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domingo, 24 de março de 2013

SOBRE POMBOS, SOBRE A VIDA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)

Antes não era assim. Não havia pombos fazendo pouso defronte à minha calçada, caminhando pelo meio da rua nem voejando calmamente pelos arredores. Mas acabei descobrindo os motivos para que assim aconteça.

Do outro lado da rua mora um senhor que logo ao amanhecer espalha milho quebrado após a sua calçada. Vem com uma bolsinha à mão e joga duas porções de alimento para as aves que logo chegarão. Não sei onde ficam os pombais nem de qual norte despontam toda manhã. Só sei que vão surgindo.

Chegam uns quatro ou cinco, às vezes mais, e logo começam a ciscar pelo chão, bicando para recolher o alimento. Andam de lado a outro, correm, fazem pequenos voos, vêm para o outro lado da rua, para a minha calçada, e parecem nem se importar com a movimentação que já se intensifica. Olho cada um e fico refletindo uma porção de coisas.

No centro da cidade, não demora muito e os carros transitam velozes, pessoas se apressam para o trabalho e afazeres, bicicletas e motos passam em alta velocidade, barulhos terríveis se intensificam, e eles, os pombos, fazendo tudo para não serem enxotados. Como inevitavelmente irá ocorrer.

Diante da impossibilidade de disputar espaço com pessoas e veículos, vejo quando alçam voo e desaparecem. Olho para o chão asfaltado e sempre avisto restos do milho ali jogado. E fico imaginando o quanto, a cada dia, dói para os pombos ter de deixar parte de seu alimento no mesmo lugar.

Mas o voo alçado é momentâneo. Não demora muito e é possível avistar um ou outro pombo descendo rapidamente para uma bicada ligeira, já arriscando a vida ao lado de um pneu. Depois retorna para as alturas das residências e de lá fica espreitando outro momento oportuno para nova investida. E ficam assim praticamente o dia inteiro.


E tal cotidiano dos pombos se alimentando no meio da rua, suas disputas de espaço com pessoas e veículos, seus medos e temores, suas necessidades de estar sempre próximos ao alimento, me faz refletir sobre diversas possibilidades. O poeta romântico Raimundo Correia (As Pombas) comparou tais seres à existência humana e suas asas de voo sem poder retornar.

E os pombos poderiam servir como metáfora para visualização de diversos contextos, dentre os quais os relacionamentos, a solidão, o descaso e a impassibilidade do ser humano diante das pequenas, porém essenciais, coisas da vida. Contudo, prefiro ter os próprios pombos como exemplos diante da visão que as pessoas possuem dos mesmos.

Em primeiro lugar, pombos são aves discriminadas, rejeitadas socialmente, sempre tidas como nocivas e perigosas, pois comumente vistas como depositárias de alguns parasitas transmissores de doenças. Já outros não querem nem saber dos bichinhos por causa da sujeira que sempre fazem por onde passam. Tratam como praga urbana.

Ora, mas a grande maioria dos pássaros, aves e animais são depositários de parasitas, o que não os impede de ser adorados, apreciados e até criados como estimação. Galinhas, porcos, cachorros e gatos, só para citar alguns, são animais doentios e que podem trazer grandes problemas para um lar ou quintal.

Com relação à sujeira também. Os pássaros mantidos em cativeiro espalham alpiste por toda casa, os poleiros das aves são verdadeiros absurdos, os chiqueiros nem se fala. E por que tanta discriminação com os pombos? Não sei se um náufrago assaria na brasa uma pombinha, mas tenho certeza do amor devotado pelo velho que ao entardecer senta no banco da praça para jogar milho aos amigos que chegam.

Verdade é que o homem só valoriza aquilo que lhe dá proveito, serventia, lucratividade. Passarinho cantador vale muito dinheiro, galinhas e porcos são criados para comercialização. E tem gente que chega a beijar o focinho, vive abraçado às penas imundas. Mas se ouve falar em pombo logo se mostra enojado. Não conhece o seu valor, sua história, sua função sentimental para muitas pessoas.

O pombo já foi carteiro, já transportou mensagem de amor, de paz e de guerra; é o único visitante da velha estátua esquecida na praça; voa pelos jardins em busca de pessoas que necessitem de qualquer presença. Não canta maviosamente, mas fica ao lado fazendo companhia aos que nem a beleza do entardecer afasta a solidão e a tristeza. Simboliza a paz.

Que se erga, então, uma ode à ave símbolo da solidão humana, pois tão rejeitada e abandonada como pessoas e corações: Ave do dia, mas à noite esvoaça do pombal para alentar minha dor, minha agonia. Tua presença, ainda que na escuridão, é de conforto na amorosa solidão...

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
  
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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