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segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

“O GLOBO” – 26/06/1957 - PARTE II

Material do acervo de Antonio Corrêa Sobrinho

CAPITÃO, NÃO: CORONEL

Tipo clássico de caboclo, grosso e atarracado, cabelos e bigodes grisalhados pela ação do tempo e das lutas na caatinga, olhos brilhantes, mas sempre ressumbrando desconfiança, o dizimador do mais terrível conjunto de cangaceiros que já atuou no árido Nordeste avistou-se com a reportagem no saguão do principal hotel da capital alagoana. “É ao capitão João Bezerra que temos o prazer de nos dirigir?” – perquirimos. E o nosso interlocutor, erguendo-se da poltrona: “Não. É ao coronel João Bezerra”. Tentando contornar o equívoco, observamos: “Creio que seria dispensável dizer que seu nome é conhecido em todo o País”. E ele, fitando o repórter ainda sem muita identificação: “Parece que sim.”

Vencido o constrangimento inicial, provocado pelo engano relativo à patente, o coronel João Bezerra dispôs-se a falar fluentemente, sem peias. Mais adiante, chegaria a confidenciar ao major Ataíde, assistente-militar do Governador do Estado e coordenador da entrevista, que gostara do repórter, que se lhe afigurara “um bom cabra perguntador”, salientando, ademais, que demonstráramos grande confiança em sua narrativa.

SAUDADE DOS PÉS DE ÁRVORE

Perguntamos ao coronel João Bezerra como e onde vive, atualmente. E completamos - Sente saudades daqueles tempos árduos de militança na Força Pública estadual?

O coronel João Bezerra prendeu no lábio um tênue sorriso que se insinuava e afirmou:

- Trago no peito a nostalgia da minha Polícia Militar e mais até dos pés de árvore, a cuja sombra eu descansava durante os dez anos que combati.

Contou-nos, a seguir, que se reformou há seis meses, no posto de coronel. Quando liquidou o bando de Lampião era um simples tenente, de 33 anos de idade, nascido em Afogado das Ingazeiras, município de Pernambuco, nos lindes desse Estado com a Paraíba. “A comuna divide-se na serra”, explicou melhor. Abeirando-se dos cinquenta anos, passou a se dedicar por completo à fazenda Aquidabã, de sua propriedade, localizada no distrito de Ibateguara, município de São José de Lajes, em Alagoas.

ONDE O ARADO SUBSTITUI A ESPINGARDA

- Na minha propriedade rural – informa o entrevistado, com indisfarçável orgulho – desenvolve-se uma apreciável criação de gado. Demais disso, planto café, cana de açúcar e cereais. Raramente, em consequência, venho à capital do Estado.

O repórter indaga se ele se enquadrou no novo regime. A resposta vem, sem titubeio:

- Integrei-me perfeitamente na qualidade de fazendeiro, após os meus trinta e quatro anos de farda.

E quando o repórter comenta que, assim, o arado está substituindo a espingarda, ele contravém, reticencioso:

- Mais ou menos...

ALGUMAS “BRIGUINHAS” EM 1930

Já mais à vontade com o jornalista, o coronel João Bezerra adianta que sua primeira filha se formou recentemente em comércio; outra está terminando o curso ginasial em São José de Lajes, enquanto o terceiro filho, de apenas seis anos de idade, ainda não se afastou da fazenda para estudar. E, reportando-se a um aspecto pouco vulgarizado de sua vida, acrescentou:

- Fiz todas as campanhas contra o banditismo organizado e ofereci combate ao Sr. Luiz Carlos Prestes. Como sargento, em 1926, incorporei-me à 6ª Companhia de Alagoas. Em 1930, fiz excursão deste Estado ao Rio de Janeiro. Viajei três meses, enquanto durou aquela questão, a saber, as briguinhas que então surgiram no País.

RECORDANDO GÓIS E O BRIGADEIRO

O coronel João Bezerra acaricia gostosamente uma faca – e o fotógrafo opera a chapa. O entrevistado larga o instrumento e pede a repetição da fotografia. É atendido e agradece:

- Agora, eu fiquei mais bonito...

Retoma, então, o fio do relato:

- Em 1932, participei da Revolução Constitucionalista de São Paulo. Estive sob o comando do general Pedro Aurélio de Gois Monteiro, de quem fui amigo e a quem sempre considerei um extraordinário tático. Fui aproveitado, outrossim, como chefe da tropa de vigilância no Campo de Aviação de Rezende, dirigido, inicialmente, pelo então capitão Dyott Fontenele e, em seguida, pelo então major Eduardo Gomes. Servi, também, com o “Melo Maluco”.

PRIMEIROS ELOGIOS NAS FOLHAS

O vento ligeiro de Maceió – réplica nordestina do minuano dos pampas – arremessa-se com violência de encontro à janela, junto à qual se desenrolava a entrevista. Perguntamos ao coronel João Bezerra se o vento o estava importunando. E ele:

- Deixa ficar, que não dá pra derrubar nenhum cabra de raça. O nosso entrevistado é homem de memória realmente excepcional: afiança que um graveto que tenha estalado sob sua bota nas longas andanças pelos sertões atormentados do Nordeste certamente será lembrado, caso se faça necessário. Voltando a discorrer sobre o movimento de 1932, acrescenta:

- Ainda hoje, lamento tenha sido desmoronada uma tropa nossa em Bocaina, onde se travaram diversos combates machos. Os jornais referiram-se elogiosamente à minha atuação, por eu ter tomado a vanguarda da porfia.

CONTINUA...

“O GLOBO” – 26/06/1957 

Fonte: facebook
Página: Antonio Corrêa Sobrinho

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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