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terça-feira, 17 de novembro de 2015

AS CORES DA FRANÇA E A LAMA DE MARIANA: A IMBECILIDADE SEM FIM NAS CRÍTICAS DOS INTERNAUTAS

‎Por Rangel Alves da Costa*

Ante as críticas e manifestações que se alastram pelas redes sociais, quase todas no sentido de priorizar sentimentos pela tragédia brasileira que soterrou uma cidade inteira e dizimou vidas em flor, afirmo: Sofrer pelo sangue derramado na França não diminui a dor sentida pela lama de Mariana. Mostrar que também padece com o distante sangue derramado não significa renegar a dor sofrida pelo irmão mineiro.

É preciso compreender para sentir. Alguém por aí já ouviu que as lágrimas são universais? Ou alguém aí do outro lado já leu que os sofrimentos pelos outros nos chegam mesmo sem parentesco, conhecimento ou amizade? Ou ainda já ouviu falar que a tristeza pelos funestos acontecimentos está na percepção do sofrimento das vítimas e não pela conveniência em sofrer?

Ou uma indagação mais explícita: Por que as vítimas da tragédia de Mariana são nossos irmãos pátrios não poderemos também sofrer pelas vítimas da pátria francesa e outras pátrias? E mais claramente: Por que ser criticado ao reverenciar e prestar homenagem às vítimas dos ataques terroristas, pelo simples fatos de que no solo brasileiro as vítimas também se alastram?

Será que por que as vítimas soterradas na tragédia mineira devem ser lamentadas, não se pode ou se deve também chorar todas as vítimas do mundo? Chorar, prantear, entristecer, enlutar, afligir-se e orar por todas as vítimas do mundo. Seja pelos deserdados que morrem nas travessias marítimas fugindo das guerras e genocídios, seja pelas crianças tornadas reféns pelo Boko Haram, seja pelas vítimas das insanidades terroristas pelos quadrantes do mundo.

Ademais, não é pela tragédia de Mariana ou pela mortandade do terrorismo na França, que irei esquecer-me do pequeno Aylan Kurdi morto na beirada da praia, que irei deslembrar da tragédia naquele11 de setembro nas torres gêmeas em Nova York, e muito menos dos adeptos ao jihadismo que invadem escolas e matam dezenas de inocentes. Tenho motivos demais para não esquecer-me das dores do mundo.

Talvez diferente de outras pessoas, cujas manifestações de pesar surgem com a pontualidade da conveniência, não me faço deslembrado de nada que mortifica a humanidade, ainda que somente através da história. Não posso esquecer-me: “Eli, Eli, Lama Sabactani?!” (Deus, meu Deus, por que me abandonaste?!). E dessa dor todas as outras dores do mundo. E sofro por todas elas. E sofrerei indistintamente por todas as dores da perversidade, do terrorismo, do genocídio, da perseguição, da intolerância, da crueldade.


E agora Mariana e a França. A lama e o sangue provocando a mesma dor e o mesmo sofrimento. Contudo, e infelizmente, apenas mais algumas tragédias no somatório dos tantos dramas humanos. E também as tragédias sem mídia, os dramas sem noticiário, os holocaustos sem a devida divulgação. Então pergunto sobre nossas tragédias do dia a dia: quantos não morrem todos os dias nas portas ou nos corredores dos hospitais por falta de atendimento médico, pela violência generalizada, pelo terrorismo governamental?

Desse modo, antes de criticar uma homenagem que se presta aos irmãos franceses, será preciso fazer uma autocrítica pela veracidade dos sentimentos com relação à nossas vítimas. Na verdade, como num jogo de cena, é muito fácil abraçar uma causa emergida da dor apenas por oportunismo. Quem verdadeiramente sente a dor do outro não diz que a dor é maior porque é aqui, por que ocorrido no solo brasileiro.

O sofrimento, o pesar, o entristecimento e as lágrimas não possuem fronteiras. A sensibilidade humana não deve possuir uma margem que priorize esta ou aquela tragédia. Ora, somos todos irmãos, somos todos filhos de um mundo que padece pelas mãos do ódio e do terror. Daí que a lama envolvendo um irmão de Mariana possui a mesma cor de sangue daquele irmão francês. Ou daquele irmão nigeriano, sírio, egípcio, iraquiano, numa família imensa que sofre por todo lugar.

Causa sofrimento indescritível aquelas cenas com pessoas mortas envoltas em lamaçal, casas destruídas, vidas acabadas. Igualmente ao sofrimento do mundo pela tragédia francesa. E assim por que as bombas e os tiros do Estado Islâmico não atingiram somente a França, mas todas as nações democráticas do mundo, toda a segurança do mundo, todo o temor pela vida de todos em qualquer lugar do planeta. E por isso mesmo possuir um sentido de maior comoção. A ousadia terrorista é tamanha que ninguém pode se sentir seguro na suposta distância que esteja.

Portanto, deixai que a dor e o sofrimento de cada um sejam demonstrados da forma que melhor lhe convier, do jeito que melhor se ajuste à sua homenagem. Que se evite dizer que a lama de Mariana impede de ver as cores da França, ou que as mortes ocorridas noutras países não foram tratadas com a mesma comoção de agora. A dor sentida por Mariana deve ser a mesma dor sofrida pela França. Ou se age assim ou se expressa uma incoerência oportunista sem igual.

Que se diga, por último, que o governo francês já está caçando e atacando os responsáveis pelos atentados. Seus aviões e armas de guerra já estão no encalço dos líderes fundamentalistas do Estado Islâmico. E, no caso da tragédia brasileira, apenas o sofrimento do povo será a resposta. O governo brasileiro, negligente e corresponsável pela tragédia, apenas dirá que os responsáveis serão punidos. Você acredita?

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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