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sexta-feira, 13 de maio de 2016

CONSIDERAÇÕES GEOHISTÓRICAS SOBRE A CONURBAÇÃO CARIRIENSE CRA-JU-BAR

Por José Romero Araújo Cardoso

Entende-se por conurbação como a contínua, progressiva ou lenta conexão urbana interligando cidades, sendo mais constante em importantes pólos que concentram de forma efetiva o grande capital. Encontramos exemplos disso, respectivamente correspondentes aos mundos desenvolvido e subdesenvolvido, nas megalópoles que foram sendo estruturadas entre Boston e Washington (EUA) e Rio de Janeiro e São Paulo (Brasil).

Fenômeno interessante vem sendo registrado no sul do Ceará, região fertilíssima que perfaz verdadeiro oásis, no qual se intercalam espécies vegetais características de quatro biomas (Mata Atlântica – Caatinga – Floresta equatorial Amazônica – Cerrado), na qual o Juazeiro do Norte se destaca como o mais importante centro, constituindo-se na segunda cidade do Estado do Ceará em população e importância econômica, status não muito tempo desfrutado por Sobral.

Surgida entre Crato e Barbalha, a atualmente importante cidade cearense de Juazeiro do Norte fôra outrora, no século XIX, pousio de tropeiros que iam e vinham pelas trilhas tortuosas das quebradas do sertão central, palmilhando a extensa zona que tinha Aracati como destino dos velhos almocreves que marcaram toda uma fase econômica no sertão nordestino. O Joazeiro, onde descansavam os importantes agentes econômicos sertanejos, os quais eram os responsáveis da condução do transporte de cargas, em um passado não tão remoto, foi abrigando ao seu derredor pessoas de várias procedências, já existindo, no ano de 1872, modesta capela dedicada a Nossa Senhora das Dores.

Integrante do espólio do Padre Pedro Ribeiro, o pequeno lugarejo do Joazeiro era composto de setenta e duas casas humílimas quando da chegada daquele que se tornaria o principal personagem da história do lugar. Acompanhado da mãe e das irmãs, vindos do Crato, Padre Cícero Romão Batista encontrou na localidade farta matéria-prima a fim de trabalhar vocação sacerdotal, tornando-se respeitado em razão da forma como efetivou reversão da penosa realidade moral do Joazeiro, verificada quando de sua fixação, a qual se revelaria definitiva e profundamente marcante para a expressão espaço-temporal do mais importante município que integra a conurbação Cra-Ju-Bar.

Protagonizando “milagre” quando ministrou comunhão a uma beata de nome Maria de Araújo, em missa celebrada na capela de Nossa Senhora das Dores, no início do mês de março de 1888, Padre Cícero, sem perceber de imediato, dava início a complexo processo de crescimento e conquista de importância político-econômica contínua, avassaladora e impressionante do mísero lugarejo, cuja população ainda era formada em boa parte por gente extremamente sofrida, excluída inflexivelmente da estrutura abastada e exclusiva formada a partir das práticas fomentadas a partir do final do século XVII pela “nata” da sociedade sertaneja agro-pastoril, responsável pelo implemento colonizador das perigosas porções interioranas, principalmente as do semi-árido nordestino.

Mitos antes mesmo da morte do velho vigário, no ano de 1934, o ícone Padre Cícero e o culto à sua figura assumiram proporções inacreditáveis, crescendo de forma impressionante nas décadas seguintes. Representam, em nossa época, uns dos mais importantes elementos culturais que singularizam o nordeste brasileiro.

Romarias contínuas, ano após ano, foram implementando fixação populacional em Juazeiro do Norte, a qual foi sendo direcionada em rumo dos vizinhos municípios do Crato e de Barbalha. Com significativo percentual de alagoanos e descendentes, tendo em vista que, de forma interessante, ecos do “milagre da hóstia” ressoaram impressionantemente em Alagoas, as manifestações da religiosidade popular nordestina refletem-se sobre os territórios dos três municípios caririenses, através da crescente massa de romeiros que decide ficar morando na terra em que o Padim Ciço deixou as marcas de seus calçados.

Molas propulsoras da dinâmica economia Juazeirense, os romeiros transgridem enraizadas tradições e disputas que marcaram as relações históricas entre os centros urbanos que integram a conurbação caririense conhecida por Cra-Ju-Bar. Lócus de disputas políticas acirradas, as quais marcaram indelevelmente as primeiras décadas do século XX, Juazeiro do Norte e Crato, principais cidades que integram o intrigante e interessante fenômeno urbano que singulariza a geografia urbana do sul do estado do Ceará, interconectam-se como fossem metáfora, referente às formas assumidas pelas exigências do capital, pois se faz necessária explicação sobre impossível processo em tempos pretéritos, a qual é compreendida através da divisão radical entre os dois núcleos, registrada pela história quando da mais impressionante demonstração de força efetivada pela articulação inusitada do messianismo com o coronelismo, cujo ponto culminante foi a guerra de 1914.

Rabelistas e Aciolistas, sendo que os primeiros, quando da guerra de 1914, se concentraram no Crato, enquanto os segundos ocupavam as trincheiras defensivas no Juazeiro do Padim Ciço, digladiaram-se em feroz luta armada que culminou na ocupação de Fortaleza pelos romeiros do Padre Cícero, comandados pelo caudilho Floro Bartolomeu da Costa, os quais retiraram à força, do comando no governo do estado do Ceará, Marcos Franco Rabelo, militar que representou a experiência salvacionista na terra de Iracema, cuja prática política foi enfatizada na gestão Hermes da Fonseca enquanto medida severa contra o eterno predomínio de tradicionais oligarquias que enfeudaram todas as regiões brasileiras durante maior parte da denominada república velha.

Em Barbalha, terra da matriarca Bárbara de Alencar, a ênfase à conurbação caririense segue sem se chocar de forma significativa com a história e a memória locais. Espaço e tempo, em ambos núcleos urbanos, estando Barbalha localizada a cerca de 15 km do segundo município do estado do Ceará, enquanto o Crato dista 16 km da terra do Padim Ciço, frisam às categorias harmonia efetiva da primeira cidade, acima mencionada, com o Juazeiro do Norte, em razão que não houve confrontos sérios como os que marcaram profundamente as relações sócio-culturais entre a terra que o Padre Cícero elegeu para efetivar-se e a que ele nasceu, velho burgo caririense comandado, por longo período, pelo “Coronel” Antônio Luís Alves Pequeno, padrinho e protetor do vigário Joazeirense.

A conurbação compreendida pelo eixo urbano formado pelos municípios cearenses do Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, se constitui em um dos mais curiosos fenômenos apresentados na paisagem e no espaço da geografia urbana estruturada pela ação do homem em território brasileiro, pois tal efetivação exige que explicações complexas articulem holística expressão de interdisciplinaridade enquanto fundamento às análises científicas concisas acerca da dimensão assumida pela importante estrutura geográfica que continuamente se efetiva, ano após ano, alicerçada indubitavelmente nas práticas culturais que permeiam a preservação e permanência das tradições populares nordestinas quanto ao culto devotado ao Padre Cícero, célebre figura de sua época, a qual tornou-se expressão tentacular e multifacetada da complexidade e dos desdobramentos do movimento que liderou e o tornou figura de proa da única manifestação messiânica brasileira que conquistou sucesso e respeito entre os donos do poder, os quais, experts na arte de ludibriar, há tempos imemoriais manipulam complexas estruturas que garantem a reprodução da hegemonia e da dominação.

Espaços nos quais se localizam no presente importantes atividades econômicas, responsáveis pelo fomento à lógica do capital, o eixo Crato-Juazeiro-Barbalha se caracteriza pela variedade das estruturas antrópicas apresentadas em suas paisagens artificiais, sejam no âmbito econômico-financeiro-industrial ou sócio-cultural, além das manifestações contraditórias do espaço, definidas pela forma como as relações sociais de produção são fomentadas. O fenômeno urbano que singulariza o cariri cearense desperta interesse pela forma ímpar como se concretiza, principalmente entre os geógrafos, em razão de permitir necessária compreensão da totalidade geo-histórica que embasa o polivalente e valioso objeto de estudo daqueles que enxergam o nordeste como fonte inesgotável de implemento a estudos científicos sobre a região que se singulariza pela proeminência de problemas e urgentes necessidades de se enfatizar proposta para soluções de dolorosos dramas sociais que persistem, tornando indignas as condições de vida da maioria, na qual se encontram diversas famílias de romeiros, entregues à própria sorte em espaços extremamente desconfortáveis, nos quais a carência impera, personificando, dessa forma, dramática injustiça social que desafia as lutas por melhores condições de vida para os excluídos da riqueza produzida na rica região polarizada pela “Meca Nordestina”.

José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-Adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial e em Organização de Arquivos. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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