O
PIOR CEGO
Cegueira é uma
incapacidade orgânica que impede parcial ou totalmente a visão. É a condição de
falta de percepção visual, devido a fatores fisiológicos ou neurológicos. É a
incapacidade orgânica de ver.
Mas também,
popularmente é tida como cegueira a falta de percepção ou de apreensão da
realidade, do significado das coisas ou acontecimentos; a falta ou perda de bom
senso, de lucidez, ou da capacidade de raciocinar, especialmente devido a
sentimento ou emoção intensos.
Do mesmo modo,
e mais usualmente ainda, cegueira significa ignorância, fanatismo, paixão
exacerbada, intensidade no afeto, obcecação, tudo que perde o sentido da
racionalidade para se fazer sem limites.
A cegueira,
vista sob o aspecto do forjamento do irreal, provoca situações tão conflitantes
que, na maioria das vezes, torna o indivíduo alheio à realidade e passivo de
ser reconhecido até como insano, completamente tomado de loucura diante do
absurdo que extasiantemente cria.
Haveria de se
indagar, então, por que uma pessoa tida como normal, de repente não consegue
enxergar aquilo que para os outros está tão claro. Ou, de outro modo, o porquê
de uma pessoa simplesmente não querer perceber determinada realidade naquilo
que está à sua frente, ao seu lado, no seu convívio.
Uma velha
estória serve como ilustração do dito acima. A casa foi construída e jamais
reformada. Um dia, debaixo de trovoada, as primeiras goteiras começaram a
surgir. E o dono da casa simplesmente ignorou. Passados alguns, ele percebeu
algumas pequenas rachaduras. Mas pequeninas, simplesmente ignorou.
Numa tarde de
vendaval, a casa chegou a estremecer. Mas o homem apenas olhou as estruturas no
dia seguinte e concluiu que tudo continuava sem perigo algum. Por ali passou
uma velha senhora e disse, quase que profeticamente, que do jeito que estava
nem precisava de trovada ou vendaval para tudo desabar, bastando que o dono
cismasse de bater com martelo um prego na parede. E disse ao homem que ou ele
saía da casa para fazer os reparos necessários ou era melhor esquecer seus
quadros e retratos.
Quando a
mulher saiu, raivoso com as observações, o homem bateu a porta com ignorância e
força. No mesmo instante ouviu um barulho estranho atrás, e mal teve tempo de
olhar para cima e ver parte do telhado desabando. Correu para o meio do tempo,
e da rua chorou feito criança ao ver tudo que tinha ficar debaixo de escombros.
Outra pequena
estória exemplar. O eleitor era tão fanático por um candidato, mas tão
apaixonado mesmo que aonde chegava vivia pregando suas virtudes, seu senso
humanista, seus gestos benevolentes, sua inatacável condição de pai dos pobres
e defensor dos oprimidos. E falava sobre planos, sobre o muito que iria fazer,
sobre as maravilhas do mundo nas mãos do seu candidato.
Mas aonde
chegava também encontrava alguém dizendo que muito cuidado com o que dizia e
defendia, pois se observasse desapaixonadamente, se tivesse mais um pouquinho
de atenção no seu deus candidato, logo saberia que o mesmo não passava de um
aproveitador e chegado à corrupção. Então era preciso que alguém segurasse o
fanático pra ele não aflorar todo tipo de violência.
Exemplos de
cegueira se alastram por todos os cantos e meios. Nos seios familiares, nas
instituições, e também nas religiões, seitas e crendices. A religiosidade impõe
tamanha cegueira que se abdica da divindade para o apego a ídolos e falsos
profetas. Despersonalizando totalmente o indivíduo, aos poucos o transforma num
mero objeto sem identidade e sem qualquer tipo de resistência. Então é a hora
em que o espertalhão, aquele que tem o olho aberto demais, começa a agir.
E se assim vão
os cegos tateando pelos seus mundos de ignorância, até que o abismo os acolha
dizendo que tem asas.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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