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quinta-feira, 15 de novembro de 2018

CARTINHA DE AMOR A UMA MENINA DA ROÇA

*Rangel Alves da Costa

Não sei o que dizer. Juro que não encontro palavras que verdadeiramente expressem a minha intenção. É fácil escrever para uma menina urbana, citadina, acostumada com as leituras e os proseados. Mas não para uma menina da roça, tímida, acanhada, ainda que de boa leitura e boa escrita.
Na verdade, o que me faltam são os ajustamentos das palavras. Não quero ser poético demais nem frio em demasia. Não quero florear minha escrita nem lançar perante o seu olhar uma carta qualquer. Será flor do campo com feição de flor do campo, gosto de fruta por que com sabor de fruta madura. Uma escrita assim solenemente terna e apaixonante, ecoando um canto de passarinho e um murmurejar de folhagem ao entardecer.
Mas como eu queria que cada palavra tivesse cheiro de mato, que cada letra cheirasse a terra molhada, que todo o escrito tivesse cheiro e sabor de doce de panela, tivesse a feição e o gosto do araçá madurinho, tivesse a beleza de uma flor de mandacaru. Quem dera, minha amada, quem dera que o seu olhar, ao passear pelas linhas trêmulas e desajeitadas, encontrasse relvas, brotos, sementes e folhas. Quem dera minha menina, que a cartinha tivesse voz e dissesse: você é linda!
Mas não sei, não sei se vou conseguir. Sou da cidade demais, cheiro a cidade demais, tenho em mim metade de asfalto e metade de cimento. Ainda que eu sinta e viva o sertão, que tanto ame sua malhada e sua catingueira, sua janela e o bicho mugindo adiante, também sei que sou ruído e buzina demais. Compreenda-me. Não sou assim tão de ferro e ferrugem. Não sou assim tanta poeira e maresia. Dentro de mim eu guardo e levo o encanto das coisas belas, a magia das coisas que tanto bem fazem ao coração. Sou assim como você, minha menina. Não vivo a terra e o barro, nem sempre ouço o galo cantar nem o bicho berrar, mas também sou assim como você.
Um pedaço de papel qualquer. Não quero folha bonita nem caneta dourada. Não pingo um tiquinho de perfume sobre a folha porque não uso loção. Mas juro, e juro por tudo na vida, que não há coração mais apaixonadamente apreensivo do que o meu. Ora, escrever com palavra, escolher cada palavra como se fosse voz, escolher a voz ideal para ser ouvido. E, quem sabe, ao segurar nas mãos e lançar o olhar sobre os meus dizeres, você enfim sorria o mais belo sorriso do mundo e reconheça, no mais profundo do coração, que há alguém que verdadeiramente a ama. Então leia, por favor:
Boa tarde, boa noite, bom dia, meu amor... Sabe o que eu tô sentindo agora? Aquilo mesmo que os horizontes sentem quando o sol vai embora. Aquilo mesmo que o alvorecer sente quando a lua vai embora. Aquilo que mesmo que o lenço sente quando já não há vulto na curva da estrada. Saudade, saudade, saudade...
Ontem falei com você, meu doce araçá, minha fruta do mato, minha flor silvestre, mas foi como se sua palavra somente aumentasse minha vontade de voar, de ser passarinho, de chegar à sua janela e pousar no seu lábio. Lábio de mel sim, um favo na flor, um beijar beija-flor. E eu aqui, tão distante e tão sozinho, imaginando você tão bela com sua singeleza e simplicidade. No umbral da janela, mirando as distâncias ressequidas de sol, mas com olhar tão de mar que tudo parece encharcado de benção.
Meu amor, meu amor. Menina da roça minha flor. Chinelo no pé ou descalço pé, pulseira de cipó trançado, cabelos ao vento, a roupa mais simples que possa existir, mas sempre tão bela. A roupa, minha menina, é o corpo que faz, é o gosto que faz, e não a moda que manda. Seja sempre assim. Continue tímida, continue acanhada, continue com olhos fugidos, continue quase sem sorriso. Vá caminhar ao redor, conversar com a natureza, sentar numa pedra, riscar pelo chão. Desenhe um coração num tronco de pau e depois escreva nossos nomes entrecruzados.
Nada mais belo que esse encanto do simples, da ternura da vida. Compreendo que seja assim e peço que assim continue. Nada force ou leve pra dentro de si nada que não seja do seu jeito ou do seu agrado. O mundo lá fora é um mundo, mas jamais igual ao mundo que há em você e que a rodeia. Quero ouvir sua voz quase num sussurro, quero afagar o seu corpo de pétala e seu lábio de flor, quero dizer bem baixinho: amor, meu amor! Daqui, daqui dessa dolorosa distância, abro minha mão para um amado beijo e depois lanço em voo pelos horizontes do entardecer.
Beijo que chega já. Sinta o beijo em você. Sou eu!


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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