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domingo, 26 de janeiro de 2020

A VIDA RIBEIRINHA É BONITA E TRISTE

*Rangel Alves da Costa

Conhece a vida aquele que não vive de ilusões e sabe que pisa em espinhos, e sabe que nada é fácil de ser conseguido. Conhece a vida aquele que abre a porta ao amanhecer e não se deixa somente encantar, pois sabe da luta que tem e do nunca poder parar. Conhece a vida aquele que conhece a sua despensa e sabe que no guarda-comida não tem além de apenas um pouquinho do que necessita para o prato do dia.
Conhece a vida aquele que não finge, que não vai deixando pra lá e sofre os sofrimentos tão próprios do ser humano. A carestia em tudo, o remédio que sempre falta, a roupa rasgada e já tantas vezes remendada, a chinela nova pra menina, um calção pro menino, as coisas simples da vida e que são tão difíceis demais de serem conseguidas. O olhar de fora nem sempre avista o outro em sua realidade.
Quando imagina ter avistado em sua inteireza, quase sempre faz julgamentos errados ou distorcidos. Como num olhar antropológico, o outro precisa ser olhado por dentro, em sua realidade cotidiana, para que haja uma possível compreensão de suas carências e de sua importância no seu mundo. Digo assim para dizer que o povo ribeirinho de Curralinho, nas beiradas do Velho Chico no sergipano e sertanejo Poço Redondo, deveria ser olhado e, mais que isso, compreendido de outro modo.


O povo de Curralinho possui peculiaridades. O habitante de hoje é muito diferente daquele morador de outros tempos. Atualmente, quem chega naqueles beirais molhados do Opará sertanejo sequer imagina sua pujança no passado. Também não avista mais as grandes embarcações, as carrancas surgindo ao longe, nas curvas do rio, para afastar os maus espíritos das águas. Adiante, do alto das calçadas altas - e assim por que no passado as águas eram tantas que chegavam aos quintais -, apenas lançar o olhar para as saudades tantas de um tempo de efervescente viver.
Ora, Curralinho já foi rico, já foi o local mais progressista e promissor de Poço Redondo. Definhou quando o rio deixou de ser a principal via de transporte e de chegada e saída de mercadorias. Armazéns foram fechados, mercearias deixaram de existir, viajantes e comerciantes escassearam, portas residenciais foram fechadas, muitos curralienses simplesmente abandonaram o lugar. O que restou? Restou uma povoação quase parada no tempo e sobrevivendo das sombras passadas.
As recordações nas belas fachadas arquitetônicas, as calçadas mirando os silêncios do rio passando, as embarcações sonolentas ou adormecidas nas beiradas d’água, e pessoas em intensa luta pela sobrevivência. Foram golpes duros demais ao povo curraliense. Da riqueza ao pouco ter, de um rio antigamente piscoso a um leito magro e sem o pescado do dia a dia. Fazer o que? A verdade é que o povo ribeirinho não consegue mais sobreviver das águas do rio.
Um povo acostumado com surubim e tubarana, mas que hoje dificilmente enche uma cuia de piaba. Quando o homem passou a domar as águas do rio, enchendo o leito ou secando segundo as conveniências das barragens e hidrelétricas, então tudo se transformou como numa esmola do opressor ao oprimido, e este o verdadeiro dono de toda aquela vida. Sem o peixe, sem o comércio, sem empreendimentos que garantam emprego e renda, hoje Curralinho sobrevive de que?
Grande parte das famílias sobrevive apenas do que recebe dos programas sociais do governo. Os barraqueiros da venda de peixe comprado fora e de bebidas. Os barqueiros de um passeio com os visitantes ou de um transporte para locais próximos. As belezas do Velho Chico e das paisagens nunca foram devidamente exploradas para a efetiva melhoria da qualidade de vida da população. O turista ou visitante, infelizmente se interessa somente pelas beiradas d’água e sequer quer saber se ali existe uma comunidade, um povo. Tanto assim que as pessoas descem a ladeira, ultrapassam as esquinas e seguem logo para a proximidade das águas. Ali sentam, bebem e brincam, passeiam pelas margens, tomam banho, depois retornam sem conhecer nada da realidade local.


Precisam saber, pois, que Curralinho não é apenas um rio, não é apenas um leito de banho e uma mesa na proximidade das águas. Precisam saber que ali é lar de um povo, é a vida de um povo, e uma gente com história, com realidades alegres e tristes, com sonhos e esperanças. Que saiam das beiradas e subam nas calçadas, que caminhem pelas ruas, que conversem com o seu povo, que procurem ouvir para ajudar. Difícil, contudo, que assim aconteça. A maioria dos que ali chegam sequer procura conhecer a importância daquela primeira igreja encontrada no alto, em lugar vistoso.
E com isso finalizar dizendo que Antônio Conselheiro e seus seguidores, lá pelos idos de 1874, quando terminaram a reforma e abriram as portas daquela igrejinha, demonstraram maior admiração e respeito por Curralinho do que os visitantes de hoje.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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