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quarta-feira, 24 de maio de 2017

A DELAÇÃO PREMIADA DE ZEZINHO AROEIRA

*Rangel Alves da Costa

De repente Zezinho Aroeira caiu na boca do povo. A imprensa interiorana, aquela de boca em boca, na fofoca e no ouvi dizer, não comentava outra coisa: a prisão do homem. Envolvido em que? Numa tal de Operação Esperteza.
Tal operação, de nome bem sugestivo, fora deflagrada depois que começaram a espalhar notícias sobre venda batizada de cachaça, de balança viciada no peso, de venda de pirulito de mel sem ter mel algum e de venda de galinha de capoeira falsificada, dentre outras acusações.
E Zezinho Aroeira, que não passava de um pobre desempregado, com dificuldade até mesmo de comer alguma coisa durante o dia, foi surpreendido e preso enquanto batia à porta de um vizinho atrás de um pão dormido. Preso, algemado, encaminhado à delegacia.
Quando os autos foram enviados ao doutor juiz, este não teve dúvida que se tratava da maior ação criminosa do mundo. Quem já viu dizer vender galinha de granja como se fosse de capoeira? Misturar água na cachaça era o fim do mundo. Levado o caso ao doutor promotor, o homem ficou com tamanha cólera que enrubesceu de quase pegar fogo. Como a pessoa pode cobrar o preço de um quilo quando o peso não passa de 999 gramas? Um absurdo. E tome-lhe processo em cima do Aroeira.
Não tinha jeito. Ou Zezinho Aroeira delatava ou a culpa recairia toda nas suas costas. Honrado, não admitia ser acusado de tais práticas, ainda que lembrasse alguma coisa ou outra de algum erro cometido. Então foi forçado a fazer o que não sabia sequer o que era: delação. Tudo uma questão de demonstrar que a culpa não era só dele.
Ladeado por agentes, promotores e juízes, perante um gravador potente, um microfone, uma câmara filmadora, além de um digitador, então se pôs a falar. Antes da primeira palavra, então lhe veio um redemoinho. Num só instante e sua mente foi buscando o passado inteiro, contando acertos, somando erros, coisa de doer coração.


A pergunta já havia sido feita, bastando somente o Aroeira começar a falar, a esmiuçar aquela história toda, as acusações recaídas e o que de mais soubesse. Então soltou o verbo:
“Eu sabia que Jeromão Marchante roubava na balança. Todo mundo sabia disso. Cada quilo de carne não passava de novecentos gramas, e mal pesadas. Mas eu nunca mais tive dinheiro nem pra comprar um quilo e ser roubado no peso. Se cometi algum erro foi quando eu tinha dinheiro, comprar o quilo de carne, mesmo sabendo da safadeza daquela balança”.
“Sobre a cachaça batizada, do mesmo jeito todo mundo sabia que o vendeirim fazia assim. Mas sabe como é pinguço, né? O beberrão já chega no botequim doido pra tomar uma e não quer nem saber se a casca de pau é boa mesmo ou se a cachaça foi misturada com água. Só vai saber depois que o mocotó e a cara começam a inchar. Quando meu mocotó começou a ficar assim, então nunca mais botei os pés lá. E até hoje o safado do vendeirim faz assim. E ganha muito dinheiro com a esperteza. Só que já enterrou uns cinco”.
“Sobra a galinha de capoeira falsificada, tudo mundo sabe que quase todo mundo faz isso. A pessoa compra galinha de granja, bota no quintal e depois vende como se fosse galinha de capoeira. Mas tudo mentira. Agora não nego que já fiz isso também. Só deixei no dia que um comprador veio me reclamar que a carne estava branca e macia demais pra ser galinha de capoeira. E me ameaçou com uma faca peixeira. Corri três dias pensando que o cabra estava atrás de mim. Mas já faz muito tempo que não como nem uma asa de galinha de granja. Nunca tenho dinheiro nem pra comprar um caroço de milho, quanto mais uma galinha”.
“E sobre...”. Quando ia falar sobre as outras acusações, todos os juízes e promotores bateram à mesa esbravejando, raivosos, indignados. Aquilo era demais, foi o comentário geral. Mil anos de cadeia pra esse safado. Foi a sentença que começaram a dar ali mesmo. Acuado, o pobre do Zezinho Aroeira só teve cabeça pra perguntar: “E num disseram que se eu contasse tudo eu não ia ficar preso muito tempo?”.
“Mas você é pobre. Pobre e condenado. Condenado, condenado e condenado, com todos os rigores da lei”.

Escritor
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