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segunda-feira, 9 de novembro de 2015

ADEUS, PADRE MOTA!


(Oração fúnebre, pronunciada pelo Prefeito Raimundo Soares de Souza na ocasião do sepultamento do Monsenhor Luiz Ferreira Cunha da Mota, no dia 27 de agosto de 1966 – FEMENICK, in Informativo do Município. Mossoró: Prefeitura Municipal de Mossoró, 28 ago. 1966):

Ex-prefeito de Mossoró Raimundo Soares de Souza

“Não imaginava, tão cedo, ter de cumprir este doloroso dever: transmitir ao querido Padre Motta o sentimento de homenagem do Município e de seus amigos mais diletos, à beira de seu túmulo. Embora doente, há algum tempo, seu estado, porém, não fazia adivinhar fim tão próximo, sobretudo quando o espírito era sempre aquele esplendor que nos iluminava, desde os primeiros contatos, rompendo-lhe a simplicidade e a modéstia.

E aqui estou para isto: para trazer, ao contemporâneo ilustre que Mossoró acaba de perder, as últimas homenagens da cidade a que ele servia com tanto amor, tanta dedicação, tanto carinho, tanto sacrifício, devotando-lhe alguns anos de sua vida; trazer-lhe, também, a saudade de seus antigos funcionários do Município, que, com ele, aprenderam o culto da honestidade e da correção; trazer-lhe as lágrimas de seus familiares e amigos, ante a grande provação, porque ele não era, apenas, o espírito radiante que Deus lhe permitiu conservar até ao fim, mas constituíra-se um centro, uma força de presença motora e dinâmica. Todavia, não posso depor, em seu túmulo, esses tributos, sem dizer meu próprio adeus ao velho e querido amigo, que me aconselhava como um pai, nos tempos do Ginásio Santa Luzia, que foi meu confessor nos anos irrequietos da puberdade e, ultimamente, o conselheiro a dar-me forças nas horas amargas das dificuldades, das injustiças, da tristeza, do desalento, do desânimo.

Padre Motta

Para mim, atingiu Padre Motta o padrão máximo que se é possível esperar de um homem de minha intimidade e de meu conhecimento. Outros haverá e houve com a mesma integração de virtudes, mas os identificamos, apenas, através de biógrafos e crônicas. Eu senti Padre Mota nas policrômicas facetas de sua personalidade, analisadas pela vivência duradoura e sob ‘parti-pris’ da mocidade irreverente. Eu o senti como Padre, como cidadão, como político, como administrador, como educador, como filho, como amigo. E a lembrança que dele guardo, a qual jamais desaparecerá, é um sentimento de profunda admiração a ele, padrão de bondade, padrão de pureza, padrão de apóstolo, padrão de humildade, padrão de simplicidade, padrão de civismo, padrão de amor à terra a que ele consagrou todos os seus instantes e todas as suas preocupações.

Adeus, Padre Motta. Não me dirijo ao teu corpo, aqui presente, dentro em pouco tragado pela terra, a mesma terra que tanto amaste. Prefiro falar à tua alma, que está no céu e tenho certeza de nos ouvires neste momento. Porque se o céu é o prêmio dos justos, tu foste justo; se é o prêmio dos bons, tu foste bom; se é o prêmio dos puros, dos simples, dos humildes, tu foste simples, tu foste puro, tu foste humilde. Portanto, está em graça, gozando a verdadeira felicidade que não é a deste mundo. Comungas hoje, agora, da presença de Deus, dos Santos, dos Anjos e isto detém o nosso desespero, nossa dor, nossas lágrimas. O desespero, a dor, as lágrimas, seriam inconciliáveis com o que tu próprio nos pregaste, de acordo com a doutrina do Mestre.

Mas sofremos muito, Padre Motta, porque somos humanos. Talvez demasiadamente humanos, e certas verdades demoram a chegar até nós. O certo é que a inesperada notícia nos chocou a todos terrivelmente. É como se continuássemos um sonho, duvidando da realidade, imaginando-te ainda vivo, como te vi anteontem à tarde no hospital. Não te vejo morto, e algum tempo passará antes que concedamos à realidade todos os seus tristes direitos.

No entanto, teu sepultamento é tua última lição para os amigos que deixas, habituados à profundeza dos conceitos que emitias, com simplicidade, a cada instante. A cidade inteira aqui está para homenagear-te. E não deixas-te nada de bem material. Choram não só teus amigos mais íntimos, os que, há muitos anos, fizeram de tua casa um lugar de calma, paz, tranquilidade e sabedoria. Estão todos aqui, mal sopitando as lágrimas da saudade. Aqui, está o Senhor Bispo, teu superior eclesiástico e teu amigo, aqui estão o clero secular, as religiosas, os colégios, as associações cristãs; aqui está o povo. Aqui estão e choram também muitas pessoas que nem sequer conheceste. Nada deixas como produto do mundo e morres na pobreza, sem forçares a glória dos homens, que nunca quiseste. Mas veio a cidade toda para prantear¬-te. Porque tu deixas um tesouro que ninguém consegue facilmente; teu exemplo de bondade, de honra, de justiça, de amor ao próximo, de candura, de caridade, de beleza d’alma e coração. Os bens da terra não são as finalidades do homem, mas a tradição do nome honrado, aqui, na vida transitória, e a ascensão à glória de Deus na vida eterna. E tua herança não é para uns poucos, mas para todos, pois se nada legas de utilidades materiais porque nada tens, o tesouro de tua alma há de partilhar-se entre gerações de jovens de nossa terra, ensinando-lhes que o dever é o único instrumento de realização da felicidade interior, que não assenta nas coisas vãs que o mundo adora e o seduzem.

Não, Padre Motta, não vou chorar, nós, teus amigos, não vamos chorar; vamos entoar cânticos de aleluia por tua volta ao céu. Tu já és feliz, e nós permanecemos neste horripilante pantanal de hipocrisias, injustiças, maldade e pecado. Lamentamos a perda de seu apoio sempre forte, sempre inspirado, sempre justo. Mas as lágrimas teimam em vir e com elas a incompreensão, a rebeldia, a insatisfação, o inconformismo. Não te ter mais ao lado, às tardes, à noite, em tua casa. Não ouvir mais tua palavra serena e sábia, rica de ensinamento. Não gozar, nunca mais, da ventura de tua presença. Não receber, nunca mais, o fruto de tuas observações. E a calçada onde pregavas, deserta, vazia, triste, e a consciência dolorosa de nunca mais te ver, nunca mais falar-te, nunca mais apertar-te a mão, nunca mais abraçar-te! Oh, Deus, dai-nos a força da Virgem Santíssima que acompanhou todo o sacrifício do Divino Filho até à morte e abençoando vosso nome! Dai-nos a fé de Jeremias que, por mais forte a desgraça, vos bendizia! Mas vós me acudis, pela palavra de Paulo VI, na Gaudium et Ipes, do Vaticano 11, nº 18: ‘Enquanto toda a imaginação fracassa diante da morte, a Igreja, contudo, instruída pela revelação divina, afirma que o homem foi criado por Deus para um fim feliz, fora dos limites da miséria terrestre. Além disso, ensina a fé cristã que a morte corporal, da qual o homem seria subtraído se não tivesse pecado, seria vencida quando o homem for reintegrado, por Deus onipotente e misericordioso, na salvação que o mesmo homem perdeu por sua culpa. Na verdade, Deus chamou e chama o homem para que ele, com a sua natureza inteira, dê sua adesão a Deus na comunhão perpétua da incorruptível vida divina. Cristo conseguiu esta vitória, por sua morte, libertando o homem da morte e ressuscitando para a vida’.

Assim seja! Adeus, Padre Mota, sem lágrimas, sem desespero, sem desgraça! Mas com muita saudade, com infinita tristeza! Adeus!”

Fonte: facebook

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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