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terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

“O GLOBO”- 17/11/1958 - PARTE XII

Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho

COMO SE FORJA UM CANGACEIRO

O FEROZ JOSÉ BAIANO

A Crueldade Era Inata Nesse “Cabra” – Marcava Mulheres Com Ferro em Brasa Para Agradar Lampião – Só Lídia Era Capaz de Desafiá-lo – O Amor Foi Sua Perdição.

TENHO mencionado várias vezes o nome de José Baiano, pelo menos sempre que me refiro a crueldades. E, na verdade, tenho visto muita gente má, mas a maldade de José Baiano era diferente, dando a impressão de que ele era um desequilibrado. Não tinha gênio parecido com o de Lampião ou o de Corisco, que eram calmos e cínicos sempre que se dispunham a tirar a vida a alguém. Era permanentemente violento e não dissimulava o gênio. Esquisitão, como todo perverso, estava sempre a imaginar uma forma diferente de ser ruim, o que sempre conseguia. Chamava-se Aleixo essa fera humana de que nunca pude saber o sobrenome. Mas devia ter José no nome, e, como era natural da Bahia, ficou conhecido como José Baiano. Seu nome cruzou o Nordeste inteiro graças às crueldades que praticou no bando de Lampião. Era alto, forte, de raça negra, e feio. Raramente ria ou dizia piadas, sendo muito difícil conversar com ele. Mas gostava de cantar, e como cantava bem! Aquela ruindade toda sumia-se quando entoava uma de nossas canções bem brasileiras, e nisso ninguém o superava. Sabia centenas de músicas e fazia também suas composições, sendo que algumas delas devem andar por este país afora com outro nome, dado por algum desses aproveitadores de talento alheio... Muitas das cantigas que sei foi José Baiano quem me ensinou. Não se recusava a cantar quando pedíamos, pelo contrário, a música exercia um forte fascínio sobre esse homem, e tenho a impressão de que seus momentos mais agradáveis eram quando matava ou cantava.

COMEÇOU COM UMA BRIGA

A ENTRADA de José Baiano no bando de Lampião foi curiosa. Ele era do Chorrochó, cidadezinha do interior baiano, e tinha dois primos, Antônio de Engrácia e Cirilo, que juntamente com ele negociavam na feira daquela localidade. Tudo começou quando, certa feita, Cirilo se engalfinhou com um homem. Antônio veio em seu socorro e acabou matando o infeliz. Desesperados com o crime, temendo a cadeia, resolveram fugir do povoado e terminaram por entrar pela caatinga adentro, fugindo da Polícia.

Dizia José Baiano que ficara depois disso em Chorrochó, mas, por ser primo dos irmãos assassinos, passou a ser perseguido pela Polícia, que cismava que ele sabia o paradeiro deles. Tanto a Polícia o perseguiu (segundo ele mesmo contava), que terminou por ir atrás dos primos e ingressar no cangaço. De início operavam apenas os três, com seu próprio bando, mas, depois de algum tempo se uniram-se a Lampião.

José Baiano fez carreira no bando do Capitão Virgulino, onde ingressou aos 29 anos mais ou menos, e desde o início o chefe viu nele um ótimo elemento, sempre disposto a matar. E era valente, não se acovardando nos momentos mais difíceis. Gostava de usar faca, e aconselhava a todos que o melhor golpe para matar devia ser dado no umbigo, pois “era bater e valer”! Foi ele que, em Queimada, juntamente com Luiz Pedro, trucidou oito soldados, conforme narrei anteriormente.

Apesar de falar pouco, nos raríssimos momentos em que sorria, gostava de contar maldades. Lembro-me de que um dia contou que, encontrando um sujeito “muito falador” e temendo que ele fosse contar à Volante que vira o bando puxou uma faca e cortou a ponta da língua do infeliz. “Esse não fala mais”, dizia sorrindo. Com efeito, houve quem o visse cortar a língua de um homem e me contaram que o motivo foi dos mais fúteis, unicamente porque ele achava que o homem falava demais.

FERRADOR DE MULHERES

O QUE mais popularizou José Baiano, porém, foi a sua mania de “ferrar mulheres”. E isso nasceu da ojeriza que Lampião sentia por mulheres de cabelos curtos e saias pelos joelhos. Lampião, conforme expliquei, aplicava bolos nas mulheres, mas José Baiano achava o castigo muito “suave”, pois falta tão grave não poderia ser punida “apenas” com uma dúzia de bolos. E mandou fazer um ferro de marcar o gado com as iniciais: JB. Quando apareceu com o ferro e expôs a ideia a Lampião, este logo aprovou, e os casos de bolos passava-os a José Baiano. A cena de “marcação” era horrorosa, e existe um número enorme de mulheres marcadas pelo Nordeste afora. Quando a infeliz usava cabelo curto, a marca era feita no rosto; se o caso era de vestido pelos joelhos, a marca era feita na barriga da perna. Dava arrepios ver José Baiano fazendo aquilo, pois enquanto as mulheres eram seguras por outros sádicos, ele esperava pacientemente que o ferro avermelhasse no fogo! Quando as iniciais estavam em brasa, experimentava acendendo o cigarro e em seguida encostava-as nas mulheres. Os gritos que as infelizes desferiam eram lancinantes, e algumas até desmaiavam só de ver os preparativos. Mas ele as marcava assim mesmo desacordadas, e não foram poucas as que, não resistindo à queimadura, morreram posteriormente.

Lampião nunca ferrou nenhuma mulher, mas assistia sadicamente ao ato de José Baiano. Virgulino tinha horror de vestidos e cabelos curtos, e ficava enfurecido quando encontrava uma “sem-vergonha” assim. Já quanto a José Baiano, tenho a impressão de que fazia tudo por pura maldade e para ter uma mania comum com Lampião. Coisa de desequilibrados mentais...

O AMOR DE LÍDIA

UMA das coisas que jamais compreendi é como, sendo José Baiano um negro feio e mau, podia teu uma mulher branca, bonita e meiga como Lídia. Essa moça seguia-o sempre e tinha verdadeira adoração por ele. Brigavam muito, pois Lídia era por demais ciumenta e estava sempre criando casos. Não tinha o menor medo de José Baiano e dizia-lhe o que tinha de dizer, mesmo apanhando, como sucedeu algumas vezes. José Baiano ficava furioso com as teimosias de Lídia, mas a moça era o diabo em figura de gente. Era uma morena bonita, muito jovem, de boa estatura e graciosa, desde que não estivesse às turras com o amado...

E dizer que aquela fera suportava aquilo... ele que era um terror, para quem a vida humana nada significava, ele que inutilizava um homem com a maior frieza, ser desafiado pela mulher...

O FIM DE JOSÉ BAIANO

Tantas, porém, Lídia fez com José Baiano, que terminou por enfurecê-lo a tal ponto que ele acabou com a sua vida. Foi no interior de Sergipe, e ambos já se tinham retirado do bando, bem como Corisco. Estavam num arraialzinho, desses muitos do interior brasileiro, e de que não me recordo o nome agora. O pessoal do arraial costumava acoitar o bando e os dois estavam gozando essa regalia havia já alguns dias. José Baiano, porém, queria partir para o interior da Bahia, coisa a que Lídia se opunha, e a discussão ferveu. O povo do local assistia à briga e cada vez mais José Baiano se enfurecia, muito embora Lídia fincasse pé, dizendo que não sairia dali de forma alguma.

Depois de muita discussão, em dado momento José Baiano ficou fora de si e, apanhando o mosquetão, disse: “Vou matar essa peste!” Os que estavam perto tentaram impedi-lo, mas ele não deu ouvidos e, chegando perto da mulher, apontou-lhe a arma e varou-lhe o crânio com uma bala. Até o tiro partir, Lídia não acreditava que José Baiano fizesse aquilo, razão pela qual se manteve calma e de braços cruzados.

Quando a mulher caiu morta, o facínora ficou transtornado, e o povo, furioso, aproveitando sua indecisão, tomou-lhe a arma e o linchou a cacete e faca. José Baiano teve uma morte como não contava ter, pois morreu como morrem os cães danados, exterminados pelo povo. Tão grande era a indignação do pessoal, que, antes de enterrarem o cadáver de José Baiano, deceparam-lhe a cabeça, e foi assim que a Volante o encontrou tempos mais tarde, quando lhe exumou o corpo. Muitas fotografias foram feitas, e a que mais se vendeu no Nordeste foi a que mostrava seu corpo estendido e a cabeça pousada sobre o peito.

Próximo capítulo: O Baile de Vassoura

CONTINUA...


Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa Sobrinho

Informação do http://blogdomendesemendes.blogspot.com

O cangaceiro Volta Seca afirma que o facínora Zé Baiano era primo dos cangaceiros Antonio de Ingrácias e Cirilo de Ingrácias, mas não era. Zé Baiano era sobrinho destes cangaceiros, segundo informações de vários pesquisadores do cangaço. 

O cangaceiro Volta Seca não teve tempo suficiente para saber tudo sobre o cangaço, pois ainda adolescente, foi preso e condenado a passar mais de 20 anos na cadeia. Durante este período ele fugiu da cadeira algumas vezes, mas sempre era capturado pela polícia, fazendo com que continuasse por trás das grades. 

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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