Seguidores

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

O ESTRONDO DA "RONQUEIRA"

Por Sálvio Siqueira 
                                                        Ronqueira -  pt.wikipedia.org

Lampião fica às escondidas por vários meses do ano de 1926. Acoitado nas terras da fazenda do Coronel Isaías Arruda, com certeza maquinando algum plano junto com o proprietário e outras 'autoridades' daquela região. Em fins do quarto mês do ano de 1927 ele dar o ar de sua graça, quando comete inúmeros ataques e assaltos a pequenos povoados e propriedades na região noroeste do Estado paraibano. Tem-se a nítida impressão que ele tenta chamar a atenção das autoridades daquele Estado para aquela localidade.

No décimo quinto dia do mês de Maria de 1927, a frente de mais ou menos 35 cangaceiros, Lampião ataca a Vila de Belém do Arrojado, hoje Uiraúna - PB. Esse aglomerado de casas localiza-se muito próximo à fronteira com o Estado do Rio Grande do Norte. Pequeno, poucas casas, uma Igreja, com população mínima e apenas um subdelegado para resolver seus problemas, torna-se cobiça aos desejos do "Rei Vesgo". Seria, como em tantos outros, presa fácil para seu intento.

Há dias que os jornais citam as arruaças dos cangaceiros. É solicitado ao Governo proteção por parte das autoridades do município daquele reduto, porém, não é tomado nenhuma providência quanto ao envio de tropas paras as cidades. E no pender do sol daquele dia 15, um dos cidadãos, o sertanejo Leonardo Pinheiro, estando há vários quilômetros da Vila, nota a movimentação da horda em direção a mesma e, como não poderia deixar de ser, finca as rosetas das esporas em sua montaria que parte em disparada com tamanha dor em ambos os lados. Mil pensamentos o cercam, o vento em seu rosto não traz a refrescância de uma brisa nas quentes tardes sertanejas, parecem chicotadas, o alertando para o que viria em breve, e suas pernas, mesmo involuntariamente, abrem-se e fecham-se na intenção de fazer seus animais correr com mais velocidade. Entra naquela disparada louca na rua de Belém. A população já alarmada pelo tropel dos cascos do animal, já estão alerta do que viria a ser... Leonardo enche os pulmões e grita com todas as suas forças, levando ao grau máximo a elevação de suas cordas vocais:

-“Vem cangaceiro por aí! Vem cangaceiro por aí! Parece que é Lampião e não está a mais que umas duas léguas! ”

Aqueles que foram abandonados pelas autoridades do Governo do Estado, não se acovardam, mas, nem um 'tinquim'. Homens de têmperas forjadas nos rincões sertanejos, não optam pela fuga, em vez, decidem defender seus lares e suas famílias.

Heróis da resistência de Uiraúna- PB- cariricangaco.blogspot.com

O subdelegado, que com certeza o chefe do bando sabia existir, mas, que também sabia não ter nenhum contingente a sua disposição, o potiguar Nelson Leite, começa a movimentar-se e planejar uma ação de defesa. A coisa não seria fácil. A quantidade de cangaceiros era três vezes mais do que os defensores. Por mais que tenha se esforçado, o subdelegado só consegue dez homens, formando assim, onze defensores contra uma horda de 35 cangaceiros acostumados a luta, a troca de tiros, a sangrar... familiarizados com o odor da pólvora queimada e com o cheiro forte do sangue humano.

Caminhando sem pressa, parecia estar saboreando, antecipadamente, a vitória sobre as pessoas daqueles casebres esquecidos por todos. Sabendo do pânico, do terror, do medo que seu nome casava as pessoas, Lampião segue a frente do bando. Por volta das 5:00 horas da tarde, onde o sol, já preparando sua despedida, espera a chegada das sombras da noite, começa sua despedida por trás da serra do Luiz Gomes, depois da Vila, não muito distante, em comparando-se com o sentido em que vinham caminhando. Com toda certeza, o chefe já tinha os mínimos detalhes de tudo e todos do lugarejo, informações prestadas por seus olheiros. O sol pende, escondendo-se por trás da aba da serra e, ao ver o aglomerado de casas, Lampião tem a certeza que será mais uma ação rápida e proveitosa.

Logo após o aviso do cavaleiro, em sua disparada adoidada, o subdelegado manda que as mulheres e crianças refugiem-se em casas de parentes nos sítios próximos ou mesmo escondam-se dentro da mata. A caatinga oferece, para quem a conhece, vários meios de acomodação e sobrevivência, e o sertanejo tem esses conhecimentos, ele é obrigado a tê-los para sobreviver. As economias, resultado de anos de trabalho, sofrimento e muito suor derramado, são colocados em qualquer recipiente, panelas de barro, caixas de madeira, caixas de papelão... e são enterrados em lugares marcados por árvores, pedras ou mesmo dentro de casa por trás de algum móvel ou utensílio. Os comandos são exatos e coordenados. Trazem as armas, a munição e as repartem. Antes da noite, a sombra da serra, vem trazendo prenúncios de uma dura batalha.

O subdelegado, conhecendo bem onde está, distribui os poucos homens em pontos estratégicos. O tempo parece ter parado. O relógio não anda... abafada, a noite estende seu negro manto por sobre a terra. Gotas de suor teimam em cair da testa de um, da ponta do nariz de outro, e todos estão com os dedos nervosos nos gatilhos de suas armas. Sinforosa Claudina de Galiza, sobrevivente ao ataque, relata em uma entrevista: “O ‘delegado’ Nelson Leite distribuiu uns homens nos pontos mais altos da rua principal, dois outros guarnecendo as laterais e três instalados no teto da Igreja. Quando Lampião entrou com o bando, pela ‘rua velha’, começou a fuzilaria”.

Lampião já está as portas da Vila, mas, usa de uma estratégia muito eficiente, a dúvida, a espera, o tempo... sabe ele que isso tudo, deixa os homens com os nervos a flor da pele. Já passa das 8:00 horas da noite quando dá ordem para que seus homens entrem, sorrateiramente, usando as sombras, nas ruas do vilarejo. Tentando dar mais temor naqueles que se atreveram a defender a Vila, o "Rei Vesgo" ordena que coloquem fogo em uma das casas iniciais. O fogo é alimentado pelo material que foi usado para construir o casebre e, logo, suas labaredas são vistas pelos homens sitiados. Suas chamas alcançam a cerca de um curral, dando maior extensão ao incêndio.

Em uma entrevista, a senhora Maria do Socorro Fernandes, relata o que Josefa Augusta Fernandes tinha anotado sobre o fogaréu: “Lampião começou destruindo a propriedade do finado João Gabriel, tendo em seguida tocado fogo nos currais e nas plantações de feijão e milho. O fogo serviu para alertar os homens da cidade, sendo que eles já estavam em posição nos principais pontos daqui”.
                                         
O plano do subdelegado é bom. Ele escolhe, a dedo, dentre aqueles que conhece, quem tem melhor mira, e os coloca em pontos estratégicos.
 
No prédio mais alto, ou seja, na igreja, posicionam-se Moisés Lauriano, Joaquim Estevão, José Teotônio e Luís Rodrigues. Este último dá o grito de aviso, alarmando para os companheiros que tinha notado sombras humanas mexendo-se coladas as paredes das casas. O subdelegado dá a ordem e o tiroteio torna-se cerrado. Lampião, nem de longe, esperava uma reação daquelas naquele simples Vilarejo. Recua, não tem como entrar por aquela rua escolhida antes. O fator surpresa foi por água abaixo. Usando de uotra tática sua, Lampião ordena seus comandados a gritarem, ulularem, xingarem e ameaçarem, principalmente os familiares dos defensores. Ao mesmo tempo passa a ordem para que fosse feito uma nova investida pelo lado oposto daquele que se fizera o primeiro.

Aqueles que foram colocados no telhado da igreja, tem uma ótima visão de todo o lugar. E ao verem a nova investida, disparam na mesma direção, ponto um obstáculo no ataque novamente.

No pouco tempo que teve para organizar a defesa, o subdelegado teve a brilhante ideia de fazer umas 'ronqueiras' - “Cano de ferro, preso a uma tora de madeira e cheio de pólvora, o qual produz grande detonação quando se lhe inflama a escorva”(dicionário Aurélio) - quando a ronqueira era disparada, dentro da igreja, dando um sentido de uma explosão muito grande, começaram os cangaceiros a pensarem que estariam, os defensores, munidos de canhões. Ficaram zinguezaguiando feito baratas tontas diante de tão grandes explosões.

Lampião esbraveja ordens de ataque aos cabras e os mesmo seguem com receio do que realmente teriam que enfrentarem. dentro da igreja, um dos defensores larga o rifle e continua a carregar, e recarregar, sucessivamente as ronqueiras. Os cangaceiros estancam, não conseguem nada verem pela densa fumaça e os estrondos continuam...

Alucinado de raiva, Virgolino ordena que atei-se mais fogo nas casas e roçados de plantações. Furioso, faz uma última tentativa, mas, o bom senso lhe avisa que é melhor uma retirada. Pega seu apito, soprando os toques de retirada, ordena a cabroeira a retirar-se.

Naquele ínterim, uma sombra movimenta-se, sorrateiramente, pelas sombras. É um dos civis que defendem a Vila. No entanto, não há como saber quem seja... então, o inesperado acontece. Um dos que no alto da igreja estão, atira de ponto, atingindo-o em cheio. Ferido no pulmão, Antônio Correia logo morre, tornando-se a única baixa daquela noite pavorosa.

Assim, um objeto feito para festejos e a inteligência bem aplicada de um homem, derrotam uma horda de cangaceiros. 


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

3 comentários:

  1. Anônimo08:22:00

    Mendes: Parece que esse povo aprendeu com os Mossoroenses. Danados de coragem os habitantes de Uiraúna. Será que se nós dois estivéssemos lá, mergulharíamos na luta ou mergulharíamos na mata?
    Antonio Oliveira - Serrinha

    ResponderExcluir
  2. Pesquisador Antonio de Oliveira, eu ainda estaria correndo. Deus me livre que um dia eu passe por isto, mesmo que não seja com cangaceiro.

    Felicidade e paz.

    ResponderExcluir
  3. Anônimo17:37:00

    "DEUS ME LIVRE DE EU IR LÁ", como fala CAJU E CASTANHA.
    Abraços,
    Antonio Oliveira

    ResponderExcluir