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sexta-feira, 10 de agosto de 2018

ASSÉDIO

*Rangel Alves da Costa

Acho que venho sendo sexualmente assediado por minha namorada. Só pode ser. Cresci sabendo que namoro é só beijo no rosto, pegar na mão e dizer que ama (sem chegar o lábio muito perto do ouvido). Se quiser ficar juntinho, tem que se contentar em sentar numa cadeira separada da que ela estiver sentada. Nada de mão nas pernas, nas coxas, pelo corpo. Safadeza demais fazer isso! É preciso respeitar! Namoro é namoro, não é casamento ou amigação não. Quem já viu dizer que o homem possa ver a mulher nua antes de se “ajuntar”?
Como diz o outro, ainda é preciso viver como se fosse um tempo de amor e moralidade. Namoro atrás de muro, de jeito nenhum. Passar a mão pelas coxas, mas nem pensar. Saber a cor da calcinha da mulher, um verdadeiro absurdo. Tocar nos bicos dos seios, certamente o pecado dos pecados. Respeitar o limite do abraço, numa distância segura, aí sim, pois o que se espera de namorados é que se guardem e resguardem para o futuro, para o depois das núpcias. E se possível uma lua de mel sem nudez absoluta, com luz apagada e roupas somente um pouco abaixo dos joelhos.
Não vejo nenhum mal nisso. De vez em quando até indago o porquê de as pessoas ficarem totalmente nuas dentro de seus quartos. E mais: um vendo tudo do outro. Certamente não tem medo de um resfriado, de um vento ruim que passe e entorte tudo. Conheço gente que é casada desde mais de vinte anos e até hoje só faz vestida de camisolão suas obrigações sexuais. E ele de ceroulão. Depois de tudo, com todo o recato de respeitosos, cada um dorme seu sono no lado sua cama e sem se tocar nenhum instante. Acho até que nem um nem o outro já avistou algum dia a nudez do outro. Aplaudo que seja assim. Tem que ser assim porque não passa de pouca vergonha estar avistando as partes dos outros.
Minha namorada sabe muito bem que penso assim. Ela sabe que sou o mais casto dos homens, que sou o respeito em pessoa, que jamais iria além do toque na mão e na carícia um tanto distanciada. Tudo para não despertar desejo nem coisas mais. Mas o estranho nisso tudo é que mesmo sabendo desse meu jeito tão puritano e conservador de ser, ainda assim ela – costumeiramente – tenta transgredir meu jeito imaculado de ser. Imaginem que absurdo: beija-me na boca, lambe meus beiços, me abraça apertado, me roça em seu corpo, me faz sentir um terrível calor, chega até mesmo colocar minhas mãos em partes angelicais do seu corpo. Quer por que quer fazer aquilo. Sinto vergonha só em pensar.


Juro que fico sem jeito, que fico sem graça. Ora, como uma pessoa séria como eu pode se comportar decentemente quando de repente avisto sua calcinha descida ao chão, quando os bicos de seus peitos parecem apontar para mim, quando sua pele nua chega-me feito um vulcão incendiário? Fico todo sem jeito, rubro, envergonhado. Tento nada avistar, procuro me afastar um pouco e fechar os olhos para não cair na tentação, mas quando dou por mim ela já está me arremessando em cima da cama e depois avançando sobre o meu corpo com uma voracidade felina. Assédio. Só pode ser assédio.
Mas depois dos noticiários dando conta que muito famoso está sendo acusado de assédio só por que chamou a moça sibite de gostosa ou fez qualquer insinuação mais provocante, passei a desconfiar de que minha namorada está me assediando. Não posso pensar diferente. Se as acusações contra os famosos são menos picantes que o que ela anda fazendo comigo, então não posso duvidar de que está passando dos limites do namoro respeitoso e chegando à esfera da sexualidade.
Ora, ela beija em minha boca e me faz carinho. Ela me faz dengo e também cafuné, passa a mão pelo meu peito e roça sua pele macia na minha, chega com seu lábio úmido e assenta sobre o meu beiço envergonhado. Eu acho isso avançado demais e faço tudo para evitar, mas acabo com vergonha de dizer não, que pare com isso senão papai do céu vai brigar. Então fecho os olhos e deixo ela me beijar mais. Sei que é pecado, até pecado mortal. Mas é tão bom!

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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