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quinta-feira, 18 de julho de 2013

CANTIGA DE CATINGUEIRA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

CANTIGA DE CATINGUEIRA

No meio do sertão, a árvore que é o seu coração, simbolizando a devoção do homem pela paisagem, do sertanejo e seu rincão. Tão seca numa estação, numa magrez de então, para florar adiante, e que bela floração.

Por isso canto a catingueira fincada no meu coração, pois também nasci na terra onde ela mostra a feição, cabocla por natureza, reinando na região, vencendo seca e estiagem, firme no seu torrão.

Arbusto preferido por Lampião, que no seu tronco dobrado traçava plano de ação, cochilava sem dormir e fazia sua oração. E junto com seu bando saía entrecortando o sertão, na curva da catingueira, na folha miúda de tanto desvão.

Certa feita o Capitão, cansado da imensidão, encontrou a catingueira e lhe fez a confissão. Disse que era tronco se curvando sem perdão, depois de tanto florar chegava à última estação, e não ia muito tempo se findaria no chão.


Canto a catingueira, arvoredo de mataria e ribeira, testemunha daquela vida bandoleira, leito bom de dormideira, amiga da umburana e também da aroeira. Esguia, mas altaneira, de galhagem fina e tão brejeira.

Catingueira de entardecer sertanejo, um véu causando lampejo, nos olhos um imenso desejo de repetir o versejo, uma cantiga de realejo na saudade que marejo. A vida com seu traquejo, debaixo da catingueira a felicidade que almejo.

Catingueira testemunhando o vaqueiro galopando, a bicharada berrando, a vida vaqueira passando, a poeira esvoaçando. Canto de aboio aboiando, a poesia se declarando, vaqueiro e boiada se enlaçando na curva que vai poeirando.

Testemunho vivo de uma história passada, de caminho e jornada, de uma vida ao redor, de gente na empreitada. Rodeando a catingueira, seguindo pela estrada, levando no ombro a foice, enxadeco e enxada, um viver de tanta luta, uma esperança avençada.

Catingueira que tem ninho, ninhada de passarinho, bicho que chega sozinho pra ficar um bocadinho e vai construindo a casa. E num canto escondidinho, aos poucos e devagarzinho coloca pena e graveto, um pouco e um tantinho, do conforto o caminho, o ninho do passarinho.
Catingueira que chorou quando o sertão esturricou, todo passarinho voou, o bicho desfigurou numa tristeza que só, com a seca que chegou e logo se alastrou. Perdeu galhagem e folha, o corpo todo secou, tanta agonia e tanto dor com a notícia que chegou. Com a seca duradoura perdeu tudo quem plantou, quem ainda tinha água de repente enlameou.

Catingueira sentiu, catingueira chorou, e tanto lacrimejar sua seiva derramou, ficou ossuda e doente, por pouco não se curvou. Quase vem a morte certa, como muitos derrubou, num sofrimento terrível, num grito que ecoou implorando chuvarada, dizendo aqui estou pronta para morrer, pois o sertão também sou.

No seu tronco viu amarrado bicho valente e gente, num mundaréu descontente, de luta a mais temente, mas também de covardia, injustiça tão inclemente. Sentiu escorrer sangue ardente, cena tão deprimente que sentiu aquela dor sentida e que não se sente. Não podia fazer nada, pois violência de gente por cima de inocente.

Mais dia e menos dia, quando o sol mais que ardia, o viajante em correria chegava em agonia. Deitava no sombreado, no descanso que queria, contava folha por folha e logo adormecia. Sonhava um sonho bom, diferente do que vivia, e despertava num susto e logo adiante seguia.


Catingueira tão amiga da vida de Lampião, ouvindo segredo do bando e de todo o sertão, conhecendo o passo e o destino do Capitão. Um povo apressado, não ficava muito não, qualquer barulho ao redor e a arma já na mão, em tudo a desconfiança, em tudo a afobação. Vamo embora, vamo embora, e sumia pelo mundão.

Catingueira que um dia sentiu a maior alegria ao conhecer o amor, coisa que nem sabia. Um rapazote chegou e viu que ele escrevia com canivete no tronco o nome de uma Maria. Dentro de um coração a palavra tão poesia, o nome de seu amor, aquela que mais queria. Ainda hoje no tronco está o amor que existia.

Catingueira envelhecida, muita estrada percorrida. Sabe que morre um dia, que vai dar adeus à vida, mas não quer morrer matada por uma arma enxerida, uma serra ou um facão, nada que lhe abra ferida, bastando ser pela idade, pela velhice sentida.

Depois de um entardecer, deitará o tronco na sua terra querida. Silêncio da catingueira, sem adeus nem despedida.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo10:08:00

    Nobre Professor MENDES: Acabo de postar no blog do Professor Ragel, que, ele e você - positivamente estão me "obrigando" a tornar-me pesquisador. É uma motivação de grande importância.
    Após o seu email de hoje, encontrei na realidade algumas participações do pesquisador e médico Leandro Cardoso - sempre ativo. Contudo, gostaria que o doutor Leandro publicasse mais e mais artigos sobre o cangaço e mesmo, na área da Medicina - profissão por ele desempenhada.
    Outra coisa: Quando você encontrar erros de português na minha redação, pode me chamar atenção, como professor que o é, logo que a minha área preferida é a Psicanálise. Não sou professor de português. Muito grato, Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha-Ba.

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