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domingo, 22 de janeiro de 2017

GRAVIDEZ E PARTO NO CANGAÇO

Por Rangel Alves da Costa*

A gravidez, seja em qualquer meio e situação, é sempre uma situação traumática e que requer muitos cuidados. Surgem riscos, muitas vezes graves, tanto para a mãe como para o bebê. Mesmo nas gestantes citadinas, com acompanhamento pré-natal, não se descartam riscos de hipertensão arterial, de diabetes pelo aumento da glicose no organismo, de estresse, além de problemas ginecológicos regulares.

A medicina moderna ainda não conseguiu afastar os riscos da gravidez nem possibilitar que os filhos sempre nasçam saudáveis. Infelizmente, ainda há morte de parto e vidas são perdidas ainda jovens por problemas durante o nascimento do bebê. Hoje se tem evitado muito, mas as mulheres que não recebem tratamento e acompanhamento durante a gravidez e o parto podem sofrer danos irreparáveis. E o que dizer daquelas mulheres do cangaço?

A gravidez de risco e as incertezas do parto foram graves problemas enfrentados na vida cangaceira. Considerando o número de mulheres agregadas ao bando de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, muitos problemas surgiram na gravidez e parto das cangaceiras, havendo conhecimento de morte. Ora, as parteiras geralmente eram as próprias companheiras de bando, se esmerando em cuidados mas sem muita experiência. Não havia panos limpos, medicamentos, cuidados básicos.

No cangaço, a gravidez, dado o meio e às condições, era sempre de risco. Não se imagine como conduta exemplar uma mulher grávida viver exposta às intempéries, andando e correndo de canto a outro, numa situação de estresse e ansiedade indescritíveis. Dia e noite desconfortáveis, alimentos inadequados, sem poder contar com tempo suficiente para descanso. Certamente as pernas inchavam, havia hemorragias, tensões de todos os tipos. E nem sempre as gestantes podiam se afastar do bando para dar a luz em ambiente menos perigoso.

Por maior cuidado que o companheiro tivesse, ainda assim não podia fugir do cotidiano incerto e apressado do bando. A caminhada não podia sofrer atrasos pelo fato de uma gestante não estar se se sentindo bem. Era a vida de todos que estava em jogo. Daí o imenso sacrifício, dor e sofrimento daquelas buchadas que, intimamente, não suportavam dar mais um passo sem um descanso. Mas tinham de seguir adiante.

Seguir adiante até não mais suportar. Não irrompia o grito, mas a feição apertada, agonizante, já demonstrava haver chegado o instante do parto. E dor sobre dor, pois também a certeza de que seu menino ou menino não poderia permanecer por muito tempo ao seu lado. O cangaço não era lugar de criança, e por isso mesmo os nascidos eram entregues a coiteiros e outros conhecidos do bando.

Os estudos dão conta que após pouco tempo de bando, ao lado do seu Capitão, Maria Bonita engravidou e acabou perdendo o bebê gestado. Sua filha Expedita somente viria nascer em 1932, de parto normal (se assim é possível afirmar), debaixo de um pé de umbuzeiro e depois entregue ao vaqueiro Severo Mamede para ser criada. Sila engravidou pouco tempo depois de chegar ao bando, teve o filho, sendo Maria Bonita a parteira, mas teve de entregá-lo para ser criado por outra família. Adília, que também acompanhava a conterrânea, afirma que era choro de menino misturado ao ribombo de tiros.

Pelos relatos colhidos, a maioria dos meninos e meninas do cangaço - ou filhos de cangaceiros - nasceram debaixo de pés de pau, de umbuzeiros principalmente. Tinha-se como verdadeira dádiva que os nascidos não apresentassem problemas e suas mães em pouco tempo pudessem retomar seus cotidianos. Mas algumas não tiveram essa sorte, pois perderam suas vidas durante o parto. E de ao menos uma a literatura cangaceira dá conta: Adelaide.

Adelaide, nascida em Poço Redondo e primeira companheira de Criança (a outra foi Dulce), morreu de parto. Mas não debaixo de umbuzeiro, mas dentro de uma rede enquanto era transportada, já sem esperança de sobrevida ante seu estado agonizante, para a povoação de Curituba, no sertão sergipano. E certamente consequência das durezas da vida cangaceira.


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