Por Raul Meneleu
No livro
"Cangaço, a força do Coronel" JÚLIO JOSÉ CHIAVENATO no tópico
"Mulheres o tesão da liberdade" fala sobre a mulheres cangaceiras e o
fato marcante desse acontecimento que foi a entrada das mulheres no grupo de
Lampião.
Foi um caso
marcante e novo, formando um padrão de comportamento antes inexistente dos
cangaceiros. Uma das primeiras coisas que podemos notar foi a forma cuidadosa
que passaram a ter em suas investidas nos assaltos e roubos, pois nenhum que
tinha mulher queria ser ferido ou morto. Outro ponto bastante positivo foi que
tornaram-se mais cuidadosos aumentando os tratos físicos individuais por
cuidarem mais de sua higiene pessoal.
VAMOS AO QUE
ESTÁ ESCRITO:
Quanto à
questão amorosa, tinham suas regras e muitas vezes eram aplicadas com rigor,
quando alguma mulher traia seu par. O exemplo do triângulo Zé
Baiano-Lídia-Bentevi pode ser visto como regra imperiosa para a união dos
cangaceiros.
Lídia é sempre
citada pelos historiadores como "muito fogosa" e a mais bela das
cangaceiras. Conta-se que em uma das ausências de Zé Baiano ela teve um namoro
com o cangaceiro Bentevi, e certo dia, os dois amavam-se no mato e
foram observados por Coqueiro, que esperou o amante afastar-se e assediou
Lídia, dizendo-lhe que se ela se negasse, ele contaria a Zé Baiano.
Ela recusou,
desafiando: "Podi contá. Mas ocê num mi comi!"
Quando Zé
Baiano voltou, Coqueiro contou-lhe o ocorrido, na frente de todo o bando. Lídia
enfrentou a situação com coragem e confirmou a aventura, dizendo que Coqueiro
estava despeitado.
Lampião ouviu
calado. Ao perceber a perfídia de Coqueiro, fez um sinal ao cangaceiro Gato,
que matou o delator com um tiro na testa. Zé Baiano — a informação é
cangaceiros sobreviventes — prendeu a moça para dar sua sentença no dia
seguinte.
Maria Bonita pediu
a Lampião para salvá-la, mas ele recusou: já tinha justiçado Coqueiro e Lídia
era problema de Zé Baiano. A história tem dois finais. Uns contam que Zé Baiano
matou a moça a tiros, chorando muito depois. Outros, que ele a matou a
cacetadas, começando por quebrar-lhe as pernas e os braços, até desfigurá-la.
Qualquer que
seja o epílogo, demonstra a dureza da justiça cangaceira e os novos
comportamentos do bando a partir da entrada das mulheres. Esse
"justiçamento" induzido pela infidelidade, em lugar de degenerar em
violência e desagregação do bando vai consolidar sua identidade cultural.
Significativo
é o desfecho do caso de Cristina e Português, chefe de um subgrupo de Lampião.
Ela o traiu com Gitirana, do grupo de Corisco. Matreiro e um tanto covarde, Português
não quis matar pessoalmente Gitirana. Mandou seu cabra Catingueira fazer o
"trabalho". Catingueira chegou ao coito de Corisco e chamou Gitirana
para um "particular". Corisco atalhou: "Boi do cu branco qué
matá meu rapaiz? Ocê num é homii pra atirá im rapaiz meu!"
Estava armado
o quiproquó. A gente de Português avançou, os dois bandos embalaram as armas.
Lampião e Maria Bonita olhavam de longe. Maria Bonita aproximou-se e deu uma
sugestão para resolver o impasse: matar a culpada, Cristina. Na narração de
Correa de Araujo, Corisco respondeu: "Ela deu u qui era dela. Ninguém tem
nada cum isso."
"É",
argumentou Maria Bonita, mais "Portugueis vai ficá desmoralizado."
"Ele qui
cuidi da muié deli. Du meu rapaiz cuido eu."
Lampião
foi o juiz. Decidiu que Corisco tinha razão. Era o cumprimento fiel da lei.
Serenaram os ânimos. Cristina abandonou Português e quis ficar no grupo de
Lampião. Foi recusada, pois era frívola e causaria disputas entre os homens.
Guardou-a uns
dias até que ela pudesse voltar para a casa dos seus pais. Na viagem foi morta:
Português "empreitou" sua morte com outros três cangaceiros. O trato
foi quebrado, mas Português achou um "casuísmo" para
justificar-se. Alegou que, viva, Cristina era um perigo. Seria pressionada pela
polícia e revelaria os esconderijos dos cangaceiros.
Entre outras
coisas, esses acontecimentos revelam algo importante: no cangaço. A sertaneja
conquista seu direito ao sexo. Corre riscos extremos em defesa de sua liberdade
sexual. Ao tornar-se bandida, luta por seus direitos, mesmo transgredindo as
regras do grupo e sabendo que morrerá. Nesse aspecto, a infidelidade não é
falta de caráter, mas o desafio — consciente ou não — às regras que a oprimem.
Maria de Pancada é um exemplo dessa "libido despertada". Pancada
pediu ao companheiro Balão para escoltá-la a um certo local. No caminho, ela
"teve vontade" e "cantou" o cabra. "Ocê é muito macho
nas brigada, mais eu quiria vê se tu é homi mesmo." Ele
refugou, ela provocou. Enfim, o inevitável. Uma vez não a satisfez, obrigou
Balão a "provar" mais duas vezes. É provável que mulheres liberadas,
descobrindo seu erotismo, aproveitassem a vida do cangaço para satisfazer seus
desejos. No entanto, não havia promiscuidade. As pessoas se respeitavam.
A fidelidade,
até hoje, é tabu inexorável da moral sexual do sertão. As circunstâncias do
cotidiano agudizavam ou amenizavam as transgressões. No cangaço criaram-se
novos hábitos necessários à segurança do bando. Por exemplo, a necessidade das
"viúvas" permanecerem no grupo. Quando o homem morria, não se pensava
em "devolver" a mulher à família. Isso significaria um perigo
constante: podiam ser presas e torturadas, revelando segredos. Permanecendo
"viúvas", causariam problemas: provocariam disputas, talvez promiscuidade
e até prostituição. A solução era "casá-las" o mais rápido possível,
de preferência com um amigo do cangaceiro morto.
Esta foi uma
norma do cangaço, com excelentes resultados coletivos e pessoais. O cangaço
favoreceu o prazer. O sertanejo é rude sexualmente, desinformado de técnicas
eróticas. A iminência da morte induzia a uma busca da felicidade máxima — viver
só vale a pena "gozando a vida". O sexo florescia, descobriam-se as
possibilidades do prazer, o ato sexual não era mais uma "obriga" do
casamento normal, quando a mulher "sujeitava-se" ao marido. Por estas
razões, apesar do perigo e das leis rigorosas do cangaço, as mulheres
cangaceiras realizaram uma verdadeira revolução feminista.
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