Por João de Sousa Lima
Cabocla
contando a João sobre sua amizade com Lampião
Conheci Cabocla em dezembro de 1999, ela
foi uma das minhas grandes descobertas para falar da passagem de Lampião por Paulo Afonso. pude entender através de Cabocla os pontos percorridos, os coitos visitados, alguns costumes, detalhes
de cangaceiros, gostos, estratégias e conhecer um pouco da rede de proteção
para a sobrevivência do cangaço no que abrange a região de Paulo Afonso e o Raso da Catarina.
Dona Cabocla
Firmino Maria da Conceição nasceu em 1905,
no povoado “Poços”, uma das fazendas que se situava às margens do Raso da Catarina,e foi incluída por Lampião nos seus trajetos como rota secreta e
segura, favorecendo sua passagem em direção aos povoados Malhada da Caiçara, São José, Santo Antônio, Várzea, Riacho e todo o Estado sergipano.
O primeiro
filho de Firmina acabara de nascer no meio daquele mundo inóspito e primitivo,
tendo por testemunha apenas a população resumida de cinco famílias simples. presente
naquele momento de perpetuação da vida estava o sogro Faustino, Dona Clara, Batista, Maria de Zeca e Zé Antônio. Cabocla completou quinze dias de resguardo
e como de costume acordou cedo e foi fazer a visita matinal na casa da amiga Clara. o que aquela manhã havia lhe reservado de surpresa a acompanharia pelo
resto da vida. na sala da residência de Dona Clara, Cabocla parou extasiada
diante do que seus olhos contemplaram.
Muitas vezes ouvira falar de Lampião,
porém, jamais imaginaria ficar diante daquela figura real. Uma voz que mais
parecia o som de um trovão quebrou o silêncio que se abatera naquele cubículo
abarrotado de cangaceiros:
- Tá cum medo?
Diante de toda
expectativa a resposta saiu:
- Não!
- Você sabe cunziar?
- Sei!
Com este
pequeno diálogo começaria uma grande amizade entre Cabocla e Lampião. Neste dia Cabocla preparou um verdadeiro banquete para os cangaceiros.
Cabocla é bem cuidada por suas
filhas e netas
Os Poços
passariam a ser um dos principais esconderijos do rei do cangaço. os coitos que
cercavam os Poços e foram utilizados pelos cangaceiros onde permaneciam por
dias e dias arranchados, foram: Saco da Palha, Sítio do Sabino, Malhada Bonita, Quixabeira e Serrotinho.
No princípio Cabocla não contou aos pais do encontro que tivera com Lampião.
Como as
visitas de Lampião foram ficando muito frequentes Cabocla teve que pedir ajuda
a amiga Lúcia de Sabino, para ajudá-la a cozinhar. Depois Lúcia se encarregou da
cozinha e Cabocla da lavagem das roupas, uma árdua tarefa, tendo em vista que
as roupas eram lavadas na casa dos pais, no povoado São José e eram escondidas
por causa do forte cheiro que ficava, pela quantidade de perfume que os
cangaceiros usavam. Cabocla tinha que adentrar alguns metros no mato, temendo
ser descoberta pelas volantes policiais. A lavagem, às vezes era feita durante a
noite, tornando a tarefa ainda mais penosa. Sem contar que o sabão era
fabricado pela própria lavadeira em um processo milenar: Cabocla queimava a
lenha, pegava a cinza e molhava, deixando-a de molho por três dias, depois
destilava e misturava com o sebo de boi. A constante fabricação, através da
fumaça que se formava, afetou a visão de Cabocla pro resto da vida.
O sr. Dionísio, do povoado São José, era quem fazia o contato entre Lampião e Cabocla. Assim que o rei do cangaço chegava a um dos coitos dos Poços Cabocla
era logo avisada.
Dos Poços uma
das cunhadas de Cabocla, se apaixonou pelo famoso cangaceiro Mariano Laurindo Granja, um dos homens de confiança de Lampião.
Otília Maria
de Jesus era filha do velho Faustino e resolveu acompanhar seu grande amor
passando a chamar-se Oília de Mariano. Os Poços jamais seriam o mesmo depois
que Otília passou a ser cangaceira, Lampião perdia aí um dos mais famosos
coitos da região de Paulo Afonso.
Agora em Fevereiro de 2014 fiquei surpreso ao saber que Cabocla ainda estava viva aos
109 anos de idade. Imediatamente lhe fiz uma visita. por incrível que pareça,
ela lembrou minha pessoa.
Encontra-se
lúcida, recordando fatos, lembrando momentos vividos e perpetuados em sua
memória, fatos esses envolvendo as histórias de Lampião e seus diversos grupos
de cangaceiros. Firmina Cabocla é um capitulo vivo desses momentos.
João de Sousa Lima
historiador e
escritor
Paulo Afonso, Bahia, madrugada de 25 de Fevereiro de 2014.
Obs - O Jornal Folha Sertaneja postou essa matéria tanto impressa como on line, na edição 121, Março de 2014.
Enviado pelo o escritor e pesquisador do cangaço João de Sousa Lima.
http://www.joaodesousalima.com/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Excelente matéria caro pesquisador Mendes, esta produzida pelo escritor João de Sousa Lima. É como sempre afirmo, a experiência do escritor João, e a sua dedicação proporciona muito conhecimento aos neo-pesquisadores (?) da saga do cangaço, que tanto precisam (ou precisamos) de importantes textos como este que se refere a dona Cabocla. Parabéns escritor João e pesquisador Mendes por mais uma informação de grande importância.
ResponderExcluirAntonio Oliveira - Serrinha