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quarta-feira, 18 de setembro de 2013

MOSSORÓ, TERRA DA RESISTÊNCIA: os mecanismos discursivo-argumentativos da notícia nos jornais impressos em 1927 - Parte I

Por: Ana Shirley de Vasconcelos Oliveira Evangelista Amorim

(Departamento de Estudos da Linguagem - UFRN)

Esta pesquisa tem como objetivo investigar o processo discursivo de construção da linguagem em uso na esfera jornalística, a fim de perceber como o gênero notícia é constituído nesse campo de atividade social, bem como analisar os processos argumentativos que estruturam os discursos escritos sobre o episódio da resistência ao bando de Lampião em Mossoró no ano de 1927. O corpus da pesquisa é constituído pelo noticiário da época veiculado nos jornais impressos Correio do povo e O Nordeste, ambos de Mossoró/RN. A análise dos textos teve como suporte teórico a Análise do Discurso; A Teoria da Argumentação e os estudos sobre Gêneros do Discurso. Metodologicamente, esta é uma pesquisa de cunho documental, uma vez que faz uso essencialmente do documento escrito. No que tange à natureza dos dados, a pesquisa caracteriza-se como qualitativa, de base interpretativista. As análises revelaram-nos o modo como foi realizada a abordagem do episódio na construção discursiva do texto midiático. Na análise, consideramos as técnicas argumentativas adotadas na defesa da tese, os efeitos de sentido sugeridos e o gênero abordado, o que nos revelou a maneira como o episódio foi veiculado pelos jornais. Assim sendo, a construção discursiva aponta determinados padrões de repetição, visto que o contexto linguístico caracteriza-se no campo jornalístico por assumir, em primeira instância, uma expressão local.
Palavras-chave: Resistência. Notícia. Técnicas argumentativas. Produção de sentido.

1. Considerações iniciais

A presente discussão é parte de um estudo mais amplo, realizado no mestrado, no qual examinamos a literatura de cordel, enquanto exemplo de jornalismo por ser considerada uma das primeiras manifestações de jornal impresso a que o homem teve acesso, visto que “atuam como jornal do sertão, líder de opiniões, interpretador dos acontecimentos do país e do mundo” (CAMPOS, s.d, p.22). Admitimos, desse modo, que tal gênero configura-se em valiosas fontes de pesquisa, de informações de interesse histórico, etnográfico, linguístico e sociológico.

Propomos, para este momento, uma leitura dos discursos subjacentes ao episódio de Lampião em Mossoró no ano de 1927. Sendo assim, nosso estudo tem como objetivo investigar as relações interdiscursivas no processo de construção da linguagem em uso na esfera jornalística, a fim de perceber como o gênero notícia é constituído nesse campo de atividade social, bem como, analisar os processos argumentativos que estruturam os discursos escritos sobre o episódio da resistência ao bando de cangaceiros.
Por conseguinte, considerando que a concepção dos gêneros do discurso defendida por Bakhtin, implica em conceber as diferentes esferas sociais como critério para a organização desses gêneros, tendo em vista que cada esfera de utilização da língua “elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados (BAKHTIN, 2000, p.279)”, direcionamos nossas reflexões acerca do enquadre dado à notícia na perspectiva discursiva da memória sócio-histórica construída nos jornais a partir de valores ideológicos (político, econômico, religioso) que passam a ser elemento fundamental na constituição da imagem da resistência.

Para tanto, adotamos como universo de investigação o noticiário da época veiculado nos jornais impressos Correio do povo e O Nordeste, ambos de Mossoró/RN. Conforme acontece em toda pesquisa, as delimitações do objeto, dos objetivos e de outros aspectos que estão relacionados a essa moldura de produção científica foram se tornando imprescindíveis. As questões que se ressaltavam nos discursos produzidos e circulantes nos jornais nos conduziram à procura de aportes teóricos que pudessem dar conta delas. Logo atentamos para a necessidade de articular diferentes áreas do conhecimento a fim de realizar uma apreciação do Corpus.

A análise dos textos teve como suporte teórico, dentre os diversos paradigmas de pesquisa, a triangulação dos pressupostos da Análise do Discurso Francesa (AD), com o eixo paradigmático da Teoria da Argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), tomamos como fundamento de análise: o conceito de argumentação e as técnicas argumentativas presentes no discurso com o intuito de aumentar a adesão do auditório à tese defendida pelo orador. Além dos estudos sobre Gêneros do Discurso, no qual priorizamos o olhar bakhtiniano (2000), pois enseja uma melhor compreensão nas respostas às questões de pesquisa.

Admitindo que a concepção da linguagem como prática social constitui o eixo norteador da nossa análise, tornou-se imperativo o desenvolvimento de uma metodologia de cunho qualitativo e base interpretativista, tendo em vista que a pesquisa qualitativa trabalha com “o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 1995, p. 21-22).

E interpretativista, pois trabalhamos com os múltiplos significados que perpassam os enunciados produzidos pelos poemas e jornais sobre a(s) realidade(s) do episódio. Assim, Moita Lopes (1994, p. 331) entende que “o significado não é o resultado da intenção individual, mas de inteligibilidade interindividual”, ou seja, o significado é construído socialmente.

Sequenciando o processo de construção, seleção e delimitação do Corpus, a nossa investigação configura-se como um estudo do tipo arquivista, pois seu universo de análise é formado a partir de um conjunto de documentos relacionados a um assunto. Entendemos que sejam documentos escritos “quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento humano” (LUDKE, 1986, p.38).

Nessa condição, compreendemos os jornais impressos enquanto atos de fala que ecoam vozes sociais, produzindo discursos, e consequentemente, efeitos de sentidos sobre inúmeros acontecimentos do mundo real.

2. A produção de sentidos na notícia jornalística

Desde os gregos, uma preocupação constante que persegue a mente humana, é a indagação que atravessa gerações sobre o nosso acesso à realidade e pelos modos de construção do conhecimento. Em outros termos: como aprendemos e apreendemos algo como sendo algo? De acordo com Marcuschi (2007, p. 82), as soluções encontradas variaram imensamente, desde os sofistas, para os quais era impossível o conhecimento, até os nossos dias, quando se postula que a ação comunicativa é uma das bases para a construção do conhecimento e produção de sentido. A construção do conhecimento é, essencialmente, uma produção discursiva.

Nessa perspectiva, o texto, mais precisamente, o discurso jornalístico, em especial, o noticioso, vem permanecendo mais que nunca na agenda de análises linguísticas, sociológicas, etnográficas e de estudiosos dos fenômenos midiáticos que têm procurado, em diferentes épocas, definir precisamente o que é notícia, e seu grau de influência na sociedade.

O discurso midiático revela-se „ilusoriamente‟ como neutro e objetivo, assumindo uma posição de realidade completa e absoluta, livre de subjetivações, procurando enfatizar os relatos dos acontecimentos por uma única lente, dessa maneira, estabelecer um sentido único, hegemônico. Dessa forma, a notícia jornalística quase sempre é compreendida como um texto expositivo no qual os fatos se apresentam por ordem de relevância.

Todavia, apesar da comunidade jornalística partir da importância dos fatos que devem alcançar seus leitores e/ou ouvintes, e consequentemente, definir o grau de noticiabilidade com base em critérios de valoração capazes de catalisar a atenção do público, a notícia, não deve ser pensada apenas como um conjunto de informações explícitas na materialidade linguística do texto, mas como um espaço necessário para a articulação discursiva, a fim de empreender os sentidos edificados sem se deter a aspectos puramente estruturais. Nesse sentido, é preciso ultrapassar os limites textuais e considerar os fenômenos contextuais, sociais e ideológicos imprescindíveis e reveladores da construção semântica do texto jornalístico, o que implica dizer, segundo Gomes (2007, p. 7), “que o discurso da mídia revela particularidades que estão além da notícia”.

Nessa ótica, a palavra assume papel primordial, pois é a partir dela que o sujeito se constitui e é constituído. Essa, compreendida como signo ideológico é parte integrante de uma realidade seja ela social ou não. Com isso, a palavra, em situação de uso, é um espaço de produção de sentido. Dela emergem as significações que, consequentemente, se fazem no espaço criado pelos interlocutores em um contexto sócio-histórico dado. Por ser espaço gerador de sentido, controla e é controlada, por meio dos mecanismos sociais.

A palavra está imersa numa situação social determinada e carrega consigo conteúdos e sentidos ideológicos subjetivos. Diante disso, há o que chamamos de determinismo social, ou seja, dependendo do interlocutor, da situação de uso, o falante determina qual a melhor palavra a ser utilizada.
Como afirma Bakhtin (1981 p. 113), as palavras que se pronunciam ou são inscritas numa materialidade linguística, são verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais e produzem reações de ressonâncias ideológicas.

O autor, em seus estudos, observa que as palavras penetram literalmente em todas as relações entre os indivíduos. Elas são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais, em todos os domínios. Para ele, nesse aspecto, a palavra constitui o indicador mais sensível de todas as transformações sociais. “Realizando-se no processo da relação social, todo signo ideológico e, portanto, também signo linguístico, vê-se marcado pelo horizonte social de uma época e de um grupo social determinados” (BAKHTIN, 1988, p. 113).

Com base nesse entendimento, percebemos que quando o sujeito narrador prioriza relatar uma coisa „x‟ ao invés de „y‟ ele conscientemente vê, à maneira de Bakhtin, a palavra como algo que mostra e oculta, que veste e ao mesmo tempo desnuda algo. Comungando com essa reflexão Stella (2010) examina além da capacidade de funcionamento e circulação da palavra como signo ideológico, em toda e qualquer esfera, a neutralidade da palavra no sentido de que recebe determinada carga significativa a cada momento de sua utilização.


É possível, portanto, entender que a palavra adquirida no meio sócio-institucional e internalizada pelo sujeito, retorna ao seio da sociedade por processos de interação, porém, numa forma diferenciada, alterada. Apresenta marcas ideológicas que denunciam as suas condições de produção, em razão de elementos sociais e históricos, pelas quais perpassam tanto os sujeitos envolvidos quanto as próprias palavras. Entretanto, somente ao acontecimento enunciativo será atribuído sentido, e as palavras, assim produzidas, carregarão valores.

Ana Shirley de Vasconcelos Oliveira Evangelista Amorim

CONTINUA...

Enviado pelo pesquisador José Edilson de Albuquerque Guimarães Segundo

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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