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terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A SELVA

*Rangel Alves da Costa

O tigre azunhou a tigresa boa parte da noite. Quando acordou ao alvorecer, sequer olhou de lado. Derramou na boca uma caneca de café, mordeu um pão e abriu a porta. Ainda era cedo na selva. 

As folhagens farfalhavam seus vozerios. Um emaranhado de tudo se fazia por todo lugar, como numa teia onde o andante pode cair na armadilha a qualquer instante. Seguindo pela estrada, o tigre afiava os dentes pontudos e mortais.

Bastou que um guaxinim levantasse a cabeça na sua direção, e o felino logo quis avançar para abocanhá-lo. Uma selva de todos, com todos tendo de conviver pacificamente para melhor sobreviver. Mas não. Todo bicho era presa de todo bicho.

Pelas janelas, ou tufos de mato, animais se esgueiravam com olhos brilhosos e virulentos. Feições de aborrecimentos, de ódios, de inimizades, de disposição à intriga e propensão à maldade. De vez em quando um bicho abria passagem como se quisesse ferir quem estivesse pela frente.

A onça despontou na esquina trazendo punhais na boca, no olhar, no gesto. Conhecia o tigre desde muito tempo, mas ali não era lugar para qualquer cordialidade. Por isso passou junto dele como que ameaçando exterminá-lo.

Um carcará passou em rasante e foi diretamente nos olhos da pomba. Por ali se dizia - quando alguma boca se abria sem ser na intenção de ferir - que aquela pomba era o único bicho que restava como esperança de uma vida cordial entre todos.

Mas coitada da tal pomba da paz. O carcará começou a sangria e logo em seguida prosperou o festim macabro com o pouso voraz e faminto do urubu e do gavião. Em poucos instantes as penas da pomba já se lançavam pelo alto.

Adeus pomba, adeus paz. Quando uma pena caiu sobre o ombro da jaguatirica, imaginando ser um inimigo, logo está pulou e prontamente se colocou em posição de ataque. Estava numa ferocidade tamanha que se imaginaria pronta para enfrentar o maior dos desafetos.


Uma cena desconcertante, mas que nenhum bicho prestou a menor atenção. Aliás, por ali todo bicho ameaçava o outro com olhares, caninos e gestos, mas não se aproximava com qualquer palavra. A não ser que fosse para vomitar ódios e desavenças.

E que selva mais violenta, mais bestial mais brutal, mais aterrorizante. Por todo lado e por todo lugar, a tocaia, a armadilha, a embocada, a maldade pronta para agir. Bicho contra bicho, lobo contra lobo.

Uma raposa, matreira que só, acostumada a sobreviver da carniça do outro, logo começou a espalhar mentiras em torno da cotia. Dizia que ela pretendia emboscar o preá e o tatu e por isso mesmo deveria ser castigada. Dessa mentira, o pior acontecido. A cotia foi morta.

Mas não demorou muito para chegar a vez da própria raposa. Enquanto ela tramava mais uma falsidade debaixo de um pé de pau, uma cobra com a língua maior do mundo soprou-lhe ao ouvido: sua hora chegou, pois você matou o tamanduá.

Enquanto isso, o tigre lançava suas garras afiadas em cima de um veado. Motivo? Cismou que o veado o estava olhando demais, partiu pra cima exigindo satisfação, e depois quase lhe sangrou o pescoço. Só não matou por que outros bichos logo se aproximaram.

Mas de repente e a guerra estava feita na selva. As garras mortais se lançavam a qualquer um, as unhas pontudas rasgavam ventres e destripavam vidas, as bocas sangrentas e asquerosas se apeteciam sobre os restos mortos. Assim morria-se e assim vivia-se nesse mundo de presas e predadores.

Ao retornar ao ninho, o pássaro encontrou o lugar mais limpo. Chamou, gritou pelos seus, mas nada. Algum tempo depois os reencontrou, mas já eram suficientemente donos de suas vidas para também querer atacar e ferir aquele que lhes deu vida.

Eis uma selva imaginária, fantasiosa, falsa demais talvez. Mas não será bem assim acaso se pense noutra selva tão conhecida. Nesta, dizem que moram e vivem pessoas. Mas tenho minhas dúvidas. Creio ser a mesma selva.

Escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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