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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

CRIME NA SERRA DO ARARIPE

 Por Iderval Tenório

Era noite do dia 23 de junho de 1928, o estrategista desconhecido chegou sorrateiramente e sem nenhuma dúvida ou remorso metralhou toda uma família de dezoito componentes, do mais velho ao mais novo dos Pereiras e alguns serviçais, vasculhou todos os aposentos, conferiu cada um dos corpos, montou no seu alazão, arrumou a sua geringonça noutro animal e sumiu estrada afora...

No nascer do sol os caseiros da fazenda, que moravam nos recantos mais distantes da sede, jamais imaginariam , que aqueles estrondos de bombas de artifícios juninos fossem balas da mais afamada metralhadora nordestina, apelidada de costureira, dizimando toda a família patronal, o autor não deixou pistas, não deixou um único rastro da autoria do crime , em nada mexeu, a mesa continuo posta, cadeiras caídas no chão, sangue salpicados nas paredes, alguns corpos debruçados sobre a mesa, animais domésticos circulando pelo ambiente à procura de restos, panelas no fogão a lenha, algumas com os alimentos esturricados, todos os potes e barricas aos cacos, água ensopando os corpos e estes com vários orifícios transpassando os tórax na altura dos peitos, todos, todos sem vida.

Na Serra do Araripe, não ficou um só cristão que não tomasse conhecimento da fatídica tragédia, quem era aquele forasteiro, porque aniquilou toda uma família que até aqueles dias se mostrava pacata, trabalhadora e honesta, não se conheciam inimigos num raio de 50 quilômetros, os Pereiras eram respeitados naquela redondeza, era o ano de 1928 , Lampião e o seu bando, já se encontravam pelos lados da Bahia, naquele arrebol já reinava a paz, muitos núcleos familiares se expandiam com os casamentos consanguíneos e moravam em casas equidistantes desde quando uma avistasse a frente ,a lateral e a saída da outra, era uma maneira de um proteger o outro. A dúvida tomou conta da pequena população, quem foi o forasteiro que cometeu tão sanguinário crime.

Os familiares distantes apareceram, os corpos foram contados, muitos não possuíam documentos, os serviçais só tinham apelidos, todos foram sepultados em covas rasas enfileiradas nos aceiros da velha estrada, fincado uma cruz na cabeceira de cada monte de terra, primeiro o chefe, depois os outros por ordem de importância. A polícia foi informada, compareceu timidamente e pelo pequeno contingente três soldados, dois cabos, um sargento , pouca munição e seis mulas esquálidas foi a primeira a fugir com receio de ser atacada de surpresa pelo o assassino ou os assassinos dos Pereiras, nunca mais apareceu ou tomou conhecimento dos fatos.

A sede da Fazenda ficou abandonada por pouco tempo, os moradores mais antigos aos poucos foram se acostumando com o acontecido, os parentes mais distantes voltaram para os seus distritos, ficando apenas as indagações sobre o horrendo crime, quem teria motivos para tal desventura, roubo não foi, só poderia ter sido vingança, a melhor maneira de cobrar dos desafetos os males cometidos em datas anteriores, só poderia ser vingança, não haveria outra explicação, só poderia ser vingança.


O PASSADO...

Conta o velho Malaquias dos altos dos seus 90 anos, que tempos atrás, lá pelos meados de 1871, quando um jovem padre de 27 anos de idade assumiu a capela do povoado Tabuleiro Grande no Sul do Ceará, hoje Juazeiro do Norte, duas famílias de Alagoanos foram morar nesta região para ajudar este jovem missionário. Com as duas famílias completas, o jovem Padre aconselhou os amiguinhos que fossem morar na Serra do Araripe plantar feijão de pau, conhecido como o serial ANDÚ muito apreciado naquele mundo. As famílias se deslocaram e começaram a habitar a mesma gleba de terra por manterem parentesco , viviam em paz até o dia em que, o governo de Pernambuco resolveu legalizar a posse e criar uma escritura, houve desentendimento entre os líderes de cada família e numa noite escura do dia 23 de junho de 1897, ano em nasceu Virgulino Ferreira Lampião , uma das famílias aniquilou todos os componentes adultos da outra família, todavia, cometeu um grande pecado, não vistoriou todos os aposentos da pequena casa e lá deixou vivo um criança de 09 meses que engatinhava por debaixo da cama do infeliz casal aniquilado.

A criança sem pais , sem parentes foi assumida por tropeiros, que cruzavam a velha serra Pernambucana com destino à mais nova vila Nordestina no sul do Ceará, a famosa vila do Juazeiro que crescia com muitos fanáticos religiosos devido o milagre da Beata Maria de Araújo em 1889, quando na comunhão, a hóstia saída das mãos do Padre Cícero se transformava em sangue e derramava-se pelos cantos da boca da jovem negra e beata de 28 anos de idade. A criança foi criada no mais diferente mundo que deveria ser criado, não tinha paradeiros, não tinha endereço fixo e à proporção que crescia tomava conhecimento da grande chacina que aniquilou uma determinada família, no topo da Serra do Araripe no idos de 1897, a criança cresceu, virou homem. Naquela redondeza não se conhecia o seu destino ou paradeiro. A família que cometera a esquecida e distante chacina se encontrava bem instalada e próspera no cume daquela abençoada Serra, o cangaço que reinava na região estava em baixa devido acordos feitos pelos governadores da época dando total poderes à polícia a entrar no território do outro à caça de qualquer desordeiro. Grassava no arrebol o sentimento de congraçamento e descontração devido o grande número de parentes casados entre si, existia calmaria.


A VINGANÇA...

O Jovem morava num pequeno sítio distrito da então e próspera cidade de Juazeiro do Norte , conhecia muito bem a grande Chapada do Araripe , divisa do Ceará com Pernambuco, celeiro fóssil das Américas , hoje fazendo parte do Geoparque do Araripe.

O jovem procurou se familiarizar com os moradores do distrito, aos poucos foi mapeando o fatídico acontecimento de 1897 e localizando os familiares que junto com os seus pais se mudaram para a velha serra a pedido do jovem padre em 1871, ficou claro e ciente de cada componente, colheu a história da época, como mercante compareceu à sede da fazenda e conheceu cada membro. Voltou aos seus afazeres de almocreve e numa noite de são João, quando os fogos de artifícios pipocavam nos ares da silenciosa serra, o jovem estrategista, na sorrelfa executou o seu vingativo e mirabolante plano, eliminando de uma só vez todos os descendentes dos criminosos da noite de São João do século passado, tomando o cuidado de vistoriar exaustivamente todos os aposentos, todos os ambientes e arredores para não cometer os mesmos erros dos autores da chacina de 1897, com esta atitude fechou o ciclo do grande ditado do povo nordestino: quem comete um mal um dia será vingado pela vítima, pelo filho da vítima, pelo neto ou bisneto da vítima, um dia o crime será vingado.

E foi assim que se desenrolou a grande chacina de 1897.
Vingança, pura vingança.

Iderval Reginaldo Tenório
E em Março...

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