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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

QUERO SER UM INTELECTUAL NATALENSE

By: Rostand Medeiros
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EXTREMAMENTE REALISTA. VALE A PENA A LEITURA,,,
O escritor carioca Arthur Dapieve afirmou certa vez em crônica que preenchia vários requisitos que poderiam fazer dele um intelectual. Usava óculos, tinha livros publicados, era professor e careca. Fiquei pensando se eu poderia ser um intelectual também. Já publiquei uns livros, tenho meio grau de miopia e sofro de calvície faz tempo. “Só falta agora dar umas aulinhas”, pensei. Mas aí, um amigo mais experimentado me alertou. Em Natal, as regras são bem distintas. Para ser um intelectual natalense eu não precisaria ter nenhuma das características apontadas pelo cronista carioca. Adentrar na sociedade secreta da intelectualidade natalense é uma tarefa das mais complexas e exigiria de mim uma série de renúncias, além de total entrega.
Segundo esse meu amigo, minha primeira ação para me tornar um intelectual natalense seria nenhuma. Isso mesmo: nada. Um intelectual natalense que se preze é reconhecido pela completa inércia. Ele não tem tempo de ficar realizando coisas, trabalhando em prol da cultura, concretizando uma obra para dividir com os conterrâneos. Ele vive ocupado demais se lamentando pelos bares do Beco da Lama, enquanto toma uma meladinha e fala mal de quem surge em seu campo de visão.
É que o Intelectual Natalense é muito mais cerebral que proativo. É um artista que pensa e, por pensar demais, não age. Ele tem sempre as melhores ideias. Tudo de bom que as pessoas realizam, ele já tinha pensado antes. Quando algo dá errado, ele é aquele cara que diz “Eu avisei”. E depois complementa com um: “Se eu fosse fazer isso, seria de uma maneira diferente, muito melhor.”
O Intelectual Natalense reclama dos que fazem alguma coisa e critica vorazmente tudo o que é realizado na área cultural nessa terra de Poti (e de Novo Jornal). Acusa todos de incompetência, se diz vítima de perseguição e chora o fato de nunca ser lembrado, convidado, homenageado, elogiado e saudado.
Um paradoxo facilmente identificável nesse gênio da raça é que, ao mesmo tempo em que mantém um tom crítico e feroz ao comentar o trabalho alheio, demonstra completa inapetência quando é ele o alvo de críticas. Dono de singular intolerância a opiniões minimanente contrárias às suas ou reticentes com relação a sua obra, o Intelectual Natalense não aceita muito bem ser contrariado e parte para uma reação agressiva e infantil que, não raro, desencadeia ataques pessoais do mais alto grau de baixaria.
Ele tenta passar uma imagem de erudição, falando de livros que nunca leu (ou até leu, mas não tem certeza se entendeu) e filmes italianos que nunca viu (ou até viu, mas que elogia, não por ter gostado, mas porque pega bem dizer que gosta mais dos bangue-bangues italianos). Consegue sensibilizar alguns incautos que acabam convencidos que um artista brilhante como aquele mereceria um pouco mais de respeito e reconhecimento.
O Intelectual Natalense tem uma fixação por Câmara Cascudo. Sempre que quer provar uma tese, ele cita o nosso grande autor. Aliás, se utiliza de citações para exalar inteligência até nas conversas mais banais. Como a maioria dos potiguares nunca leu nem a capa de um livro de Cascudo (nem ele), fica fácil manter as aparências. “O grande Câmara Cascudo já dizia: ‘Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão’.” E as jovens universitárias com bolsa de crochê e broche do PSOL respondem: “OOOOH!”.
É fácil reconhecer um Intelectual Natalense em locais públicos. Ele mantém sempre um ar sério, circunspecto, ranzinza e mal-humorado. É aquele cineasta sem filmes, dramaturgo sem peças, poeta sem livros e pintor sem quadros que inicia 90% das frases dizendo: “Eu tenho um projeto…”. E termina se justificando: “…mas ninguém nunca se interessou.” De vez em quando, ele respira fundo, esquece do nojo que sente pelo resto da humanidade e profere algumas sentenças amargas à guiza de diálogo. Ele também tem na ponta da língua frases clássicas como “Natal não consagra nem desconsagra ninguém.” Ou ainda a trovinha: “Rio Grande do Norte,/ capital Natal;/em cada esquina um poeta,/ em cada rua um jornal.”
Se eu quiser me tornar um Intelectual Natalense devo parar imediatamente de publicar livros e começar a escrever poemas ou contos chatíssimos que versem sobre sertão, Boi Bumbá, folclore e a vida simples no interior. Caso eu lance um livro algum dia e, por um acaso, ele não vender nada, não devo reconhecer minha pobreza criativa. Intelectual Natalense não errra e, por isso, não faz mea culpa.
Devo sim botar a culpa nos outros: na mediocridade da população, na insignificância da cidade, na touperice dos jornalistas, na limitação intelectual dos escritores, no descaso das autoridades, na juventude que cultiva interesses menores, na queda da bolsa, na alta do dólar, no cartel dos postos de gasolina. Enfim, a responsabilidade pelo meu fracasso será de qualquer um, menos minha.
Um fracasso no lançamento de um livro, inclusive, será uma ótima oportunidade para arrumar briga com alguém. Pois essa é a maior diversão de um Intelectual Natalense. Como ele não produz nada, não constrói nada e não faz porra nenhuma que não seja criticar os que fazem, sobra-lhe muita energia para ser dispensada em arengas banais que ele transforma em disputas coléricas, embates épicos e duelos mortais. Por isso, preciso urgentemente arrumar um desafeto.
 
Carlos Fialho
Pronto. Quando eu preencher os requisitos, combinar uma boa dose de arrogância, incompetência, preguiça e despeito, poderei orgulhar-me de finalmente ser um Intelectual Natalense. Serei um homem realizado e convidarei todos vocês para tomar uma meladinha no Beco da Lama para comemorar. Na ocasião, falarei mal de todos os outros mortais que povoarem minha memória e acusarei a sociedade de desrespeito para com a minha magnânima pessoa por não me ter alçado ao posto supremo de Intelectual Natalense antes, uma vez que há muito mereço tal honraria.
Carlos Fialho
Fonte do texto e fotos – http://blogdofialho.wordpress.com/
Igualmente publicado em 7 de maio de 2011, em uma coluna do autor no “Novo Jornal,.

Extraído do blog "Tok de História" do historiógrafo Rostand Medeiros

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