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sábado, 27 de agosto de 2016

OLHAR E PALAVRA

*Rangel Alves da Costa

Outro dia, num pequeno texto, expressei a seguinte reflexão: O silêncio deveria ser a voz humana! Mas agora me pergunto o que seria do ser humano sem a palavra, sem o poder verbal de expressão, sem a oralidade na comunicação.

Contudo, no instante seguinte eu já havia obtido uma resposta aceitável para tal indagação. Numa síntese, seria o seguinte: Bastaria o olhar como palavra! Então me surgiu outro questionamento: Como conseguiria o olhar expressar tudo aquilo que é tão próprio da palavra.

Então, ante verdadeiros questionamentos filosóficos, subi à montanha do pensamento e, lá no cume, igualmente O Pensador de Rodin, fui longamente meditando até chegar às seguintes conclusões:

Palavra e olhar são formas de expressão que se aproximam, mas, muito mais, se distanciam. A palavra presencialmente falada possui um alcance menor. Mesmo num grito, o seu alcance não vai além do que ecoa. E já distorcida da sua força real de expressão.

O olhar, mesmo face a face com o interlocutor, possui uma profundidade indescritível. Não é a mera visão adiante, mas o além que alcança, adentrando na alma e obtendo respostas que ninguém imaginaria possíveis sem palavras.

Ademais, o olhar, sempre além do eco longínquo do que resta do eco, alcança distâncias, rompe horizontes, vai aos espaços, obtendo respostas a cada instante, incessantemente, e de modo visível ou imaginado, e não apenas pela frieza do dito.

Enquanto a palavra diz, o olhar testemunha. A palavra pode mentir, omitir, distorcer, criar versões para o mesmo fato presenciado, mas o olhar a isto não se presta.


O olhar, em verdade, é muito mais verdadeiro que o dono dos olhos. O avistado nunca chega como mentira. Pode haver uma distorção da realidade, quando se imagina enxergar uma coisa quando se está diante de outra, mas não porque assim deseja. Já a palavra, dependendo daquele que a pronuncia, pode distorcer a realidade do fato acontecido no mesmo instante.

Aliás, uma das maiores mentiras do ser humano, e tão próprias das palavras, consiste na expressão “eu não vi nada” ou “eu não vi nada demais”. Ora, viu sim. E viu tudo. Se estava presente no acontecido, então não há como dizer que viu pela metade ou nada viu. Quando a palavra delimita o que foi enxergado, nada mais faz que uma escolha de situações que lhe sejam convenientes.

E tem gente até que vê demais perante fatos presenciados. A mentira nasce assim, a partir da criação de fatos e situações inexistentes. A pessoa encontra um gato e mais adiante repassa a outro que se deparou com um tigre. O outro diz mais adiante que a cidade está sendo invadida por perigosos animais da floresta. E num instante alguém já foi mordido, engolido, e por aí vai.

Mas o olhar não mentiu igual àquela primeira pessoa. O olhar é sincero, sempre sincero, mesmo que aviste com malícia. A forma vista é a realidade abstraída pelos olhos, enquanto a malícia é o real avistado, porém depurado segundo as intenções do pensamento. E o pensamento nem sempre reflete o visível na sua exatidão.

De qualquer modo, mesmo que as palavras se esmerem para conceituar e definir fatos e situações, coisas e objetos, nem de longe conseguem expressar as realidades sintetizadas pelo olhar. A palavra geralmente define segundo a aparência. Pouco se preocupa com as verdades intrínsecas.

Quem ou o que, além do sensível olhar, sabe definir o que seja uma lua cheia, pássaros em revoada, horizontes ao entardecer, borboletas esvoaçando ao redor da janela, a planta que brota sua primeira flor, a chuva caindo sobre a vidraça embaçada?

Quem ou o que, além do sincero olhar, sabe reconhecer e definir um lenço acenando em despedida, uma cruz sendo cravada na terra, um luto dolorido ou uma lágrima de saudade? Ou quem, melhor que o compreensivo olhar, conhece a percepção de uma face perante o reencontro de um velho amigo?

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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