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quinta-feira, 18 de julho de 2019

O PRIMEIRO CRIME DE LAMPIÃO NO CARIRI CEARENSE

Por Bruno Yacub Sampaio Cabral 

Em 31 de janeiro de 1927 (segunda-feira), Lampião e seu bando, livres de qualquer perseguição, passam pelo sítio Salvaterra em Brejo Santo, com destino ao tabuleiro da Serra do Araripe. Logo depois, ainda nas horas mortas da noite, veio a volante cearense do tenente José Bezerra que, quebrando à esquerda do Salvaterra, buscou o sítio Guaribas, seu real objetivo. (1)

Com isso, uma vez no planalto da chapada do Araripe, Lampião matou a sede dos seus animais na lagoa da Malhada Funda, já no município de Missão Velha. De lá ouvia-se o pipocar dos tiros nas Guaribas.

Em seguida, Lampião procurou o sítio Serra do Mato, onde não encontrou o coronel Santana, seu protetor e nem Júlio Pereira, seu notório fornecedor de munição. Por isto, Lampião ficou irritado, pois dera viagem perdida. Nem dinheiro, nem munição, quando seu grupo precisava das duas coisas. É sabido que Lampião guardava joias e dinheiro no cofre do seu amigo, coronel Santana.

Local onde existia o casarão do coronel Santana, Serra do Mato, em Missão Velha - CE.
Contrafeito, Lampião atravessou a chapada do Araripe, guiado por um morador de Antônio Coelho, chegando ao barreiro das Cacimbas, serra de Jardim, ponto de encontro dos vaqueiros de todo o Cariri. 
Em dado momento, conversando ao lado de uma cerca, à margem do barreiro esperando gado, os vaqueiros foram surpreendidos com a aproximação de um bando de cangaceiros. A seguir, outro grupo surgiu no lado oposto, tendo a frente Lampião. Nisto, seu guia disse que um dos vaqueiros era Pedro Vieira Cavalcante, proprietário da fazenda Apertada Hora (Serrita - PE), vaqueiro do seu próprio gado, que tinha amigos e compadres em Jardim, que ficava dali a mais ou menos duas léguas. Estava, assim, selada a trágica sorte do fazendeiro-vaqueiro.

O outro vaqueiro era Vicente Venâncio que, esperto, ludibriou os cangaceiros e fugiu a pé, arrastando-se pelo chão e depois em desabada carreira, por dentro da mata, sumiu.

O terceiro vaqueiro era Mauro de São, da família Sá Barreto (Barbalha), que, por ser jovem, foi encarregado por Lampião de levar até Jardim o pedido de resgate pela liberdade de Pedro Vieira Cavalcante, com recomendação do mesmo ser entregue ao Intendente local, coronel Dudé, José Caminha de Anchieta Gondim (pai do monsenhor Dermival de Anchieta Gondim), conceituado boticário da cidade, e ao senhor de engenho Urias Novaes, por ser rico e compadre de Pedro Vieira Cavalcante. (2)

Juntar cinco contos de réis em Jardim não era tarefa fácil, sobretudo porque ali não havia banco. O dinheiro teria de ser conseguido com donativos dos amigos do prisioneiro. Lampião ficou esperando o resgate lá mesmo, na baixa das Cacimbas.

Como o resgate custasse a chegar, Lampião mandou avisar que ficaria esperando a resposta ao seu pedido na fazenda Barra da Forquilha, ainda em Jardim, em seguida entrando no estado de Pernambuco conduzindo o prisioneiro.

Em jardim os homens ricos da terra se cotizavam até que conseguiram juntar três contos de réis, remetidos para a fazenda Barra da Forquilha pelo marchante José Pedro "Rabada", que seguiu a cavalo.

Pois bem, um vez na Barra da Forquilha, Lampião deixou Pedro Vieira Cavalcante sob a guarda do cangaceiro Balão e seguiu com seu grupo para a vila de Ipueiras dos Xavier, sendo recebido por 14 homens e farta munição, acabou perdendo o combate, como aconteceria na vila Belém do Arrojado, atual Uiraúna - PB, em 15 de maio de 1927, como também em Mossoró - RN, em 13 de junho de 1927.

Com pouca munição e sem dinheiro, Lampião bateu em retirada, buscando os sertões pernambucanos de Leopoldina, hoje Parnamirim, mas antes de sair, o cangaceiro Balão matou Pedro Vieira Cavalcante com um tiro no ouvido, que ainda estava encourado com as vestimentas de vaqueiro. Momentos depois chegou o dinheiro do resgate, já fora de tempo, infelizmente. Já era 03 de fevereiro de 1927.

Segue uma análise de Napoleão Tavares Neves sobre a morte de Pedro Vieira Cavalcante, inserida no livro Cariri Cangaço, Coiteiros e Adjacências, Crônicas Cangaceiras, págs. 46 e 47, editora Thesaurus, Brasília, 2009:

"Em fevereiro de 1927, deu-se o assassinato frio de Pedro Vieira Cavalcante, nas proximidades do povoado de Ipueiras, município de Leopoldina, à época (3). O bando de Lampião o prendera no lugar Cacimbas, na chapada do Araripe, e o levou até o lugar, onde o matou com sanha brutal.

Por que, desta vez, Lampião não teve atenção ao padre Cícero? Sim, por que? Simplesmente por isto: Lampião não mexia com o Cariri porque não era besta de cortar o aberto canal de comunicação, onde se abastecia de armas e farta munição. Só isto! Lampião era ignorante, porém inteligente! Se ele entrasse no Cariri atirando a torto e a direito, fecha-se-ia para ele o caminho para a Serra do Mato, fonte inesgotável de suprimento para seu bando. Não era em atenção ao padre Cícero a quem ele, obviamente, tinha atenção como todo sertanejo, mas não a ponto de, por causa dele, não mexer com o Cariri. É mais uma balela criada por historiadores.

Pois bem, Pedro Vieira foi aprisionado em Cacimbas que é Jardim e Jardim é Ceará. Onde, pois, a atenção de Lampião ao Cariri, por causa do padre Cícero?! Pedro Vieira foi levado por Lampião pela fazenda Barra da Forquilha e morto com um tiro no ouvido, desferido pela cangaceiro "Balão", no povoado Ipueiras dos Xavier. E aqui uma pergunta: - Por que sempre "Balão", nessas execuções?

Portanto, desta vez não apareceu em Lampião a atenção ao padre Cícero, simplesmente porque, chegando a Serra do Mato, não encontrou nem o coronel Santana, nem Júlio Pereira, ficando desesperado, sem dinheiro e sem munição. Perdeu o "Fogo de Ipueiras" contra 14 homens dos Xavier, cada um com 400 cartuchos. Gente alegre, inteligente, disposta e aguerrida, a família Xavier deu sobeja demonstração de decisão. E no fragor da luta ainda gritavam: "Bota uma retaguarda, compadre Chico Romão", cujo irmão Romão Sampaio Filho era genro do chefe dos Xavier, coronel Pedro Xavier, delegado de Polícia da vila de Ipueiras. Repito: Ipueiras, perdida nos confins dos sertões pernambucanos, antecipou-se a Mossoró (e a Uiraúna), rechaçando Lampião."

E este é considerado o primeiro crime praticado por Lampião e seu bando no Ceará, na chamada "Era Lampiônica".

Bruno Yacub Sampaio Cabral 
Pesquisador  

Notas

(1) É importante frisar que, apesar de Lampião e seu bando terem entrado no Ceará livres de qualquer perseguição, na verdade, eles já vinham fugindo das forças volantes do Pernambuco, da Paraíba e do próprio Ceará. Ainda no mês de janeiro de 1927, na Paraíba, Lampião na tentativa de acertar contas com Marcolino Diniz, pois havia deixado sob seus cuidados, dinheiro e joias, teria dificuldade para chegar à região da fazenda Patos, em Princesa Isabel, de onde fora expulso em 1924. A meio do caminho entre os povoados de Santa Cruz e Patos, no sítio Sozinho, de Andrelino Inácio, o bando faz parada e é atacado pelos soldados contratados Raimundo e Chiquito, ao qual são fuzilados e queimados com coivara e querosene. No dia seguinte, o coronel Zé Pereira, enfurecido, reúne seus auxiliares e expulsam o bando da região. N.A

(2) Lembrando que em março do ano anterior, 1926, Lampião e seu bando, foi recebido em Jardim pelo próprio intendente, coronel Dudé, como Capitão do Batalhão Patriótico de Juazeiro, chegando a pernoitar na localidade. N. A.

(3) A vila de Leopoldina hoje é chamada de Parnamirim. O distrito Ipueiras atualmente pertence à cidade de Serrita, na época chamada de Serrinha, ambas no estado de Pernambuco. N.A.

Fonte bibliográfica:

- Silva, Otacílio Anselmo e, Surpreendente e condenável comportamento de Lampião no Ceará, em revista Itaytera, n°19, Instituto Cultural do Cariri, Crato - CE, 1975;
- Neves, Napoleão Tavares, Cangaço, Crônicas e Adjacências, Crônicas Cangaceiras, editora Thesaurus, Brasília - DF, 2009;
- Bonfim, Luiz Ruben F. de A., Lampião em 1927, A marcha dos bandidos, editora Oxente, Paulo Afonso - BA, 2019;
- Dantas, Augusto de Sousa, Lampião na Paraíba, Notas para a história, editora Polyprint, Natal- RN, 2018;
- Mello, Frederico Pernambucano de, Entre Anjos e Cangaceiros, editora Escrituras, São Paulo - SP, 2012.

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