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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

MEU AGRADECIMENTO PELO ARTIGO DO EMÉRITO ESCRITOR CATARINENSE ENÉAS ATHANAZIO

Por Luiz Serra

Jornal PÁGINA 3 de Camboriú, com meu fraterno e agradecimento pela abordagem analítica do tema Sertão Cangaço e a nossa referência com elementos Históricos.


O SERTÃO EM CHAMAS
Enéas Athanazio

O cangaço foi um fenômeno brasileiro sem similar na história ou no mundo. Salteadores de estrada e assaltantes de vilas existiram em toda parte, e ainda existem hoje, mas jamais com as características do cangaço. Esse tipo de banditismo tinha regras e organização próprias, com hierarquia, divisão em subgrupos submetidos ao comando de pessoas de estrita confiança do chefe e com suas áreas de atuação delimitadas. Em situações de emergência ou em ataques mais importantes, todos se reuniam sob um comando único, do chefe maior. Também dominavam táticas e estratégias para escapar das perseguições das chamadas volantes policiais que os perseguiam, além de conhecer com perfeição as regiões onde atuavam, inclusive aperfeiçoando métodos de sobrevivência em lugares semidesertos e hostis à vida humana, onde era difícil penetrar e viver. Mantinham com muito cuidado uma rede de protetores e informantes que forneciam armas, munições, víveres e roupas, bem como permitiam que se refugiassem no recôndito de suas grandes propriedades rurais. Chamavam-se coiteiros, muitos deles registrados pela crônica cangaceira. Esses coiteiros viviam em permanente perigo; quando descobertos pelas volantes sofriam severas punições e, quando suspeitos de traição, eram eliminados sem perdão. Até nas vestimentas o cangaço mantinha fisionomia própria: portavam chapéus com as abas dobradas na testa, adornados com moedas, medalhas e enfeites, usavam meias ou perneiras protetoras e calçavam alpercatas de couro. Além da cartucheira bem munida, transportavam junto ao corpo os embornais em que levavam os objetos de valor, dinheiro e papéis. As alças se cruzavam no peito, como uma canga, daí advindo o nome cangaceiro. Gostavam de perfumes e os usavam com profusão. Como viviam na caatinga seca e poeirenta, não podiam se banhar com frequência, compensando a inhaca com o uso de loções aromáticas. Isso produzia um cheiro especial, conhecido pelos integrantes das volantes como cheiro de cangaceiro.

O cangaço teve início no Século XIX e se estendeu até 1938, considerado o ano de sua extinção. Muitos chefes de bandos cangaceiros se notabilizaram ao longo do tempo, desde o Cabeleira, Jesuíno Brilhante, Sinhô Pereira, Antônio Silvino e, mais ainda, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Quase todos foram homens frios e cruéis. Aterrorizavam as pessoas dos povoados, vilas, fazendas e até mesmo cidades onde apareciam, praticando as maiores atrocidades. Saqueavam o comércio, incendiavam as casas e plantações, sequestravam pessoas em troca de resgate, estupravam, torturavam e matavam quem se atrevesse a enfrentá-los. Não perdoavam os policiais, a quem chamavam de macacos, e maltratavam as autoridades que lhes caíssem nas garras. Houve o caso de um juiz de direito que foi montado e esporeado como cavalo na presença de populares horrorizados. O cangaceiro Zé Baiano portava um ferro de marcar animais com suas iniciais, usando-o para ferrar o rosto de mulheres. Para compensar tudo isso, às vezes distribuíam moedas aos mais pobres, conquistando a simpatia do povo humilde que via neles uma espécie de Robin Hood caboclo, que tirava dos ricos para dar aos pobres. Alguns cangaceiros desfrutavam de grande prestígio e simpatia.

Apesar do tempo decorrido, o cangaço continua instigando os pesquisadores e a bibliografia a respeito não cessa de crescer. Entre os mais recentes lançamentos está o extraordinário livro “O sertão anárquico de Lampião”, de autoria de Luiz Serra (Outubro Edições – Belo Horizonte – 2016). Escrito em linguagem elegante e contendo interessantes fotos, o autor faz uma abordagem histórica e sociológica do fenômeno, mostrando como o meio anárquico e a ausência do poder estatal permitiram o surgimento e a sobrevivência do cangaço por tanto tempo, mesmo perseguido sem cansaço pelas forças policiais de todos os Estados nordestinos. Segundo revela, desde longa data, o sertão fervilhava de combatentes engajados em variados movimentos sediciosos. Entre eles, recorda a Guerra de Canudos, a chamada sedição de Juazeiro, em que o Padre Cícero Romão Batista chegou a derrubar o governador do Estado, a Coluna Prestes, que ameaçava o poder dos “coronéis”, a chamada República de Princesa, em que o “coronel” José Pereira Lima declarou a independência de seu município, desafiando o poder estadual e, por fim, o assassinato de João Pessoa, em Recife, candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, fato que teria sido o estopim para a deflagração da Revolução de 1930. Todos esses acontecimentos, contemporâneos ou em sequência, contribuíram para a formação do cadinho revolucionário que permitiu a criação de bandos cangaceiros que agiram por longos anos. Só a carreira de Lampião durou vinte anos.

Todos esses aspectos são estudados em minúcia, com base em extensa pesquisa, inclusive in loco, entrevistando testemunhas e conhecedores do assunto, de maneira a transmitir ao leitor um painel rico e completo sobre o curioso fenômeno. O livro de Luiz Serra se integra a partir de agora entre as obras indispensáveis ao perfeito conhecimento do tema.

Escrito por Enéas Athanázio, 30/01/2017 às 11h29 | e.atha@terra.com.br

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