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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

CAJUARÁ, O GRANDE ABENÇOADO

Por Rangel Alves da Costa*

Cabe a você acreditar ou não, mas dizem que um turista português, após fotografar a Catedral Metropolitana de Aracaju de todos os ângulos, adentrou no templo para fazer outros registros, apreciar as imagens sacras, as pinturas, os aspectos arquitetônicos e logicamente obter algumas informações históricas. Estava fotografando numa das laterais quando foi passando uma beata já muito envelhecida, andando com ajuda de uma bengala e com um livro de rezas na outra mão.

Diante do turista maravilhado, a beata cumprimentou-o com um sorriso e depois disse: “Bonita, não é?”. E o homem do Porto prontamente respondeu: “Sim, muita bonita essa catedral, mas de arquitetura um tanto indefinida, vez que ao longe nos parece um estilo neoclássico ou mesmo gótico, mas a aproximação nos revela que as formas foram, na sua maioria, pintadas com nuances de relevo para dar impressão de verdadeiras intervenções arquitetônicas. Mas não deixa de ser belíssima...”.

“Mas isso não é nada. Na época que foi construída não dava mesmo para copiar um estilo europeu, vez que os europeus aqui chegaram muito tempo depois de ter sido erguida”, acrescentou a beata. Surpreso com a informação, o turista disse que não estava entendendo o fato de a catedral haver sido erguida antes mesmo da chegada dos europeus. Então a informante ajuntou: “Isso mesmo, pode acreditar. Quando os europeus aqui chegaram se arvorando de descobrimento, essa catedral, essa mesma que agora você admira, já havia sido construída há no mínimo cem anos. Quer dizer, esse templo foi levantado, com esse mesmo tamanho que tem hoje, por volta do ano 1400. Um pouco menos do que isso...”.

O português arregalou os olhos, espantado com o relato da velhinha. Mas esta continuou: “Essa catedral foi construída a mando do deus Acaragipe, que era a entidade superior do povo Seragipe, uma tribo indígena que habitava as margens dessa região desde os tempos imemoriais. Por ordem do grande abençoado Cajuará, que depois se tornou o primeiro pregador desse templo, a tribo inteira trabalhou noite e dia para levantar tudo isso que agora você fotografa. Portanto, quando os europeus aqui chegaram em 1500, desde mais de cem anos que o povo Seragipe já tinha sua catedral e tendo como pregador o grande abençoado Cajuará. Que, aliás, pregou naquele altar por mais de quatrocentos anos...”.


“Quatrocentos anos? Com mil perdões, mas a senhora quis dizer que alguém pregou naquele altar durante mais de quatrocentos anos? Desculpe-me, mas creio que a senhora deve estar equivocada, pois impossível que isso tenha acontecido, pois no mundo dos homens a pessoa não chega nem a cento e cinquenta anos, e a senhora agora informa que o grande abençoado Cajuará pregou por mais de quatrocentos anos. E quantos anos ele viveu?”.

“Tenho certeza que mais de quinhentos anos. E digo com certeza porque o conheci, e desde sua juventude...”. A beata não conseguiu prosseguir porque o turista, completamente espantado com mais aquela revelação absurda, tirou-lhe a palavra da boca para dizer: “Então a senhora quer dizer que conheceu o grande abençoado que viveu mais de quinhentos anos, então quantos anos deve carregar esse velho corpo?”.

E a beata informante não deixou o português sem resposta: “Quantos anos acha que devo ter? Mas isso não importa agora, pois falaremos disso depois, mas a verdade é que, e lembro como se fosse hoje, o grande Cajuará partiu dessa pra melhor, ainda com feição de jovem, após terminar a celebração do Ara-pagaio, que era a data mais importante da religiosidade Seragipe. Coitado, morreu após uma visão que teve ao sair naquela porta principal. Assim que colocou o pé do lado de fora viu diante de si uma coisa terrível: Um rio de sangue levando um povo indígena comandado por um tal de Cacique Serigy, todos massacrados pelas bestialidades de uns homens brancos que vinha atrás em vorazes embarcações. Depois disso, dessa terrível visão, o grande abençoado Cajuará foi afinando, afinando, até se transformar numa frágil chama de vela. E que situação difícil depois para o seu povo, pois...”.

“Pois o que? Já que chegou até aí diga logo, termine logo essa história sem pé nem cabeça”, foi o que conseguiu dizer o apalermado portuga. E a velha beata continuou: “Aflição do povo Seragipe porque o seu líder implorava que alguém soprasse logo aquela chama fraquinha de vela. Só que bastava um sopro e o grande abençoado morreria de vez. Por isso mesmo ninguém queria dar aquele sopro e levar para o resto da vida o remorso do acontecido. Mas, enfim, a mim coube dar um desfecho final àquela nobre vida...”. “Mas a senhora matou o homem, matou o grande abençoado?”, indagou quase aos gritos o assustado turista. “Não, pois apenas abri a janela para o vento entrar. E o vento soprou, apagou a chama, apagou a vida...”.

A beata lacrimejou ao relatar tal desfecho. O coitado do portuga, sem saber o que fazer, tencionou apenas se despedir da velhinha e correr para tomar um ar fresco na Praça Teófilo Dantas. Precisava fazer isso, pois aquela história o havia transtornado. Mas antes mesmo que se despedisse viu que alguém lhe acenava ao lado. Era outra velhinha. Imediatamente foi saber o que desejava. Então a mulher segredou-lhe: “Se Dona Ará lhe contou algo sobre a construção dessa catedral não acredite não. Ela tá caduca, meio desmiolada. Pois quem construiu essa catedral não foi quem ela diz não, mas sim Moisés enquanto peregrinava rumo a Terra Prometida”.

Ao ouvir essa última, o turista correu e se jogou perante o altar, implorando a Deus que não lhe permitisse enlouquecer tão longe de casa.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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