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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

QUANDO EU QUIS VOAR

*Rangel Alves da Costa

Quando eu quis voar e ser apenas Ícaro a esvoaçar, então veio o sol a me esturricar, a queimar minhas asas e me derrubar, desfazer do sonho que pude sonhar.

Quando eu quis voar, e do rochedo o semideus Prometeu acorrentado retirar, veio o abutre ávido no seu voejar e me lançou as garras sem pestanejar.

Quando eu quis voar e no céu do condor o mais alto alçar, logo senti que tal sonho de me libertar talvez nem pisando ao chão fosse possível alcançar.

Quando eu quis voar e simplesmente ser das nuvens mais um passarinho no seu revoar, quando olhei para baixo avistei uma arma pronta a disparar.

Quando eu quis voar e no voo o mais longínquo horizonte poder abraçar, mas quando mais longe ia o meu avoar mais sentia que do chão eu nunca ia passar.

Quando eu quis voar e senti quando alguém abriu a porta da gaiola pra me libertar, já não tinha força para o voo levantar e também sabia do meu breve voar.

Quando eu quis voar e ao longe ouvi um canto de acalantar, então logo pensei que poderia amar, mas quanto mais voei mais vi distanciar aquele coração e o seu gorjear.

Quando eu quis voar, e assim quis por meu desejar, não pensei que a gaiola estava a me esperar na curva e no alto e por todo lugar, na ânsia do mundo de aprisionar.

Quando eu quis voar e de uma mão aberta fui subindo ao ar, quando mais subia mais sentia um puxar, que era da mão me fazendo voltar, negando o destino de estar pelo ar.

Quando eu quis voar e do alto do telhado me pus a olhar, e da copa da árvore me pus a pensar, ao longe avistei um cruel carcará. Ou talvez fosse homem e o seu emboscar.

Quando eu quis voar, pensando que pássaro tem livre passar, não passei da nuvem nem pude avançar, pois no céu do passarinho já não se pode voar.


Quando eu quis voar e fechei a porta do ninho pra quando retornar, sequer imaginei de a casa voltar e nela nem um grão de palha encontrar, e depois o nada a me agasalhar.

Quando eu quis voar, imaginando o gosto e o prazer de poder sonhar, levado pelo espírito de me libertar, ao levantar as asas fui impedido pelo homem de qualquer voo alçar.

Quando eu quis voar, assim como voa a folha no seu viajar, assim como o vento no seu passear, não quis mais que no espaço caminhar o caminho impossível de na terra andar.

Quando eu quis voar e de lenço aberto ao longe me pus a acenar, de lágrimas nos olhos o seu respingar, não quis ir além de conhecer a vida e depois retornar.

Quando eu quis voar e outros pássaros chamei para comigo ruflar, e todos aceitaram as alturas beijar, não pensei quão difícil é sair do chão sem uma arapuca a esperar.

Quando eu quis voar e voei bem alto sem sair do chão e nem caminhar, percebi que o voo também é o sonhar, o querer distante se impossível subir e sentir a lua brilhar.

Quando eu quis voar e um pássaro mais velho me pôs a ensinar que muitas armadilhas eu iria encontrar, não imaginei que abrindo a porta não podia sequer caminhar.

Quando eu quis voar e me fiz de herói para a glória alcançar, e me fiz de mito na mitologia que há, não tinha percebido que os deuses morreram sem poder voar.

Quando eu quis voar e do alto o mais alto eu poder gritar, dizer que a liberdade é o que deve ao homem restar, ninguém me ouviria para acreditar.

Quando eu quis voar, Fernão Capelo Gaivota a me acompanhar, um Messias de asas sempre a me guiar, contentei-me em bater as asas e depois chorar.

Quando eu quis voar e por que voar é o maior sonho que há, não quis chegar aos céus nem a mão sagrada beijar, mas ao longe minha força poder ao divino mostrar.

Quando eu quis voar e assustei-me logo ao acordar, restou-me a lição a me acompanhar: vá além do sonho por que além do horizonte será possível chegar.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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