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domingo, 20 de março de 2011

Juliana Ischiara no trem da História

           
            Polêmico, controverso e instigante, o cangaço continua vivo, mesmo após 72 anos da morte de Lampião. Se hoje não temos cangaceiros assolando o sertão nordestino, comandado pelo então Capitão Virgulino, hoje temos desbravadores como pesquisadores, estudiosos, colecionadores e demais interessados pela temática.
 
 O rei Lampião
 
             O cangaço conquistou um lugar tão importante na história, que hoje palmilhamos o nordeste seguindo suas pegadas em busca de compreender seus motivos, suas causas. Buscamos a compreensão dos pormenores da vida destes homens e mulheres que, ao mesmo tempo em que nos deixa estarrecidos pelas ações violentas, nos encanta pela sagacidade, pelo estilo de vida nômade, pela fortaleza de espírito e presteza.
             E é se aventurando nas suas trilhas que acabamos conhecendo mais o nordeste e um pouco mais sobre a vida daqueles que foram parte importante no universo do cangaço. Encanta-nos por os pés nos mesmos espaços onde eles pisaram, porém, também nos entristece ver tamanha devastação e desolação desses lugares que serviram de palco para dinâmica do cangaço.
            Recentemente passei uma semana visitando os lugares onde o bando de Lampião passou seus últimos dias. Confesso que, além do natural encantamento pelos espaços históricos, de imediato veio a decepção pelo estado de preservação destes cenários. Claro, não me refiro aos espaços naturais como a Grota do Angico ou o espaço onde se deu o combate de Maranduba, mas o que se encontra hoje em Sergipe, em especial Poço Redondo e Canindé de São Francisco, no que concerne ao cangaço.

Gota de Angico, lugar onde foi abatido Lampião      


              Em Poço Redondo encontra-se uma cidade que, apesar de pacata e acolhedora, comum às cidades do interior nordestino, encontra-se uma cidade que não valoriza ou explora a temática cangaço, apesar do município sediar o coito mais importante da história do cangaço, no caso a Grota do Angico, tendo sido, também, o município escolhido por Lampião para passar uma longa temporada, claro que ele não deveria prever que seria o lugar onde ele viveria seus últimos dias. 
            O fato é que em Poço Redondo encontra-se uma modesta praça com dois chapéus de cangaceiros forjados em ferro fazendo menção ao cangaço e um modesto prédio construído logo na entrada da cidade, que serviria de centro de artesanato e cultura, tendo como objetivo fazer menção ao cangaço, que se encontra fechado e, segundo algumas pessoas, nunca funcionou. Nada mais há na área urbana que diga respeito ao cangaço. 
            Na zona rural de Poço Redondo encontramos o alicerce da casa que pertenceu aos Nicácio, família das cangaceiras Áurea de Mané Moreno, Adelaide de Criança e Rosinha de Mariano, a casa era a sede da fazenda Maranduba, onde houve um dos maiores combates da história do cangaço e, segundo populares, a casa foi demolida sem motivo, apenas por acharem que a mesma não tinha nenhum importância. Cerca de uns 50 metros onde havia a casa, encontramos uma cruz de madeira, posta sobre uma cova funda onde foram sepultados os soldados da volante de Manoel Neto, que tombaram em combate com os cangaceiros, sendo que os corpos dos cangaceiros mortos no combate, não se sabe ao certo o local onde foram sepultados.
O cangaceiro Mané Moreno
 
O cangaceiro Mariano
 
            Neste mesmo perímetro, encontramos duas pias naturais, encravadas nas pedras. Tais pias têm cerca de dois metros de profundidade, segundo disse nosso guia. Vale ressaltar que a volante de Manoel Neto estava numa destas pias enchendo seus cantis, quando ouviram os cangaceiros conversarem embaixo dos umbuzeiros próximos. Estes umbuzeiros ainda estão vivos e frondosos.


Sargento Mané Neto
 
            Para se chegar ao campo onde houve o combate de Maranduba é necessário passarmos por entre dois arames farpados, posto não haver uma cancela de entrada. 
            Indo para o outro lado do município, chegamos à fazenda Logrador de Julio Felix, uma das vias de acesso à Grota do Angico. Seguindo este acesso, chega-se à fazenda Angico, que pertenceu ao pai de Pedro de Cândido e a Durval, coiteiros de Lampião, homens de confiança dos cangaceiros. Vale ressaltar que foi Pedro de Cândido que dedurou Lampião para o tenente João Bezerra. A sede da fazenda Angico fica nas margens do Rio São Francisco e a pouco mais de seiscentos metros da Grota do Angico.
Tenente João Bezerra

            Onde havia a sede da fazenda Logrador encontramos um imponente memorial do cangaço, em fase final de construção. Vale ressaltar que a casa que pertenceu a Julio Felix foi demolida e onde, no mesmo local, está sendo construída outra, em alvenaria, conservando-se a mesma planta. O memorial não está sendo construído pelo município, mas pelo governo do Estado.
 
Juliana Ischiara e Alcindo Alves da Costa
 
            Pela zona urbana de Poço Redondo podemos seguir para localidade de Curralinho, por uma pequena estrada de terra construída por Antonio Conselheiro, onde encontramos os restos de duas cruzes, sinalizando que ali, segundo nosso anfitrião Alcino Alves Costa, duas vidas foram ceifadas pelos cangaceiros Corisco e Mané Moreno, tendo como vítimas os soldados da polícia militar de Sergipe, Sissi (ou Cici) e Antonio Vicente.
Antonio Conselheiro
 
             No lugar onde estão as cruzes vemos algumas réplicas de partes de corpo humano talhadas em madeira onde o povo sertanejo, por ser extremamente religioso, costuma fazer promessas pedindo intervenção para a cura de seus males aos santos ou pessoas mortas de forma trágica, depositando em seus túmulos ou lugares onde morreram, o que eles chamam de milagres, réplicas talhadas em madeira, os ex-votos.
           Chegando a Curralinho encontramos um lugar naturalmente mágico, lindo, às margens do Velho Chico. Porém, as casas que antes pertenceram a um lugar de grande importância, até por ter sido uma espécie de porto de desembarque de mercadorias e pessoas que visitavam o lugar ou seus parentes, hoje se encontra em total estado de abandono com suas casas, antes imponentes em sinal da condição econômica dos que ali moravam, estão quase demolidas pelo tempo e pelo abandono.
 
 
Rio São Francisco
 
             Não se pode deixar de fazer uma comparação com a linda e maravilhosa cidade de Piranhas que fica a poucos quilômetros dali, na outra margem do Rio São Francisco, no estado de Alagoas, que preservou e preserva seu patrimônio cultural, impondo aos nossos olhos admirados por sua beleza a história de um povo. Poço Redondo parece que nega ou não dá o mínimo de importância ao seu sítio histórico.
 
Vista aérea da Usina de Xingó-Foto:Gilton Goes
Vista aérea da Usina de Xingó - Foto: Gilton Goes
            Vale ressaltar que em Curralinho, meio aos escombros das antigas casas que margeiam o velho Chico, encontra-se algumas casas modestas dos que ali ainda vivem. Nesta vila, vemos ainda uma casa bem estruturada, vizinha a igreja nova ou reformada que pertence a um comerciante de Poço Redondo e logo adiante, a casa de Frei Enoque, prefeito de Poço Redondo.
Frei Enoque - Prefeito de Poço Redondo

             Em Curralinho, vemos também uma linda igrejinha construída por Antonio Conselheiro, quando de sua passagem por ali. Como historiadora e pesquisadora, não pude deixar de me perguntar o porquê e o que leva um povo a não preservar e contar em seus livros de história, a importância de ter sido escolhida pelos dois líderes dos maiores fenômenos sociais do nordeste e porque não dizer do Brasil?

Poço Redondo  foto
.skyscrapercity
Poço Redondo foto .skyscrapercity

             Poço Redondo foi coito dos cangaceiros e passagem de Antonio Conselheiro e, mesmo assim, não explora culturalmente tais fatos de relevante valor histórico, não preserva, não dá importância. Cangaço e messianismo, bandidos e fanáticos, fico consternada diante de tanto descaso para com a história e pela formação histórica e cultural do nosso país.
Na casa do Sr. Elsinho. Ele me emprestou esta cartucheira com relíquias: munição intacta e cartuchos que foram utilizados no combate de Maranduba.
             Canindé de São Francisco, cidade vizinha a Poço Redondo. Como é comum a citação de Canindé de São Francisco nos livros sobre cangaço, pensei que lá encontraria as coisas em melhores condições. Ledo engano.
            Um banner gigante na entrada da cidade com a foto de Maria Bonita e três estátuas, uma de Lampião, uma de Maria Bonita e a terceira de um famoso vaqueiro da região, instaladas estratégicamente na entrada da cidade nova e na divisa dos estados de Sergipe e Alagoas, respectivamente, foram as únicas referências ao cangaço que lá encontramos. 
            A sede de Canindé de São Francisco divide-se em duas, uma antiga, às margens do São Francisco e a nova cidade de Canindé de São Francisco, que fica na parte alta do município, ligadas por uma bem cuidada rodovia que descortina uma belíssima paisagem do Rio São Francisco. 
            O que encontramos em Canindé de São Francisco foge a qualquer compreensão racional no que se refere a um fato em especial. Trata-se do antigo cemitério, que fica na cidade antiga de Canindé de São Francisco. 
            Vendo-o ao longe, decidi conhecê-lo. Encontrei-o em meio a um matagal, cercado por um arame farpado, graças à ajuda de um cidadão muito prestativo que se encontrava trabalhando próximo ao local e, ao entrar no cemitério a surpresa foi maior ainda ante o visível estado de abandono que, até então, eu não havia compreendido.
             Todos os túmulos haviam sido violados e onde existiam covas, hoje não há mais nada. A população resolveu, ao se mudar para cidade nova, levar consigo os restos mortais de seus entes queridos. Desenterraram os restos mortais e enterraram, em seus lugares, as suas histórias e os seus sentimentos. Eu realmente não compreendi, pois temos exemplos de cidades que foram cobertas por água após a construção de barragens e açudes de grande porte e a população, ao se mudar para as novas moradas, decidiram por respeitar a memória e o desejo de seus entes queridos, deixando-os em seu descanso eterno, mesmo que sob as águas.
 
Entrada de Canindé no sentido de quem vem pela capital sergipana

Piranhas
            Piranhas, uma cidade linda, encantadora. Parece uma lapinha sertaneja às margens do São Francisco. Os prédios, em sua grande maioria, estão conservados. As pessoas respiram história, cultura. Do artesanato às ruas limpas, da gentileza à consciência de um povo que respeita sua formação histórica e cultural. Para nós que pesquisamos e estudamos o fenômeno cangaço fica a pergunta: como pode municípios como Poço Redondo e Canindé de São Francisco, que estão ali, do outro lado do rio, há poucos quilômetros de Piranhas, ter uma concepção ou comportamento de preservação tão diferentes?
            Sabemos que as receitas dos municípios não são iguais, mas todos estão nas mesmas condições geográficas, às margens do São Francisco e Piranhas, que teve uma participação menor na história do cangaço, soube fazer desta pequena participação um grande feito, mantendo viva a história e o universo cangaceiro. Por outro lado, as duas cidades sergipanas, já referidas, relegam ao esquecimento fatos tão importantes, fatos estes vividos por quase dez anos por aqueles que deixaram suas vidas, até então pacatas, para fazer parte do fenômeno social mais complexo do nordeste, o cangaço.
            Ainda no município de Piranhas, encontramos em sua zona rural a fazenda Patos, com a casa do vaqueiro Domingos Ventura, onde Corisco assassinou pessoas inocentes por pensar ter sido eles os traidores de Lampião. Embora a casa esteja abandonada e aos poucos sendo demolida pelo tempo, ainda encontra-se em pé e, do lado, o curral de pedras, palco da crueldade de Corisco.

Antiga e abandonada casa de Domingos Ventura.

Juliana Ischiara
 Pesquisadora , Quixadá / CE
 

2 comentários:

  1. Juliana Ischiara:

    Não se preocupe, pois a única coisa que eu aumentei no seu trabalho foi a ilustração.

    Infelizmente não fiquei satisfeito, pois quando eu postei, aconteceu alguns erros na fonte.

    José Mendes Pereira

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  2. Caro Mendes, grata pela atenção de sempre. A postágem ficou excelente.

    Saudações Cangaceiras

    Juliana Ischiara

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