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quinta-feira, 8 de maio de 2014

O MEDO QUE O MEDO DÁ

Por Rangel Alves da Costa*

O medo é uma coisa terrível, assustadora, desesperadora demais só em pensar. Causa pânico, pavor, nervosismo, ataques. Medo da noite e dos seus mistérios, medo da morte, medo da perda, medo de passar novamente pela mesma terrível situação, medo porque fez o que não deveria fazer. Tudo é medo e tudo dá medo.

Segundo os livros, medo é uma reação física ou mental que estimula alerta no organismo diante da possibilidade de enfrentamento de determinadas situações; é a perturbação resultante da ideia de um perigo real ou aparente ou da presença de alguma coisa estranha ou perigosa; é o sentimento inquietante que se tem diante de perigo ou ameaça. Pavor, terror, fobia, receio, ansiedade, pânico. Tudo é medo.

O susto, por mais que apavore, é mera consequencia do medo. Do mesmo modo o desequilíbrio, a incerteza, o grito, o silêncio sepulcral. Cortar a noite escura na solidão, por veredas incertas e cheias de labirintos, por mais que os olhos apavorantes ou os tentáculos afiados não existam ao redor da moita, ainda assim o medo já dá existência aos seres estranhos escondidos.

O medo possui feições tão cotidianas que as pessoas vivem amedrontadas sem saber. Desses fatores apavorantes, o medo da tristeza, da dor e do sofrimento é um dos mais terríveis. Não é difícil perceber pessoas afirmando que não gostam de estar alegres demais para que mais tarde a tristeza não chegue. Então deixam de viver suas alegrias por achar que a medida da vida é a lei do inverso.

E geralmente acontece assim mesmo porque o medo de acontecer o pior mais tarde já predispõe o espírito agora. Por isso o benzimento diante do inusitado, do temido, do desconhecido. Por isso o pavor de passar embaixo de escada, de não entrar com o pé direito em qualquer lugar, de vestir a roupa pelo avesso, de cumprimentar com a mão esquerda, de ser esconjurado pelo inimigo, de ser amaldiçoado pelos mais velhos.


Tem gente que tem medo da chuva, medo de avião, medo do doido, medo da língua do povo, medo que um vento ruim entre pela sua boca aberta. Vai estuporar se tomar ou comer coisa quente e tomar banho, se molhar ou sair pro sereno; vai morrer quem tomar água da primeira chuva; vai ter azar pelo resto da vida quem tiver um gato preto cortando seu caminho. Como se vê, tudo é medo.

Tem gente que não dorme com medo de não acordar, pessoa que não namora por medo de se apaixonar, indivíduo que não come pra não engordar. A zinha tem medo que o povo descubra que está traindo o marido, este tem medo de ser chifrado; aquela tem medo de engravidar porque zombou de um aleijado e dizem que o filho de quem age assim nasce com o mesmo problema.

E essa lua bonita, tão cheia e tão volumosa, por que causará tanto medo? E esse sol brilhoso, todo irradiante e iluminado, por que causará tanto temor? Basta perguntar ao doido que teme a noite de lua cheia, que teme o seu juízo ruim querer ser tomado pela espada de São Jorge. Que pergunte ao sertanejo que tem o sol escaldante como maior ameaça de sua existência.

Estranhamente, todo mundo tem medo do fogo feroz e escaldante, mas continua somando pecados. Porque ninguém tem mais medo de não seguir os conselhos dos pais, de infringir os preceitos bíblicos, de fazer o que antigamente seria impensável fazer. Quem tem medo do juízo final se a vida só se completa no pecado mortal?

Ainda bem que tudo está iluminado. Tenho medo do escuro e mais ainda do bicho-papão que mora debaixo da cama. Mas também tenho medo que ele saia da minha vida, da minha imaginação, pois tenho medo de perder para sempre um pouquinho de criança que ainda dorme e vive comigo.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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