o livro é um “romance histórico desafiador”, referindo-se à maneira peculiar de narração. “Para o historiador, cometimentos assim chegam a ser arrepiantes... Mas o certo é que ele [o autor] cercou-se de informações densas sobre a vida do cangaceiro”. Pernambucano de Mello foi um dos que colaboraram com a pesquisa do francês. “Creio que cabe a tradução para o português. O assunto está vivendo efervescência máxima”, completa.
Sobre o interesse em editar a obra no Brasil, de Witte diz ter essa intenção desde o início da pesquisa. “Não escrevi o livro para os franceses, e sim para, de algum modo, fazer parte dessa história”. E aproveita para explicar a pouca repercussão desde o lançamento em Paris. “As pessoas na França são muito egocêntricas e etnocêntricas, não estão abertas para aprender a respeito de outros locais”.
>>>>> Lampião segundo estrangeiros
“BANDIDO SOCIAL” (VISÃO BRITÂNICA)
Na avaliação do pesquisador do cangaço Frederico Pernambucano de Mello, o livro é um “romance histórico desafiador”, referindo-se à maneira peculiar de narração. “Para o historiador, cometimentos assim chegam a ser arrepiantes... Mas o certo é que ele [o autor] cercou-se de informações densas sobre a vida do cangaceiro”. Pernambucano de Mello foi um dos que colaboraram com a pesquisa do francês. “Creio que cabe a tradução para o português. O assunto está vivendo efervescência máxima”, completa.
Sobre o interesse em editar a obra no Brasil, de Witte diz ter essa intenção desde o início da pesquisa. “Não escrevi o livro para os franceses, e sim para, de algum modo, fazer parte dessa história”. E aproveita para explicar a pouca repercussão desde o lançamento em Paris. “As pessoas na França são muito egocêntricas e etnocêntricas, não estão abertas para aprender a respeito de outros locais”.
>>>>> Lampião segundo estrangeiros
“BANDIDO SOCIAL” (VISÃO BRITÂNICA)
Eric Hobsbawn
- Bandidos (Paz e terra, 280 páginas, R$ 45)
O historiador britânico Eric Hobsbawm traça perfis de vários “bandidos sociais”
ao redor do mundo, entre eles, Lampião. No livro, ele aponta a lenda de Robin
Hood como ideal universal do bom ladrão para analisar como a ausência pode
transformar criminosos em heróis. A análise rendeu muitas críticas, sobretudo
por sugerir que essas figuras representavam a “reação dos excluídos” contra a
opressão de alguns poderes centrados no campo. No caso particular de Lampião,
Hobsbawm o considerava um “bandido social” com a ressalva de que havia nele uma
ambiguidade. Era “meio nobre, meio monstro”.
“BANDIDO DE ORIGEM SOCIAL” (VISÃO NORTE-AMERICANA)
Lampião: o rei dos cangaceiros (Paz e terra, 335 páginas, R$ 47,50), de Billy Jaynes Chandler
Lampião: o rei dos cangaceiros (Paz e terra, 335 páginas, R$ 47,50), de Billy Jaynes Chandler
O norte-americano Billy Chandler é um dos críticos de Hobsbawm. Para ele,
Lampião só se encaixa no conceito de “bandido social” por ter origem em
ambiente injusto, e que seria exagero falar em justiça social por parte do
cangaceiro. Na biografia de Virgulino, examina a trajetória desdea infância até
o episódio de sua morte. Separa fatos da ficção e coloca o personagem no
contexto do sertão, onde tornar-se cangaceiro era um ato natural e atrativo
para o filho de um agricultor. Relatos atuais e da época, arquivos e
entrevistas sustentam a análise sistemática sobre o cangaceiro.
“GÊNIO DO MARKETING” (VISÃO FRANCESA)
“GÊNIO DO MARKETING” (VISÃO FRANCESA)
Lampião -
Senhor do sertão (Edusp, 392 páginas, R$ 62), de Élise Grunspan-Jasmin
A historiadora francesa Élise Grunspan-Jasmin fez vasto levantamento e comparou
várias versões sobre a vida de Lampião. Também explica como a imagem do “mito”
foi construída pela imprensa dos anos 1930, que embora criticasse a violência,
ajudava a construir a lenda do herói invencível, de corpo fechado. Ela aponta
as numerosas fotos publicadas na imprensa, e revela o enorme prazer de
Virgulino em posar para fotógrafos e se ver nos jornais. Com grande senso de
marketing, manipulava jornalistas para se promover. A “lenda” seria reforçada
com a literatura de cordel, bonecos de barro, filmes e músicas.
DEPOIMENTO
Frederico Pernambucano de Mello
DEPOIMENTO
Frederico Pernambucano de Mello
“Conheci pessoalmente Jack de Witte em Paris, em 2004, quando fui fazer palestra sobre o cangaço. Alto, magro, contido, ares de jesuíta que largou a batina. No dia seguinte, à noite, nos avistamos demoradamente para um vinho em casa da também brasilianista do cangaço Élise Grunspan-Jasmin.
Jack estava cavando informações para escrever seu livro sobre Lampião, um romance histórico muito desafiador, vez que corre o risco de dar voz ao grande cangaceiro, fazendo com que este vá alimentando a narrativa com revelações sobre fatos e sobre motivos por trás desses fatos. Para o historiador, cometimentos assim chegam a ser arrepiantes...
Mas o certo é que ele não se lançou ao risco a partir do vazio. Ao contrário, cercou-se de informações densas sobre a vida do cangaceiro, detendo-se por anos no levantamento destas, o que confere respeitabilidade ao produto final. Li a versão em francês de seu livro, faz alguns anos, e creio que caiba a tradução para o português, com vistas ao nosso público. O assunto está vivendo efervescência máxima.
Jack de Witte está longe de ser um aventureiro. Cercou-se criteriosamente dos elementos necessários a nos dar a visão pessoal do que entende terem sido algumas das razões e propósitos do Capitão Virgulino Ferreira. Trata-se, por outro lado, de um enamorado do Nordeste do Brasil sem meios-termos, sobretudo dos sertões setentrionais. Que não deixa turvar seus estudos por essa paixão.
REFERÊNCIA:
Uma das principais fontes de pesquisa de Jack de Witte foram edições antigas do Diario de Pernambuco. Não à toa, Lampião VP tem mais de cem citações a notícias publicadas no jornal. Confira algumas delas:
- Diario de Pernambuco, julho de 1922 - Ao lado de 50 homens, Lampião entra em confronto com a polícia no Espírito Santo.
- Diario de Pernambuco, agosto de 1922 - Aos 25 anos, Lampião ataca município de Água Branca. Foi definido como possuidor “de uma perversidade insólita”.
- Diario de Pernambuco, agosto de 1924 - Bando de cangaceiros atacam a cidade de Souza, na Paraíba.
- Diario de Pernambuco, julho de 1925 - Confronto entre 19 policiais da Paraíba e 15 cangaceiros deixa vários mortos, entre eles o irmão de Lampião, Levino.
- Diario de Pernambuco, fevereiro de 1926 - É desmentida a suposta morte de Lampião, boato que estava sendo noticiado.
- Diario de Pernambuco, novembro de 1926 - Lampião junto a 120 homens sequestra representantes das empresas Souza Cruz e Standard Oil, e exige resgate.
- Diario de Pernambuco, dezembro de 1926 - governadores dos estados nordestinos se reúnem para combater o banditismo no sertão.
- Diario de Pernambuco, setembro de 1927 - O bando de cangaceiros estaria “desmoralizado” e reduzida a 14 homens.
- Diario de Pernambuco, julho de 1938 - Notícia da morte de Lampião e de mais 11 cangaceiros.
Uma das principais fontes de pesquisa de Jack de Witte foram edições antigas do Diario de Pernambuco. Não à toa, Lampião VP tem mais de cem citações a notícias publicadas no jornal. Confira algumas delas:
- Diario de Pernambuco, julho de 1922 - Ao lado de 50 homens, Lampião entra em confronto com a polícia no Espírito Santo.
- Diario de Pernambuco, agosto de 1922 - Aos 25 anos, Lampião ataca município de Água Branca. Foi definido como possuidor “de uma perversidade insólita”.
- Diario de Pernambuco, agosto de 1924 - Bando de cangaceiros atacam a cidade de Souza, na Paraíba.
- Diario de Pernambuco, julho de 1925 - Confronto entre 19 policiais da Paraíba e 15 cangaceiros deixa vários mortos, entre eles o irmão de Lampião, Levino.
- Diario de Pernambuco, fevereiro de 1926 - É desmentida a suposta morte de Lampião, boato que estava sendo noticiado.
- Diario de Pernambuco, novembro de 1926 - Lampião junto a 120 homens sequestra representantes das empresas Souza Cruz e Standard Oil, e exige resgate.
- Diario de Pernambuco, dezembro de 1926 - governadores dos estados nordestinos se reúnem para combater o banditismo no sertão.
- Diario de Pernambuco, setembro de 1927 - O bando de cangaceiros estaria “desmoralizado” e reduzida a 14 homens.
- Diario de Pernambuco, julho de 1938 - Notícia da morte de Lampião e de mais 11 cangaceiros.
Mendes amigo: Gostei da matéria escrita por Fellipe Torres no Diário de Pernambuco, inclusive com relatos do grande pesquisador Pernambucano de Mello sobre um novo livro a ser lançado pelo francês Jack de Witte. Ótimo caro escritor francês, a publicação de mais um livro sobre a história do cangaço. Parabéns!
ResponderExcluirAntonio Oliveira - Serrinha - Bahia.